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sábado, 29 de agosto de 2020

Solidão e saudade dos familiares: Idosos contam como têm passado a pandemia

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Principal grupo de risco por faixa etária da Covid-19, os idosos são os que devem seguir o isolamento social com mais afinco, conforme recomendam as autoridades sanitárias. O período de quarentena, porém, traz diversas dificuldades para esse público, do sentimento de solidão às dores físicas. 

Em um relatório publicado em maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação com o fato de que “a pandemia está colocando as pessoas mais velhas em maior risco de isolamento”, além de pobreza e discriminação. No mesmo documento, a entidade internacional recomenda o uso da tecnologia digital, "vital para que [idosos] possam enfrentar" o período.

É assim que dona Valdete, de 72 anos, tem atenuado a saudade dos netos. Avó de cinco, ela tem feito chamadas de vídeos com a família. "Meu netinho que é pequenininho, eu quero ver [pessoalmente], não posso. Só por vídeo. Não passa... mas alivia. A tecnologia foi muito boa. No tempo de minha mãe, a gente não tinha nem telefone. Tinha que fazer cartinha, mandar bilhete... Agora não, mudou tudo. Além do telefone, ainda tem essa novidades, videochamada, tem os programas também que a gente vê, pela internet. Isso aí foi melhor", diz a moradora do Engenho Velho de Brotas, em Salvador.

Apesar do atenuante, Valdete, que também tem recebido visitas esporádicas da família na porta de casa, relata que tem sido difícil enfrentar a pandemia. "Mudou muito a minha vida. Eu tinha uma vida ativa, fazia a minha hidroginástica, fazia minha fisioterapia. Então eu saía muito. Com essa pandemia, eu parei tudo. E não tá sendo bom pra mim. Tô ansiosa, nervosa com isso tudo. Tá sendo muito horrível pra mim", afirma.

Com os meses sem sair de casa, além do emocional, o corpo também começa a se manifestar, como consequência do sedentarismo. Valdete conta que tem problema de coluna e de joelho e que deixar de frequentar as aulas de hidrogisnática fez com que as dores surgissem.

"Largar da hidro assim, rapidamente, porque foi assim uma coisa que não preparou pra largar e aí tô sentindo a coluna, tô sentindo o joelho, tá um problema sério. Eu levanto, faço os meus exercícios em casa mesmo, mas nunca é a mesma coisa [...] Isso tudo de parar repentinamente foi muito ruim pra mim e pra ele também", diz, em referência ao marido, que também fazia fisioterapia.

Regina Margarida, 71 anos, passa pelo mesmo problema. "A gente sente solidão, muita tristeza, o corpo sente, sem fazer exercício. Eu caminhava... A gente não pode mais caminhar. E fazer exercício em casa sozinha, a gente fica sem estímulo. Perdi massa... Eu tô sentindo [dores], quando a gente fica sentada muito tempo, que levanta", diz ela.

Antes moradora de Salvador, onde vivia sozinha, Régi, como é conhecida, se mudou para Ilhéus, onde a maior parte da sua família mora. "Eu gosto, eu amo Salvador. Mas aí nessa quarentena eu comecei a refletir. Comecei a me sentir sozinha e pensava 'meu Deus, eu tenho que tá próxima da minha família'", conta.

Não bastasse o impacto da mudança, três dias após chegar à cidade do sul da Bahia, Regina foi diagnosticada com coronavírus. "Se eu tivesse tido lá em Salvador, sozinha, com certeza eu teria morrido. Deus não faz nada por acaso. Essa decisão que eu tomei não foi por acaso, com certeza", diz Regina, que segue as orientações de precaução dos órgãos de saúde mesmo depois de curada da Covid-19: "Ninguém sabe se vai ter a segunda vez".

Mesmo aliviada após escapar da doença e satisfeita com as mudanças, Régi tem enfrentado desafios similares ao de dona Valdete. Ela procura ter uma rotina ativa, em casa, para manter a saúde mental. "Procuro fazer atividades. Tenho a vida muito ativa dentro de casa. Sou artesã... Se eu não tivesse essas atividades, com certeza teria entrado numa depressão", conta Régi, que tem uma vizinha que está com doença.

A psicóloga Ana Brandino, especialista no atendimento de idosos, acompanha o conselho de Regina. "Esse vírus é como se fosse um objeto pesado que a gente tem que carregar. A gente tem a opção de não carregar? Não tem. A gente tem que enfrentar. A pandemia está aí, e nós temos que viver com ela. Então, é um objeto pesado que a gente carrega. Se nós estamos bem nutridos, descansados, com apoio, nós conseguimos carregar. É difícil? É difícil. Está todo mundo cansado? Está. Mas a gente consegue. Agora, se nós estamos descuidados, cansados, sem fazer um exercício físico, sem cuidar da própria saúde mental, sem se preocupar com qualidade de vida, a chance de ser um peso muito grande e você não tolerar é muito maior", diz a profissional.

Apesar do susto e dos dias com medo, dona Regina garante que a experiência de ter o coronavírus e as mudanças provocadas pela pandemia na sua vida fizeram ela se transformar: "Acho que essa Covid veio pra humanizar muita gente. Mudar o pensamento das pessoas... De repente, mudou. Tô com outro pensamento. Coisas que eu achava que valia a pena não valem mais. Nesse momento, o que vale é o amor da família, o amor de amigo".

Blog: O Povo com a Notícia