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sábado, 2 de maio de 2015

De rota da maconha à rota da paz: a nova Salgueiro e a contribuição de quem acreditou na mudança

Padre José Maria Prada
Padre José Maria Prada
Salgueiro-PE
Salgueiro-PE
Padre Remi de Vettor
Padre Remi de Vettor
Era 29 de abril de 1991. O padre José Maria Prada, pároco de Salgueiro, foi assassinado a tiros, na casa paroquial. O motivo: ele se negou a realizar o casamento de um policial que já era casado. Pelas leis da Igreja Católica, o matrimônio é um sacramento indissolúvel.
A imagem se tornou histórica. O homem manso, de voz baixa, pobre por opção, caído no chão e vestido com a simplicidade de sempre. A camisa listrada de azul e manchada de sangue se tornou um dos principais símbolos da mudança, em Salgueiro.
No mesmo dia, assume a paróquia o Padre Remi de Vettor, italiano da congregação dos Servos da Caridade de São Luis Guanella. Ele conta que encontrou uma cidade com muitos problemas de ordem social. Salgueiro era famosa pela insegurança e violência. “Existia no meio do povo, o silêncio e o medo. O povo não tinha coragem de falar. De levantar a voz. Percebia a realidade, mas não tinha coragem de abrir a boca. De denunciar”, lembra.
A camisa suja de sangue foi exposta numa cruz de madeira e carregada pelo povo nas celebrações e caminhadas como uma forma de pedir justiça. As famílias de Salgueiro foram convidadas a levarem suas próprias cruzes representando os parentes assassinados. A partir de então, a praça da igreja matriz estava sempre cheia. O povo aprendeu a protestar contra a impunidade.
O período era, não só de violência, mas de progresso da droga. A maconha era, para os agricultores, uma alternativa à seca. Com pouca água se cultivava a droga e se mantinha a família por, pelo menos, um ano. “Indo no interior a gente sabia que, nos sítios, era normal os agricultores plantarem a droga. Era um meio de sustentação do período”, explica.
Paralelamente à disseminação do plantio da droga surgia um esquema mafioso que comprava a droga e distribuía para todo o País. “A gente sabe que foi preso, aqui, um traficante do Comando Vermelho. Claramente, eram as pessoas que comandavam toda essa estrutura de comércio da droga, dirigida pelos grandes movimentos mafiosos do Rio de Janeiro”.
A situação explodiu, nacionalmente, em 1999, com a Operação Mandacaru. O exército interveio com 1500 soldados, destruindo as plantações da erva. De acordo com Padre Remi, os pequenos agricultores foram presos, mas os mafiosos continuaram em liberdade.
A instalação do exército assustou a população. O padre, então, chamou o general da operação e as autoridades militares para um debate na praça da matriz, com a presença do povo, que lotou o local. Entidades e agricultores questionaram o general, que teve a oportunidade de justificar a presença da operação no território e pedir a compreensão dos salgueirenses. “Ou o exército trabalhava junto ao povo ou o povo se fecharia ao exército e condenaria a invasão”, afirma Remi.

Nas missas, o pároco começou a pedir que, em lugar do dinheiro, as pessoas depositassem denúncias na cestinha da oferta.
Em 6 de abril de 2000, a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI do Narcotráfico veio a Salgueiro para ouvir Padre Remi, que repassou as denúncias.
A mudança começava a aparecer. “O povo organizado que acredita na sua força, na sua organização, começa a dar um basta na situação em que vive e protagoniza a mudança. O povo apoiou, se uniu, participou, gritou e denunciou”, diz o religioso.
A cidade onde os assaltos eram normais, assim como eram frequentes os sequestros de caminhões de cargas e até a morte dos motoristas, começou a agir em favor da paz. “Depois de um período de mentalidade política de omissão, igreja e política se juntaram nesse combate, levantando a bandeira da esperança, em reação ao ambiente perverso que existia nessa cidade”.
Carisma guaneliano – Em fevereiro de 1992, nascia o Programa de Atendimento à Criança e ao Adolescente – Proac, em Salgueiro, com o objetivo de tirar crianças e adolescentes da rua, oferecendo-lhes a oportunidade de aprender uma profissão, através de várias atividades.
Em 1993, Padre Remi assume a presidência da instituição, função que ocupa até hoje, inspirado por São Luis Guanella e pelo carisma guaneliano de responder aos desafios sociais.
Localizado desde 1994, no bairro Divino Espírito Santo, em terreno da paróquia, o Proac vem contribuindo para a formação de verdadeiros cidadãos, por meio da dança, do teatro, de cursos de manicure, cabeleireiro, costura, marcenaria, serralharia e atividades de esporte e reforço escolar.
O professor Marcelo Figueirôa acompanhou o Proac desde o início. Atualmente, tesoureiro e responsável pela administração do projeto, ele explica que são atendidos em torno de 150 crianças e adolescentes diariamente. “Antes não havia nenhum programa, no município ou no estado, voltado para a criança e o adolescente”.
Para Marcelo, existe uma Salgueiro antes de Padre Remi e outra depois. “O carisma que o Proac vive é o carisma guaneliano com Padre Remi à frente, que costumo dizer que é o São Luis Guanella do Brasil”.
Paralelamente ao funcionamento do Proac, Padre Remi de Vettor potencializa a primeira creche, a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criada pelo Padre Manoel Garcia; posteriormente, funda a Creche Cristo Redentor e o Abrigo Israel para o acolhimento de mendigos e transeuntes.
As comunidades rurais, também, foram assistidas. Com um trator, adquirido por benfeitores, na Itália, e uma caçamba, ele, ainda, implantou a construção de barragens. Em vinte anos foram construídas mais de setenta.
O afeto - Há 48 anos no Brasil, o homem que deixou sua terra para servir o povo, no Sertão, considera Salgueiro a sua verdadeira casa e a cidade que mais amou. “Salgueiro representa um pouco um filho que eu fui gerando aos poucos junto a pessoas de boa vontade. Me sinto um pouquinho o animador, um líder que tentou mostrar que teríamos que amar a nossa cidade e o nosso povo e para amá-lo precisávamos trabalhar, lutar para mudar a imagem de Salgueiro. Hoje, Salgueiro é uma outra cidade. Uma cidade de paz. Salgueiro é o lugar que mais está no meu coração”, declara.
Blog: O Povo com a Notícia