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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Oito em cada dez redes de educação pública de estados e municípios não investem o suficiente


Cerca de oito em cada dez redes de educação pública de estados e municípios não têm financiamento suficiente para ofertar uma educação de qualidade, de acordo com levantamento feito por pesquisadores do Simulador de Custos para Planejamento de Sistemas Públicos de Educação Básica em Condições de Qualidade (SimCaq). São escolas que ofertam desde o ensino infantil ao ensino médio.

Os pesquisadores baseiam-se no chamado Custo Aluno Qualidade (Caq) e consideram que para ofertar uma educação de qualidade, as escolas precisam, por exemplo, oferecer formação continuada aos professores, ter internet, banheiros, quadra de esportes, laboratórios e biblioteca. Precisam ainda ter dinheiro para pagar despesas com conta de luz e água, entre outras.

De acordo com os dados da plataforma, apenas 19% das redes de ensino públicas, estaduais e municipais investem o considerado adequado.

“Estamos falando de um país cuja média de gasto é inferior ao que deveria ser o mínimo. Isso é preocupante”, diz o professor da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto, especialista em financiamento da educação, José Marcelino de Rezende, que integra o Conselho Consultivo do Simcaq.

Pelas contas, o investimento em educação básica deveria, em média, aumentar em todas as etapas de ensino. A maior diferença entre o que é gasto e o mínimo considerado adequado para uma educação de qualidade está nas creches de período integral em áreas rurais.

Nesses estabelecimentos, seguindo os critérios do CAQ, deveria ser investido R$ 24.137 por aluno por ano. Atualmente, é investido, de acordo com dados do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é a principal fonte de recursos da educação básica, R$ 4.210 por ano por aluno. Ou seja, o valor deveria ser 5,73 vezes maior.

O valor que mais se aproxima do que é investido hoje é o do ensino médio parcial em área urbana. Pelo Fundeb, é investido em média, nas escolas, R$ 4.048. Pelo CAQ, esse valor subiria para R$ 5.679 por aluno por ano.

Custo Aluno Qualidade

O CAQ é um instrumento previsto em lei, no Plano Nacional de Educação (PNE). Esse mecanismo, no entanto, nunca chegou a ser oficializado nem nunca chegou a existir, na prática.

De acordo com o PNE, até 2016, deveria ter sido definido o CAQ inicial (CAQi), que é o valor calculado com base nos insumos indispensáveis ao processo de ensino e aprendizagem. Após definido, esse valor deveria ser progressivamente reajustado até a implementação plena do CAQ.

“Ter mais recurso na educação interfere nas condições de vida. Tem-se professores que recebem melhor, escolas mais bem equipadas, melhoras na merenda”, diz o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. A entidade que reúne centenas de organizações de educação, é responsável pelo desenvolvimento do CAQ.

Cara ressalta, no entanto, que o aumento de recursos não gera resultados a curto prazo, mas que isso não pode impedir o aumento do financiamento. “Educação é maratona, não é corrida de 100 metros”, defende.

CAQ e Fundeb

O Fundeb está em discussão tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados. A intenção é que esse fundo, que é composto por recursos dos estados, municípios e da União e vale apenas até o final de 2020, torne-se permanente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2019, em tramitação no Senado, coloca o CAQ como base de cálculo para o valor anual mínimo por aluno.

Rezende defende que com a aplicação do CAQ, a intenção é que todas as escolas tenham o mínimo para garantir que os estudantes aprendam o adequado. Para isso, não basta apenas redistribuir, mas é preciso aumentar o bolo. “Não adianta equalizar. Posso equalizar, mas equalizar na miséria. Preciso garantir um padrão mínimo de qualidade”, diz.

Cara defende que o Fundeb permanente, com o CAQ como parâmetro, trará previsibilidade para os gestores. “Muita gente que defende a desvinculação afirma que prioriza a questão da gestão, mas eu só consigo ser um bom gestor se tiver previsão do que eu vou ter no ano seguinte”, diz.

MEC

Em audiência pública na semana passada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que o governo trabalha em uma proposta para ampliar os recursos do Fundeb. A pasta pretende também premiar aqueles que tiverem melhores resultados educacionais.

“A gente está trabalhando em uma proposta que melhore o Fundeb, amplie os recursos, acho muito importante. Sou a favor, sim, de dar mais autonomia a recursos, mas cobrar também algumas métricas, para que a gente tenha uma premiação para quem tiver melhor desempenho”, disse.

Simcaq

O Sistema foi elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Federal de Goiás, do Laboratório de Dados Educacionais e do Centro de Computação Científica e Software Livre (C3sl). O projeto foi financiado pelo Ministério da Educação.

O Simcaq reúne dados do Ministério da Educação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria do Tesouro Nacional. Nele é possível ver como cada uma das redes está hoje em termos de matrículas, infraestrutura e recursos. É possível também fazer simulações para se chegar a um padrão adequado. O Simcaq deverá ser disponibilizado para o público em junho deste ano.

