Já passava do meio da tarde de
quinta-feira (18), quando deu entrada na Justiça Federal de Juiz de Fora, em
Minas Gerais, um pedido do delegado Rodrigo Morais Fernandes para prorrogar o
prazo de conclusão do segundo inquérito aberto para apurar as circunstâncias do
ataque a faca que quase matou Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da
República.
Conforme a Revista Crusoé, no primeiro inquérito, finalizado há três
semanas, o delegado concluiu que no dia do crime o auxiliar de pedreiro Adélio
Bispo de Oliveira agiu sozinho, sem qualquer comparsa. Mas, como Crusoé já
havia informado, uma segunda investigação foi aberta para averiguar se há um
mandante ou, ao menos, se alguém incentivou Adélio a esfaquear Bolsonaro. No
documento enviado nesta quinta ao juiz Bruno Savino, encarregado do caso, o
delegado pede mais prazo para investigar, em especial, a suspeita de que por
trás do ataque a Bolsonaro pode estar a maior facção criminosa do país: o
Primeiro Comando da Capital.
Em sua edição de número 21, que foi ao ar no final de setembro, Crusoé
revelou que a participação do PCC no crime estava entre as hipóteses
consideradas pela Polícia Federal na investigação. Àquela altura, a equipe
responsável pelo inquérito desconfiava, especialmente, do fato de os advogados
que apareceram de repente para defender Adélio terem, em sua carteira de clientes,
integrantes da facção. A suspeita inicial era de que o PCC pudesse estar
custeando a defesa do agressor do candidato – os advogados são conhecidos por
cobrarem caro por seus serviços e nunca explicaram, objetivamente, quem os
contratou para defender Adélio.
Ainda segundo a Crusoé, com o avanço do trabalho da polícia, a suspeita
mudou de patamar. Agora, a possível participação do PCC no atentado a Bolsonaro
é considerada, oficialmente, a principal hipótese do inquérito. “Nossa
principal linha de investigação é o envolvimento do PCC no crime”, confirmou a
Crusoé o delegado Morais. No documento em que pede a prorrogação do inquérito,
ao qual a reportagem teve acesso, Morais explica por que precisa de mais tempo
para concluir o trabalho e, ao listar as razões, cita textualmente a facção
nascida nos presídios. Ele diz, no pedido ao juiz, que é preciso apurar “o
envolvimento de facções criminosas, a exemplo do Primeiro Comando da
Capital-PCC, por detrás da ocorrência delituosa” e menciona que há diligências
em curso destinadas a destrinchar os indícios do envolvimento da organização no
crime. No mesmo expediente, o delegado revela que a suspeita sobre os advogados
de Adélio também passou, oficialmente, a fazer parte do inquérito — sim, agora
os advogados também estão sob investigação. O delegado afirma estar apurando
fatos reportados em uma notícia-crime “que apontam para a prática dos crimes de
integrar organização criminosa e contra a segurança nacional, dentre outros,
atribuídos aos advogados de Adélio Bispo de Oliveira”.
É a primeira vez que a Polícia Federal admite, no papel, estar
investigando suspeitas relacionadas aos advogados que apareceram para defender
Adélio. Da mesma forma, é a primeira vez que a parte sigilosa da apuração sobre
a suposta participação do PCC vai parar formalmente nos autos como uma
importante linha do inquérito.
Conforme a publicação, não há, no documento, explicações detalhadas sobre
as razões que põem a facção no radar dos policiais. Mas Crusoé apurou alguns
dos elementos que levaram a equipe do delegado Morais a suspeitar do
envolvimento da facção no crime. Os policiais trabalham com duas hipóteses
principais. A primeira é a de que a facção possa ter encomendado o atentado. A
outra é de que ela esteja patrocinando a defesa de Adélio Bispo. Destrinchando
a suspeita original, surgida a partir da desconfiança em relação aos advogados,
os policiais descobriram que, no rol de amigos de Adélio, havia um “faccionado”
do PCC – como são chamados os detentos ou ex-detentos batizados pela organização.
Foi no Facebook do agressor de Bolsonaro que apareceu a primeira pista. O tal
amigo é de Montes Claros, no interior de Minas, cidade-natal de Adélio. Já
passou pelo sistema prisional do estado, mas está hoje em liberdade. No início
desta semana, os agentes federais saíram a campo para tentar localizá-lo.
Descobriram que ele já não mora mais em Montes Claros. Mudou-se para Campinas,
no interior de São Paulo, onde também está baseado um segundo personagem da
investigação, amigo do amigo de Adélio, que é apontado pelas autoridades como
integrante do PCC.
Nas redes sociais, esse segundo personagem aparece ostentando dinheiro e
armas pesadas e exibindo tatuagens com referências a palhaços, algo que, no
código do crime, é uma marca típica de criminosos que querem se mostrar como
algozes de policiais. Ambos, o amigo de Adélio e o amigo do amigo de Adélio,
continuam sendo procurados pela PF. Paralelamente, a equipe trabalha em outra
ponta da investigação que relaciona o ajudante de pedreiro a faccionados do PCC
em Florianópolis, uma das várias cidades onde o esfaqueador de Bolsonaro morou
nos últimos anos. Essa ponta da investigação ainda é mantida sob absoluto
sigilo.
