Estava tudo combinado. O PT
entregaria os três votos que controla no Conselho de Ética a Eduardo Cunha,
selando o arquivamento do pedido de cassação do seu mandato. Em retribuição, o
presidente da Câmara manteria na gaveta os pedidos de impeachment formulados
contra Dilma. E as forças governistas fechariam a terça-feira entregando para a
presidente da República uma encomenda estratégica: a autorização para Dilma
fechar as contas públicas de 2015 com um rombo de R$119,9 bilhões. Deu errado.
Operando
na coxia, longe dos refletores, Cunha articulou-se com seus aliados para
esvaziar a sessão do Congresso em que deputados e senadores autorizariam o
governo a fechar o ano no vermelho. Fez isso porque, horas antes, no meio da
tarde, o presidente do PT, Rui Falcão, divulgara na internet uma nota com o
seguinte teor: “Confio em nossos deputados, no Conselho de Ética, votem pela
admissibilidade” do processo contra Cunha.
Cunha
enfureceu-se com a nota de Falcão e com um abaixo-assinado em que 34 dos 60 deputados
do PT pediram o seu escalpo. Mais cedo, o líder do governo na Câmara, deputado
José Guimarães (PT-CE), lhe havia garantido que os três petistas do Conselho de
Ética — Zé Geraldo (PA), Leo de Brito (AC) e Valmir Prascidelli (SP) — votariam
contra o parecer que pede a continuidade do processo que pede a sua cassação.
Na dúvida quanto à solidez dos compromissos do PT, Cunha preferiu puxar o freio
de mão. Manobrou para esticar a reunião do conselho até o início da sessão do
Congresso. O regimento impede que outras comissões funcionem depois que o
plenário liga suas fornalhas.
Nas
suas conversas subterrâneas, Cunha voltou a avisar: se o PT não lhe fornecer os
votos que faltam para enterrar o pedido de cassação no Conselho de Ética, não
hesitará em colocar para andar o processo de impeachment da presidente da
República. A chantagem é explícita. “Estamos votando não com a faca, mas com a
metralhadora no pescoço, todo mundo sabe que o Cunha trabalha com essa arma [do
impeachment]. A metralhadora está na mão do Cunha.''
Chantageia
daqui, conspira dali foram adiadas para esta quarta-feira as duas principais
encrencas da semana — o caso Cunha e a revisão meta fiscal de Dilma. O
presidente da Câmara avisava na noite passada que, se necessário, pode
providenciar com seus aliados, novamente, o esvaziamento do plenário do
Congresso. Parlamentares governistas impressionaram-se com a demonstração de
força de Cunha, na sessão noturna.
Dilma
empenhara-se pessoalmente para encher o plenário. Mal desembarcara da viagem
que fez à França e já se reuniu com líderes partidários e ministros, para
articular a aprovação da revisão da meta fiscal. Avisou aos aliados que, sem a
autorização do Legislativo para converter a promessa de superávit de R$ 55,3
bilhões num rombo de R$ 119,9 bilhões, o governo ficará paralisado.
Os
partidos de oposição foram à sessão com ganas de obstruir a alteração da meta.
“Tragam travesseiros e cobertores para o plenário”, avisou o líder do DEM,
Mendonça Filho (PE). “Se for necessário, ficaremos aqui até as seis da manhã”,
ecoou o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB). “No ano passado, nós já havíamos
aprovado um projeto livrando o governo de cometer um crime fiscal por
desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que estão querendo fazer agora
é, mais uma vez, limpar a cena de um crime.”
Na
presidência da sessão, Renan Calheiros conduziu a sessão até o ponto em que
foram votados os quatro vetos presidenciais que trancavam a pauta. Depois, na
votação de um requerimento protelatório, a oposição pediu que fosse verificado
o quórum. Algo previsto no regimento. Contados os votos, a tropa que Dilma
imaginou ter arregimentado pela manhã só conseguiu registrar no painel
eletrônico a presença de 226 deputados —o quórum mínimo exigido para as sessões
deliberativas é de 257. Renan Calheiros encerrou a sessão, remarcando-a para
esta quarta. (Via: Josias de Souza)
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