Estados do Norte e do Nordeste concentram, proporcionalmente, o maior
número de investigações por crimes eleitorais no País no período de uma década.
Nas últimas seis eleições (2006-2016), Roraima, Acre, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Tocantins e Amapá tiveram a maior relação de inquéritos policiais por
eleitor no Brasil. A maioria dos procedimentos abertos se refere a compra de
voto.
Os números fazem parte de um levantamento feito pelo jornal O Estado de
São Paulo com base em relatórios da Polícia Federal obtidos por meio da Lei de
Acesso à Informação (LAI). A reportagem comparou dados do número de inquéritos
de matéria eleitoral enviados pela Divisão de Assuntos Sociais e Políticos
(Dasp), da Polícia Federal, com a quantidade de eleitores de cada um desses
Estados.
Na década, considerando apenas os pleitos nacionais, houve crescimento
de 8,9% no número de inquéritos: de 1.022 para 1.113 No Ceará e em Roraima, os
casos crescem ano a ano. No entanto, houve queda na quantidade de crimes
eleitorais referentes aos pleitos municipais. Ainda assim, foram abertos 2.073
inquéritos em 2016 – ante 3.528 em 2008 (diminuição de 41,2%).
Procuradores eleitorais, delegados e presidentes dos tribunais regionais
eleitorais ouvidos pelo jornal o Estado de São Paulo apontam que esse tipo de
problema é impulsionado pela dependência que essas regiões têm em relação a
empregos relacionados à máquina pública. Roraima é o Estado que mais registrou
esse tipo de ocorrência – 12,9 por cada 100 mil eleitores, em média, na década.
"De dez anos para cá o voto de cabresto tem diminuído, mas ainda é
um grande problema. A falta de acesso a educação e profissionalização, e por
consequência, postos de trabalho, faz com que esses eleitores dependam muito de
vínculos políticos regionais", disse o secretário judiciário do Tribunal
Regional Eleitoral da Paraíba, Helder Silva Barbosa.
Segundo ele, houve uma "institucionalização" do voto de
cabresto em algumas regiões. "Prefeitos ameaçam terceirizados ou dizem aos
eleitores que as escolas vão fechar, o vale gás não será mais concedido e
aquele contrato terceirizado será cancelado."
Reforço
policial
Em razão do
número de casos registrados, Norte e Nordeste são as regiões que mais
receberam, na década, reforço da Polícia Federal no período eleitoral, tanto no
primeiro quanto no segundo turno das eleições, segundo relatórios da PF. Dos
oito Estados que pediram auxílio para a realização do último pleito nacional em
2014, sete eram dessas regiões, além do Distrito Federal.
Ainda assim,
esses números podem representar apenas parte do fenômeno, já que muitas
denúncias não resultam em inquérito. "A maior parte dos crimes eleitorais
é de menor potencial ofensivo, como boca de urna e, via de regra, não resulta
em inquérito policial. A apuração é feita em termo circunstanciado", diz o
procurador regional eleitoral em Rondônia, Luiz Gustavo Mantovani.
Para o
professor de direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e promotor de
Justiça Tácito Yuri de Melo Barros, a crise econômica e a forte dependência dos
cargos públicos contribuem para que esse tipo de crime seja comum nessas
regiões.
"No
Norte e no Nordeste essas questões são mais acentuadas, pois têm a ver com as
necessidades da população. Às vezes a moeda de troca é ainda mais simples, nem
sequer é um bem durável, mas sim comida, um botijão de gás", diz.
Para o
professor de Direito Eleitoral da FGV São Paulo e do Mackenzie, Diogo Rais, uma
das explicações pode estar na importância da eleição na vida desses cidadãos.
"Vive-se mais dentro da máquina pública do que em outras regiões. Em
cidades menores o risco é ainda maior."
Mecanismos de prevenção
Estados das regiões Norte e
Nordeste e autoridades locais criaram mecanismos para evitar crimes eleitorais
como a compra de voto, além de elaborarem campanhas de conscientização na
população, mostrando as penalidades previstas em lei.
Alagoas e Amapá, por
exemplo, aprovaram na última semana recomendações aos proprietários de postos
de combustível: só pode ser emitido valecombustível para pessoas físicas ou
jurídicas mediante a formalização de um contrato prévio, que deve ser
comunicado à Procuradoria Regional Eleitoral 20 dias antes.
O documento também pede o
controle, por parte do posto, da quantidade de carros e motos abastecidos, e
também veta a realização de doação de combustível a táxis, mototáxis e carros
de placa vermelha. Trata-se de uma medida para coibir a compra de voto em troca
de combustível. Outra proposta, ainda em discussão, é a de limitar saques em
notas pequenas na semana da eleição.
No Rio Grande do Norte, a
procuradora regional eleitoral Cibele Benevides emitiu recomendações que
reforçam pontos já existentes da legislação eleitoral. Uma delas é a instrução
de que igrejas orientem todos os seus líderes religiosos para evitar que façam
qualquer tipo de veiculação de propaganda eleitoral em cultos.
Em outra, o órgão alerta
para a possibilidade de responsabilizar os partidos em casos de candidaturas
"laranja" de mulheres para preencher a cota de gênero. O Estado
também vai "copiar" a recomendação sobre venda de combustível posta
em Alagoas e Amapá "Muitas vezes não se sabe a consequência de cometer
esse tipo de crime. A recomendação vai neste sentido, de educar", diz a
procuradora. (Via: Estadão)
Blog: O Povo com a Notícia