As restrições ao Fies e a
explosão no número de faculdades de ensino à distância deflagraram uma guerra
tarifária entre universidades privadas com mensalidades agressivas abaixo de R$
50 nas matrículas deste ano.
A prática de baixar preços para atrair clientes da concorrência era comum
no país até 2010, quando o governo cortou de 6,5% para 3,4% o juro do programa
de financiamento estudantil Fies, além de outras facilidades como o aumento no
prazo de carência.
Ao ampliar as condições de acesso ao estudo, a medida elevou a oferta de
alunos para as faculdades, o que favoreceu a alta gradual de preço nos anos
seguintes. Até que, em 2015, após o corte no orçamento da Educação, o governo
enxugou o Fies, elevando novamente os juros para 6,5%, entre outras restrições.
As faculdades, então, voltaram a baixar preços para angariar alunos nos
últimos dois anos. A educação a distância, que sempre teve valores mais baixos
que o presencial, ganhou destaque.
Outro ingrediente acirrou o clima de competição no ano passado. O
Ministério da Educação flexibilizou as regras para abrir ensino a distância.
O número de cursos na modalidade saltou de 1.222 em 2016 para 2.774 em
2017, segundo a consultoria Hoper, especializada no setor.
LIQUIDAÇÃO: Na temporada de matrículas deste ano, a Universidade Positivo fez uma promoção
com parcelas de R$ 43,56 para cursos de administração e ciências contábeis, de
ensino a distância, em Cascavel (PR). O anúncio publicitário informa que o
cupom de desconto seria fornecido após o vestibular. Procurada, a Positivo não
quis se manifestar sobre eventuais impactos negativos na qualidade do ensino.
A liquidação também aparece na maior instituição de ensino superior
privado do país, a Kroton, dona da marca Pitágoras, cujos anúncios, estrelados
pelo apresentador Luciano Huck, ofertaram cursos do vestibular de 2018 com
primeira mensalidade a partir de R$ 59.
A Kroton diz em nota que "o caminho para a diferenciação não é uma
estratégia baseada nos valores das mensalidades, mas sim no oferecimento de uma
educação inovadora e de qualidade".
A Estácio, segunda maior instituição do ranking no país, ofertou cursos
com as três primeiras mensalidades por R$ 49, além de isenção da taxa de
inscrição. A empresa diz que "os descontos são específicos para a captação
de alunos e estão em linha com as práticas de mercado".
PROMOÇÃO MALUCA É ISCA INSUSTENTÁVEL
Para Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria, especializada na área de
educação, a guerra de preços, comum até 2010 e dizimada pela criação do
financiamento estudantil com o Fies, tinha um "retorno anunciado".
"Eu venho falando isso desde o segundo semestre do ano passado. A
razão é simples: os alunos sumiram. A classe C, que faz essa carruagem andar,
está com dificuldades. Como está difícil captar alunos, restam as promoções
malucas", diz Monteiro.
E ele faz um alerta: "O mais preocupante é que isso pode levar o
aluno a um engano porque nas letras miúdas o R$ 49 não é o preço da
mensalidade. Isso é uma isca. Eles vão cobrar a diferença nas parcelas futuras.
O anúncio soa como propaganda enganosa", diz Monteiro.
As liquidações têm sido tratadas jocosamente por executivos do setor como
"o ensino de R$ 1,99".
As promoções agressivas com mensalidades em torno de R$ 50 em cursos de
graduação ofertados por grandes universidades privadas no início deste ano
estão mais concentradas na modalidade de ensino a distância, em que o aluno
realiza parte dos estudos em casa.
Com custos menores, tanto para a instituição quanto para o estudante, o
ensino remoto se tornou uma tendência forte na educação privada a partir de
2015, quando o governo restringiu o Fies.
A medida do Ministério da Educação que estimulou o lançamento de cursos na
modalidade no ano passado foi um impulso na competição, segundo especialistas.
EM QUEDA: Estudos da consultoria Hoper, também voltada ao mercado de educação, apontam
uma queda de apenas 3% nas mensalidades do ensino a distância entre 2012 e
2014. Após as restrições do Fies, em 2015, as mensalidades caíram quase 15%
entre 2016 e 2018.
Segundo João Vianney, sócio da Hoper, os alunos entraram no clima de
competição. "Temos relatos na Hoper de instituições que tiveram até 20% de
transferências de alunos que estavam matriculados para começar o semestre e que
migraram para outras instituições porque negociaram desconto ou bolsa parcial
na concorrência".
Monteiro da CM, porém, alerta que os preços não sustentam a operação de
uma empresa dessas nem no ensino a distância.
Ele estima que, em uma grande instituição, o custo por aluno nessa modalidade
gire em torno de R$ 150.
O Ministério da Educação afirma que seu objetivo é democratizar os polos
de ensino a distância, que antes, devido à legislação, estavam concentrados em
poucos estados e em poucas mantenedoras, dificultando a competição entre as
instituições.
"O MEC acredita na educação a distância como modalidade inclusiva e
que propicia a inserção de tecnologia e novas ferramentas de
aprendizagem."
O órgão diz que não tem competência legal para atuar sobre preços de
mensalidades. Isso ocorre porque o Brasil tem o mercado aberto para a
competição e qualquer situação de concorrência desleal ou que afronte o
contrato de prestação de serviço é atribuição dos órgãos de defesa do
consumidor e da concorrência. (Via: Folhapress)
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