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domingo, 30 de outubro de 2016

VAQUEJADA: A derrubada do boi é apenas parte da festa

Por José Teles

Se for realmente aprovada uma lei proibindo a prática da vaquejada no Brasil (o Supremo Tribunal Federal decidiu que a vaquejada é inconstitucional, pois causa sofrimento aos animais), certamente ela continuará a ser praticada na clandestinidade. Uma tradição tão arraigada na cultura do sertão do Nordeste não se acaba por lei ou decreto. Como não acabou em Surubim (PE), nos anos 40, quando um juiz proibiu que se realizasse a já tradicional vaquejada da cidade, pelo mesmo motivo alegado hoje: os maus tratos aos animais. Em 1949, sete anos mais tarde, com a morte do magistrado, o novo juiz revogou a lei, e a vaquejada de Surubim voltou grandiosa, com a presença das principais autoridades do Estado, entre elas Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, o lendário Coronel Chico Heráclio (ele próprio organizador de uma não menos grandiosa vaquejada na sua fazenda Varjadas, em Limoeiro). Assis Chateaubriand enviou a reportagem da revista O Cruzeiro para fazer a cobertura.

A vaquejada de Surubim tornou-se um dos maiores eventos do gênero no País, entrou para o calendário turístico e para a música popular brasileira quando, em 1973, em seu segundo disco, o Quinteto Violado lançou Vaquejada (Toinho Alves, Marcelo Melo e Luciano Pimentel): "Doutor venha ver Surubim/ A rua principal toda embandeirada/ É festa em Surubim/é dia de vaquejada". O grupo estava no auge da popularidade, a música tocou no rádio Brasil afora, e foi adotada pelo município: "Fizemos quando a vaquejada de Surubim estava muito badalada, eles adotaram a música como emblemática do evento. A gente tocou lá nos anos 70 e 80, em outras vaquejadas,. Era interessante, mas depois desandou. Entrou outro tipo de música. Depois desta música para a vaquejada, gravamos outra para a Festa de Santana, em Caicó (RN), feita por Fernando Filizola, que também foi adotada lá", conta Marcelo Melo, do Quinto Violado.

CAATINGA: A vaquejada não se limita obviamente à derrubada do boi, que é apenas uma parte da festa. A derrubada é a adaptação urbana da pega do boi, quando vaqueiro e animal travam uma luta, esta sim violenta, caatinga adentro. A função do vaqueiro é pegar rês desgarrada, fugida do dono. Geralmente ele ganha, mas uma vitória de Pirro, voltam os dois, homem e boi, com o sangue escorrendo dos arranhões, o boi com uma máscara rústica e chocalho. É uma refenha que às vezes leva muito tempo. Ao contrário do que acontece na vaquejada, quando cada boi só corre uma vez, agora cercado de cuidados. "Há anos que se cuida para que o boi não sofra. Ele recebe um tratamento especial, não se puxa mais pelo rabo, ele cai numa local com uma areia fofa. O animal sofre mais é com esta seca que esta acontecendo no agreste", comenta Ronaldo Aboiador, que levou boa parte da vida cantando em vaquejadas e pegas de bois Nordeste afora.

Para Marcelo Melo, independente dos cuidados com o animal deveriam ser criadas normas específicas: "Com uma comissão que controlasse o evento, a fim de evitar determinadas práticas. A vaquejada envolve uma série de coisas, mas pelo que pude entender até agora, as pessoas contrárias estão muito apegadas na participação do animal", diz Marcelo Melo, cujo grupo gravou também aboios, mas da trilha da Missa do Vaqueiro, em Serrita (PE), que também tem sua vaquejada, algo inevitável no Alto Sertão num evento, que envolve vaqueiro, cavalo e boi.

Na região onde aconteceu o ciclo do gado, as festas, música e literatura giravam em torno do gado, vaqueiros e cavalos. Em folhetos gerou vários clássicos, entre muitos outros, O Boi Surubim, O Rabicho da Geralda, O Boi Espácio, A Vaca do Burel ou o Boi Misterioso, alguns com duzentos versos, uns criados no século 19, todos tendo por tema a saga do vaqueiro para manter o boi sob o seu domínio, do qual a vaquejada é uma alegoria.

Tema que é transposto para a música, os aboios, que animam as festas do chapéu de couro, que acontecem à noite depois das vaquejadas. Nos velhos tempos a cargo de violeiros, aboiadores, embora fazendeiros mais abertos às novidades convidasse uma jazz band para o baile. Aconteceu isto em Surubim, em setembro de 1941, quando casais dançaram no salão do Paço Municipal ao som da banda de música local, e da Jazz Band Acadêmica, fundada por um filho da cidade, Lourenço da Fonseca Barbosa, o já famoso Capiba. Mas o gênero intrinsecamente atado _à vaquejada, é o aboio.

ABOIO: "O marroeiro (vaqueiro) conduzindo o gado nas estradas, ou movendo com ele nas fazendas, tem por costume cantar. Entoa uma arabesco, geralmente livre de forma estrófica, destituído de palavras as mais das vezes, simples vocalizações, interceptadas quando senão por palavras interjectivas, "boi êh boi", boiato, etc. O ato de cantar assim chama de aboiar. Ao canto chama de aboio", define o Dicionário Musical Brasileiro, de Mario de Andrade. O aboio é um dos muitos cantos de trabalho brasileiros. Assim como boa parte deles foi adaptado para se tornar um gênero musical, com uma farta discografia. Os aboiadores até cerca de 15 anos atrás, eram imprescindíveis na vaquejada, foi alijada dos corridas de gado e vaqueiros, pelas bandas de fuleiragem, sertanejos, e afins.

"O aboio está vivo, mas não na vaquejada. Continuamos a aboiar mesmo que as vaquejadas tenham aderido a música desta bandas que cultivam palavrões, cachaça, em letras sem sentido. Hoje ainda faço uma ou outra, mas canto com mais frequência em cavalgadas, ou nas pegas de boi ", confirma Ronaldo Aboiador. As cavalgadas são cortejos de vaqueiros montados, as pegas de boi são, digamos, o formato "roots" da vaquejada. A corrida é pela caatinga, como é feito na lida diária do vaqueiro. É realizada em municípios situados no alto sertão, segundo Ronaldo. O aboio teve como nomes mais conhecidos Vavá Machado e Arlindo Marcolino, cantando em dupla, terçando vozes, eles gravaram álbuns impecáveis no gênero. Depois se separaram, e Vavá Machado fez dupla com o aboiador Zé de Almeida. Curiosamente morreram ambos em 2012. (Via: Blog PE Notícias)

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