Enquanto isso, em Minas, os investigadores procuram delinear a relação dos
advogados de Adélio Bispo com “faccionados” do PCC. Nas últimas semanas, eles
reuniram uma lista de detentos que, nos arquivos oficiais, são apontados como
integrantes da facção e têm como defensores os mesmos advogados de Adélio. Ao
menos dois desses “faccionados” estão atualmente cumprindo pena na
penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo
Horizonte, e são clientes de Fernando Magalhães, um dos integrantes da equipe
de criminalistas que defende Adélio. São acusados de crimes como tráfico de
drogas e homicídio.
À Crusoé, Magalhães negou que esteja trabalhando no caso Adélio a soldo do
PCC. “Eu não advogo para o PCC, mesmo porque o PCC é uma ficção, né? Uma
denominada associação de criminosos que teriam uma bandeira. Eu advogo para
algumas pessoas que seriam relacionadas a esse grupo criminoso”, disse. “A
minha advocacia é séria. Meus clientes me contratam pontualmente por processo,
para um júri, e eu atendo. Se ele for religioso ou for criminoso contumaz, me
interessa o exercício do meu ofício”, emendou, em entrevista ao repórter
Eduardo Barretto. O advogado foi além. Disse não acreditar em qualquer ligação
de Adélio com o PCC e que, se a facção tivesse interesse em atacar Bolsonaro,
usaria outros meios: “Se houvesse uma forte organização criminosa para praticar
a morte do presidenciável, teriam dado para ele uma arma, não uma faca. Se
fosse ligado a essa facção criminosa, que é temida principalmente nos estados
de São Paulo, Minas Gerais, eles certamente teriam poderio financeiro e logístico
para providenciar ataques. Eu sequer consigo acreditar nessa possibilidade de o
Adélio ter contado com qualquer pessoa relacionada a essas pessoas. Sequer
acredito que tenha tido esse tipo de contato. Mas eu não defendo PCC. Eu
defendo pessoas que estão sendo processadas pela Justiça, inclusive deputados.
Qualquer um.”
Não foi só dos policiais que os advogados chamaram a atenção quando se
apresentaram para defender o ajudante de pedreiro, logo após o ataque a
Bolsonaro em Juiz de Fora. Horas depois de Adélio ser preso em flagrante, os
advogados – Magalhães entre eles – correram até Juiz de Fora. Chegaram à cidade
a bordo de um avião particular. Era o início de uma sequência de mistérios e
histórias desencontradas. Quem paga? Quanto custa? Quais os interesses de quem
custeia a defesa? Os advogados, até aqui, mantêm no anonimato o contratante –
ou os contratantes. As versões são nebulosas.
Um deles, Zanone Júnior, disse ter sido acionado por uma pessoa que seria
ligada a uma igreja frequentada no passado por Adélio e que, em seguida, chamou
os outros três colegas para ajudá-lo na empreitada. Entre eles, Fernando
Magalhães. Zanone contou que, pelo serviço, recebeu dois pagamentos em dinheiro
vivo. O quarteto é conhecido em Minas por cobrar caro e também por atuar em
casos de grande repercussão – Zanone, por exemplo, trabalhou no processo que
levou o goleiro Bruno à prisão.
Os policiais que atuam no inquérito estão em permanente contato com o
staff de Bolsonaro. E tentam obter do candidato e de familiares informações que
possam ajudar na apuração – como, por exemplo, dados sobre ameaças ocorridas
antes ou mesmo depois do atentado. Foi em um desses contatos que eles
receberam, por exemplo, a notícia de que, em 17 de setembro, tiros teriam sido
disparados para o alto, durante a noite, nas proximidades do condomínio onde
mora o presidenciável, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Na ocasião,
Bolsonaro ainda estava internado em São Paulo. Um boletim de ocorrência foi
registrado.
Ainda é prematuro afirmar que o PCC está por trás do atentado a Bolsonaro.
Mas o fato de a Polícia Federal apontar essa suspeita como a principal linha de
investigação do segundo inquérito aberto para investigar o crime abre um novo
flanco que pode dar ao caso outra dimensão. Contribuem para reforçar a hipótese
dos investigadores alguns elementos colhidos em trabalhos de inteligência da
própria PF destinados a monitorar a ação da facção criminosa – especialmente
nas situações que envolvem crimes federais, como lavagem de dinheiro. Em
interceptações telefônicas, chefes do PCC aparecem fazendo referências nada
elogiosas a Jair Bolsonaro. A leitura dos policiais é a de que a promessa do
candidato de radicalizar o combate ao crime organizado representa uma ameaça
aos criminosos e que, por isso, eles estariam temerosos com a sua possível
eleição. As informações são da Revista Crusoé, do Antagonista.
Blog: O Povo com a Notícia