O presidente da ADPF (Associação
Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva,
disse que as declarações do diretor-geral da PF Fernando Segovia ferem a
prerrogativa dos delegados de terem autonomia na presidência de um inquérito
policial.
Nesta sexta-feira (09), em entrevista à agência de notícias Reuters,
Segovia disse que não há provas de crime contra o presidente da República,
Michel Temer, no inquérito que trata de um decreto para a área portuária. Disse
ainda que, se a Presidência da República acionar formalmente a PF a propósito
do tom de perguntas feitas por escrito a Temer pelo presidente do inquérito,
Cleyber Lopes, poderá ser aberto um procedimento administrativo disciplinar
contra o delegado.
Paiva afirmou que a repercussão da entrevista foi "horrorosa, causou
um mal-estar enorme" entre os delegados da PF e também chamou algumas
frases de Segovia de "inacreditáveis".
"Se ficarem confirmados os termos dessa entrevista, aliás queremos
que a direção da Polícia Federal explique, o diretor-geral está ferindo
prerrogativas do nosso cargo de delegado. Coloca a Polícia Federal numa
situação muito ruim", disse Paiva.
Paiva afirmou que o delegado tem a prerrogativa de fazer as perguntas que
entender necessárias para a sua investigação. "Ele não fez perguntas ao
presidente da República, fez perguntas a um investigado. O diretor deveria ter
dito que, se alguém fizer uma representação contra o Cleyber por essas
perguntas, será imediatamente arquivada", disse Paiva.
Segundo ele, Cleyber Lopes "é um dos delegados mais respeitados na
instituição, uma pessoa muito séria". "O delegado, no inquérito, é
livre para fazer a pergunta que entender necessária para esclarecer os
fatos", disse Paiva.
Sobre a suposta fraqueza das provas coletadas até agora no inquérito, o
presidente da ADPF disse que Segovia cometeu outra impropriedade. "O
delegado Cleyber ainda está fazendo a investigação. A palavra do diretor-geral
de que não há provas coloca o delegado sob uma pressão muito grande. Se, ao
final do inquérito, ele disser que não há provas, as pessoas vão dizer que ele
cedeu às pressões do diretor-geral. Se, ao contrário, decidir pedir o
indiciamento do presidente da República, quem fica mal é o diretor-geral. De
toda maneira, coloca a investigação numa situação que não deveria estar",
disse Paiva.
"Um diretor-geral de Polícia Federal não deve se manifestar sobre
inquéritos em andamento, muito menos um que envolve o presidente da República.
Sabemos a sensibilidade desse assunto", disse Paiva. "Tecnicamente, o
delegado Cleyber tem total respaldo na lei para fazer as investigações que
entender necessárias. Não tem que concordar nem seguir nenhum tipo de
manifestação extra-inquérito. O que ele decidir no inquérito será avaliado pelo
Ministério Público Federal e pelo Judiciário. É assim que funciona."
Paiva disse ainda que, "uma vez confirmadas as declarações do
diretor-geral", a entidade vai avaliar que medidas poderão ser tomadas
para defender o delegado Cleyber Lopes de pressões indevidas.
Peritos criminais federais e agentes federais também condenaram a
entrevista de Segovia. Em nota, o presidente da APCF (Associação Nacional dos
Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo, afirmou que "é sempre
temerário que a direção-geral emita opiniões pessoais sobre investigações nas
quais não está diretamente envolvida".
"A Polícia Federal trabalha com independência, de modo que eventuais
declarações à imprensa não afetarão a rotina dos colegas dedicados à apuração
citada pelo diretor, disse a associação, em nota. Entre os elementos que
garantem a isonomia da PF estão os laudos produzidos pela perícia criminal
federal, que é uma carreira submetida, por força de lei, à necessidade de agir
com equidistância das partes."
O presidente da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), Luís
Boudens, disse que a entrevista de Segovia "foi muito mal recebida e nos
preocupa". "A manifestação do diretor-geral foi muito complicada e
expõe sobremaneira a equipe que cuida da investigação. Preferíamos que,
perguntado sobre o caso, ele tivesse dito que o trabalho ainda está sendo
conduzido de forma independente, que será um trabalho técnico e livre de
interferências políticas", disse Boudens.
Para o presidente da Fenapef, faltou cautela ao diretor-geral e falta de
compreensão do impacto que as declarações causariam dentro e fora da PF.
"O diretor-geral deveria se abster de comentar investigações em andamento.
Sempre foi assim na Polícia Federal. Nós não queremos qualquer tipo de
ingerência nas investigações. E o delegado não toma a decisão sozinho no
inquérito, é o resultado de toda uma equipe."
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República),
José Robalinho Cavalcanti, também criticou as declarações de Segovia.
"Foi lamentável sob todos os aspectos o infeliz espetáculo de
desrespeito do diretor-geral Fernando Segovia pela sua própria instituição e
por seus subordinados. A Polícia Federal é um órgão de Estado, e não de
governo, e seus profissionais são sérios, técnicos e sempre terão o Ministério
Público ao seu lado todas as vezes que sua independência técnica for ou parecer
ser atacada", disse.
"Não cabe e nunca caberá a um diretor-geral dar resultados de uma
investigação antes dos profissionais responsáveis por elas. Muito menos quando
esta investigação envolve o seu chefe (o presidente da República) e está
submetida à PGR (Procuradoria-Geral da República) e ao STF (Supremo Tribunal
Federal)."
"Quando o país se vê diante do espetáculo dantesco de um
diretor-geral de polícia dando declarações no lugar dos responsáveis por uma
investigação percebe-se que é sorte para a sociedade brasileira que quem
determina se um inquérito policial terá proposta de arquivamento ou se a
investigação continuará em busca de novas diligências não é a polícia, e sim o
Ministério Público", acrescentou Robalinho.
Em nota, o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio
Lamachia, afirmou que "não parece recomendável nem é apropriado" que
o diretor-geral da PF "dê opiniões a respeito de investigações em curso,
sobretudo porque, recentemente, manteve reuniões com o investigado [Temer]. O
momento do país pede o fortalecimento das instituições."
Sobre a possibilidade de punição do delegado Cleyber Lopes, Lamachia disse
que "o investigador deve ter sua liberdade e independência preservadas. Ao
agir de acordo com a lei, o investigador não comete ilícito."
Em nota distribuída aos servidores da Polícia Federal neste sábado (10),
Segovia afirma que que não disse à imprensa que o inquérito que investiga o
presidente Michel Temer será arquivado. "Afirmei inclusive que o inquérito
é conduzido pela equipe de policiais do Ginqe [unidade da PF para casos no STF]
com toda autonomia e isenção, sem interferência da direção-geral."
A nota faz referência ao título da reportagem da Reuters, que usou o verbo
"deve" para falar sobre a possibilidade de arquivamento do inquérito,
mas não trata de todos os outros aspectos da entrevista, como as declarações de
que as provas do inquérito sobre Temer são frágeis e que o delegado
responsável, Cleyber Lopes, poderá ser processado administrativamente a
propósito de perguntas que enviou ao presidente. (Via: Folhapress)
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