Plano Nacional de Educação

Em cinco anos de vigência, quatro das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) foram parcialmente cumpridas, de acordo com relatório divulgado na semana passada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O PNE, estabelecido pela Lei 13.005/2014, estipula metas para serem cumpridas na educação até 2024, desde o ensino infantil até a pós-graduação, incluindo formação de professores e aumento do investimento no setor até pelo menos o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), soma de riquezas produzidas pelo país. Para atingir as metas até o final do período de vigência, a lei estabelece etapas intermediárias e estratégias.

Todos os anos, a Campanha divulga um monitoramento próprio do cumprimento das metas, baseado em dados oficiais do Ministério da Educação (MEC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. Pelo próprio PNE, cabe ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao MEC, elaborar, a cada dois anos, um relatório oficial do cumprimento das metas do PNE. O último relatório foi divulgado no ano passado.

No ano passado, o relatório mostrou que apenas um dos dispositivos intermediários previstos no PNE foi cumprido integralmente. Cerca de um terço, 30%, do que deveria ter sido cumprido até 2018, de acordo com a organização, foi parcialmente cumprido. Em 2019, a organização mudou a metodologia e passou a divulgar não apenas o que deveria ter sido cumprido até o ano em questão, mas um balanço geral de todas as metas, o que mostrou que o Brasil se adiantou e atingiu parcialmente metas previstas para serem cumpridas até 2024.

Metas cumpridas

Uma das metas que foi parcialmente cumprida foi melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é um dos principais indicadores de qualidade do ensino fundamental e médio. Embora o Ideb tenha melhorado em todas as etapas, apenas nos anos iniciais do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano, a meta estipulada na lei foi cumprida. Nos anos finais, do 6º ao 9º ano, e no ensino médio, o índice ficou abaixo do esperado.

Outra meta considerada parcialmente cumprida é a de triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público. As matrículas ainda não atingiram a marca esperada, mas houve expansão. Em 2018, cresceram 24,2% em relação a 2013 e a expansão do setor público foi de 85,8%, superando a meta.

O país também conseguiu ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior. A meta era que 75% dos docentes fossem pós-graduados em 2024. Em 2017, essa proporção já era 79,6%. Além disso, pelo 35% devem ser doutores. Essa proporção já é, também desde 2017, 42,1%.

Metas estagnadas

Pela lei, todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deveriam estar matriculados na escola até 2016. Na creche, etapa até os 3 anos, o objetivo é ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças até 2024. Dos 4 aos 5 anos, o atendimento chegou, em 2017, a 93%. Na creche, o atendimento, chegou, no mesmo ano, a 34,1%.

No ensino fundamental, dos 6 aos 14 anos, etapa que já é tida como universalizada, a meta é que até 2024, todos nessa faixa etária estejam na escola – a taxa atual é 98% – e que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada. Hoje, 75,7% concluem na idade adequada.

Na faixa etária dos 15 aos 17 anos, 91,9% estavam na escola em 2018, sendo que 70,9% estavam no ensino médio, ou seja, na série adequada à idade. O objetivo é que, em 2024, essa porcentagem suba para 85%.

Pelo PNE, até 2015, os professores deveriam ser formados na área em que atuam e deveria estar definida uma política nacional de formação dos profissionais da educação. Até 2018, apenas 49,9% dos professores que atuavam na educação infantil tinham formação para tal. No ensino médio, esse índice era 61,9%.

Para o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara, o PNE foi deixado de lado no debate público. “O PNE está em um contínuo descumprimento, as metas estão estagnadas”, diz. A educação básica é, segundo ele, etapa mais crítica. “As metas do ensino superior estão sendo cumpridas, o que é ótimo, não é, em nada, negativo, mas na educação básica, a gente está completamente estagnado”.

De acordo com ele, uma ênfase maior na educação por meio do cumprimento da lei, ajudaria, inclusive, o Brasil a sair da crise econômica. “A educação é também uma porta de saída para o desenvolvimento do país, para evitar que crises futuras venham a se repetir”, diz.

Responsáveis pelo PNE

O cumprimento do PNE cabe a diversos atores, entre eles, o Congresso Nacional que é responsável por legislar, entre outros, sobre a cooperação entre União, estados e municípios, criando um Sistema Nacional de Educação, à semelhança do Sistema Único de Saúde (SUS).

Cabe ainda aos estados e municípios, que são os maiores responsáveis pela educação básica, do ensino infantil ao ensino médio e à União, que tem o papel de ajudar os demais entes federados e de desenvolver políticas públicas nacionais para todas as etapas de ensino. Em audiência pública na semana passada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, analisou o cumprimento do PNE. “Nós temos várias metas aqui que estão sob risco, e em outras acho que teremos que fazer escolhas. Portanto, eu queria abrir esse diálogo”, disse à deputados federais.

O ministro também ressaltou que o país passa por um momento delicado economicamente, o que fez com que o contingenciamento feito pelo Ministério da Economia fosse necessário. Ele destacou que a pasta prioriza a educação básica e que é necessário melhorar resultados e olhar para o que já está sendo feito. “Há municípios que estão fazendo um trabalho maravilhoso. Temos que olhar para os municípios no Brasil que estão fazendo um trabalho maravilhoso e copiar deles”, destacou.

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