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domingo, 18 de agosto de 2013

Cidades com menor IDH de Pernambuco são marcadas por corrupção

Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

A pobreza de Manari, Jurema e Itaíba, todas no Sertão, região de altíssimo e subestimado potencial econômico e turístico, está ligada a uma história política marcada por denúncias de desvios e improbidade administrativa. Confira na reportagem especial do JC deste domingo (18)

 

É difícil não ficar parado olhando o Sol se pôr em frente ao casebre de Lindaci e Bodocó, ela 28, ele 38, vivem perto da PE-300, em Manari, no Sertão. O céu torna-se dramático, vermelho, laranja, rosa, ainda tem espaço para um azul que vai ficando mais intenso, uma luz exibida que assume as mesmas cores e modifica o que consegue tocar. Tinge de laranja e rosa as árvores e o lixo espalhado atrás da construção, um quarto e sala de teto muito baixo habitado ainda por José Sizo, 5, e Maria Valdemira, 1 ano. Dormem todos na mesma cama. No terreno em frente, amplo, flores miúdas e roxas contrapõem-se a embalagens de plástico e restos de comida. A chuva deu conta de esverdear o resto. “Que flor é essa, Lindaci?” A moça sorri como quem pensa que aquele é um interesse meio besta, carrega no colo a filha pequena que está com o rosto sujo de farinha e ensaia chorar. “Sei não, é um mato que cresce aqui.” Entra na casa e dá as costas para o Sol, para as cores e as flores, para o céu dramático. Não há espaço para a contemplação. Limpa a boca de Maria, senta-se no batente da porta. É hora da menina mamar.

Lindaci e as irmãs Odaci, 25, e Joeci, 23, são as únicas sobreviventes dos 16 filhos paridos por Cícera Joventina, 61. Cresceram ali, sem casa e terra própria, na cidade que não muito mais tarde ganharia o título de A Pior do Brasil. Mas as coisas, disseram os números, melhoraram. Agora, Manari é apenas A Pior de um Estado que abriga 184 municípios, alguns deles sem musculatura para ser ao menos povoado. A família, como centenas de outras que nasceram naquela região bonita, castigada bem mais pela má-fé política do que pelo Sol, faz parte dos dados midiáticos e cruéis divulgados recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), Manari é a única em Pernambuco a possuir um ponto vermelho, indicando seu lugar de “muito baixo desenvolvimento” (entre 0 e 0,499): cravou 0,487. Lindaci, Bodocó (como o agricultor José Vieira de Melo é conhecido), José Sizo e a pequena Maria do rosto sujo de farinha são os quatro dígitos desse índice: os adultos são semianalfabetos, perderam filhos com poucos meses de nascidos, não estão empregados, não possuem casa nem renda própria (somente R$ 206 ao mês pagos pelo Bolsa Família). Os mais novos só foram atendidos por um serviço médico quando nasceram, na maternidade. Depois disso, foram levados até uma rezadeira todas as vezes em que ficaram doentes. Os pais confiam mais nela do que nos médicos do município.


Quando a chuva acontece e a terra permite o plantio e a colheita, Bodocó e Lindaci vão trabalhar ali perto, na fazenda de José Vieira Pereira, ex-prefeito da cidade (de 1996 a 2004) conhecido por todos como “Santo Vieira” (título flexionado para Santos em sua segunda e vitoriosa candidatura a prefeito). Lá, conseguem tirar para si algumas sacas de milho e de feijão. Outra parte fica para o dono da terra, um esquema comum no Sertão, onde o “pagamento” é a própria comida. “Faz tempo que não vou na roça de Santo, foi muita seca, não crescia nada”, comenta Lucilene, que também usa o termo divino para se referir ao ex-gestor, condenado em 2010 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a devolver R$ 126.225 ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O dinheiro foi transferido pelo governo federal para a compra de um ônibus escolar, o que não aconteceu (acórdão nº 4875/2010, processo 015.181/2008-6). Santo também esteve envolvido, em 2006, na Operação Carcará Negro, da Polícia Federal, na qual seis pessoas de Manari foram presas por conta do desvio de quase R$ 2 milhões da prefeitura. Existem diversos outros processos ligados a ele, que declarou para a Justiça Eleitoral em 2008 possuir uma casa residencial no Centro de Manari (R$ 30 mil) e uma propriedade de 74 hectares, valendo R$ 80 mil, no Sítio Serrote, justamente onde está a casa de Lindaci e Bodocó.

Devendo duas prestações do conjunto de mesa e quatro cadeiras verdes de plástico (R$ 320 em dez vezes) e cerca de R$ 700 da moto de segunda mão comprada por R$ 1.600, Bodocó não relaciona sua pobreza material e física à pobreza gerencial e ética daqueles que historicamente estiveram à frente de sua cidade. Ele e a esposa são adeptos de um “pragmatismo metafísico” comum entre aqueles que, sem nunca terem experimentado uma vida de conforto e respeito, preferem atribuir qualquer possível melhoria futura a Deus. A questão é que, além de esta atitude divino-pragmática não mobilizá-los politicamente, ela põe continuamente a família em risco. Um exemplo é o próximo filho do casal, ainda na barriga de Lindaci, que não tem data para chegar simplesmente porque nem Bodocó nem ela fazem ideia dos meses de gestação. A mãe conta que começou um pré-natal, mas foi apenas à primeira consulta. “Pediram um exame para ver a criança, mas custava R$ 50. Eu não tinha esse dinheiro.” O exame é um ultrassom, não realizado nem no único hospital da cidade, a Casa de Saúde João Paulo II, nem em um dos três postos de saúde do município. Foi pedido por um profissional médico que sabe da realidade local, mas limitou-se a cumprir tecnicamente sua obrigação. Enquanto isso, a barriga de Lindaci, vai, pragmaticamente, crescendo.


Blog: O Povo com a Notícia