Renan Calheiros pertence a uma
linhagem especial de políticos cuja primeira característica é considerar que
todos são culpados pelas crises, exceto ele. Autoconvertido em aliado tóxico do
governo, o presidente do Senado atribui a Dilma Rousseff suas desavenças com o
Palácio do Planalto. Ele acusa a chefe do Executivo de envolvê-lo num enredo de
intrigas. Em reação, tornou-se um truculento guerrilheiro legislativo.
Dilma
reacendeu o pavio de Renan ao trocar o comando do Ministério do Turismo.
Chefiava a pasta Vinicius Lages, afilhado político do senador. Entrou no lugar
dele o ex-deputado Henrique Eduardo Alves, preferido do vice-presidente Michel
Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Renan se diz incomodado com a
falta de método de Dilma, não com a perda do ministério.
Em
privado, Renan conta que, antes de exonerar Vinicius, Dilma chamou o ministro
para uma conversa em seu gabinete. Elogiou-lhe o desempenho e informou que não
cogitava desalojá-lo da pasta do Turismo. Fez isso por opção, não por pressão.
“Eu não pedi nada”, diz Renan. A segunda característica do senador é o
desprendimento. Munido de autocritérios, ele se considera um altruísta. É como
se os cargos lhe caíssem no colo sem que ele os reivindicasse.
O
problema é que Dilma já havia prometido o Ministério do Turismo a Henrique
Alves, que passou a cobrar o compromisso depois que seu nome foi excluído do
rol de suspeitos da Lava jato. Espremida, a presidente chamou Renan para uma
conversa. Lero vai, lero vem intrigou-o com o vice-presidente.
Dilma
dissera a Temer que mantinha Henrique Alves no freezer porque Renan guerreava
pela permanência do afilhado político Vinicius Lages. Na conversa com Renan, alegou
o oposto. Era Temer quem pegava em lanças pelo amigo Henrique. A presidente
perguntou a Renan como deveria proceder para dissolver o impasse. O senador
aconselhou-a a acionar a barriga.
Nessa
versão, Dilma deveria acomodar Henrique Alves numa vice-presidência do Banco do
Brasil. Coisa temporária. Duraria de 60 a 90 dias. Tempo suficiente para
dissolver o impasse. A presidente refugou a sugestão de Renan. Alegou que Temer
lhe dissera que ficaria desmoralizado se a troca de guarda do Turismo não fosse
efetivada. Contou que Temer lhe exibira seis e-mails que recebera de Henrique
Alves cobrando sua nomeação.
Submetido
à intriga, Renan passou a enxergar inimigos em cada sala do Planalto, inclusive
na de Dilma e na de Temer. Sua irritação aumentou na proporção direta do
esforço empreendido pela presidente e seu vice para adulá-lo. O Planalto
ofereceu cargos de consolação para Vininicus Lages. Renan preferiu alojá-lo no
gabinete da Presidência do Senado.
Súbito
começaram a gotejar no Diário
Oficial da União nomeações
de apaniguados de Renan. Um amanheceu presidente da Agência Nacional de
Transportes Terrestres. Outro acordou diretor da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária. Tudo isso num instante em que o presidente do Senado posava para os
holofotes enrolado na bandeira da redução do número de ministérios e de cargos
de confiança, nomeados sem concurso.
Renan
explodiu à sua maneira. Intensificou as mordidas em Dilma sem exigir a demissão
de nenhum de seus afilhados. E classificou o coordenador político Temer de
gerente de Recursos Humanos, mero distribuidor de “cargos e boquinhas”. De
aliado, o senador converteu-se numa espécie de líder informal da oposição.
Ameaça virar do avesso o ajuste fiscal do governo, que tachou de “desajuste”.
O
mais irônico é que os acessos de raiva de Renan causam vergonha e remorso no
Planalto. A própria Dilma precisa explicar por que se empenhou tanto para fazer
de Renan, em fevereiro, presidente do Senado pela quarta vez.
Dilma
já sabia que, àquela altura, o aliado era um inquérito esperando na fila da
Operação Lava Jato para acontecer. Também sabia que, alvejado por uma
investigação no STF, Renan seria um político sujeito às suas vinganças. Dar-lhe
mais autoridade era colocar a espada nas mãos de um furioso, era expor o governo
a muitos inconvenientes. A guerrilha legislativa mal começou. (Por Josias de Souza)
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