Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes ajudou a pavimentar a saída que salvará o
mandato de Michel Temer no caso sobre irregularidades atribuídas à chapa
vitoriosa em 2014. Com o seu voto, excluíram-se do processo as provas
relacionadas à Odebrecht. Paradoxalmente, Gilmar animou-se atacar durante o
julgamento os órgãos de controle do Estado, responsabilizando-os pela
reiteração dos crimes de corrupção no país.
Interrompendo a leitura do voto do relator Herman Benjamin, Gilmar chamou
de “modelos coirmãos” os escândalos do mensalão e do petrolão. “É muito curioso
que tenha se desintegrado o modelo do mensalão, mas esse outro tenha fluído com
tanta desenvoltura”, disse, antes de partir para o ataque: “Isso conta uma
história ruim dos nossos órgãos de controle – todos, de alguma forma, ou
corrompidos ou ineficientes.” Para Gilmar, “os órgãos de controle falharam de
maneira retumbante.”
O ministro tem razão. Revelou-se uma espécie de abracadabra para a caverna
de Ali-Babá o trabalho preventivo de órgãos como a Receita Federal e os
departamentos de auditoria de estatais como a Petrobras e bancos públicos como
o BNDES e a Caixa. O diabo é que, em matéria de controle, o tribunal que Gilmar
preside é parte do problema, não da solução. No petrolão, partidos políticos e
empreiteiras se uniram para fazer do TSE uma lavanderia de dinheiro sujo.
Corruptores e corruptos higienizaram como doações eleitorais milhões
roubados do Estado. E o tribunal, diante da oportunidade de se agigantar num
julgamento histórico, preferiu rebaixar o pé direito do plenário de sua
suntuosa sede. Com o reforço do voto de Gilmar, esboçou-se no TSE uma maioria
de 4 a 3 que deve manter intacta a tradição de punir apenas políticos
periféricos — prefeitos de cidades dos fundões do país e governadores do Norte e
do Nordeste, por exemplo. O relator Benjamin avalia que talvez não surja tão cedo
outra chance igual.
“É um milagre que nós estamos hoje aqui apurando esses fatos”, disse
Benjamin. “Não era pra ser. Não haverá outra oportunidade para apurar fatos
desta natureza aqui. Para o TSE não vejo como. E sabe por que, meu caro
presidente, eminentes ministros? Porque no caso específico da Odebrecht existia
um sistema tal de proteção e de sofisticação que seria impossível nos apurarmos
o que foi apurado aqui se não fosse a Lava Jato.”
Ironicamente, Herman Benjamin disse incontáveis vezes que se guiou durante
toda a investigação por um voto proferido por Gilmar Mendes, em 2015. Aprovado
por 5 a 2 no plenário do TSE, esse voto evitou o arquivamento de uma das ações
contra a chapa Dilma-Temer. Mais: determinou o aprofundamento das
investigações.” As apurações foram tão profundas que a maioria da Corte achou
melhor torná-las mais rasas.
Sem as provas testemunhais e documentais relacionadas à Odebrecht,
qualificadas pelo relator de ''amazônicas'', o processo se transforma numa
poça. Excluindo-se também os depoimentos do casal do marketing João Santana e
Monica Moura, a poça pode ser percorrida por uma formiga com a lama na altura
das canelas. Por mal dos pecados, a outiva de Santa e Monica foi aprovada por 6
a 1 pelo plenário do TSE há dois meses.
Gilmar repetiu na noite desta quinta-feira algo que já havia reiterado na
véspera. “Minha preocupação não é a cassação de mandatos, mas conhecer de fato
como as campanhas são feitas.” À sua maneira, o presidente do TSE elogiou o
trabalho do relator. “Me parece que não há subsidio melhor para a reflexão
sobre a necessidade de uma reforma política do que um estudo como esse que
Vossa Excelência fez.”
Benjamin atalhou o colega: “Eu agradeço, mas tenho que confessar que não
fiz estudo. Fiz um voto. Sei que nas nossas decisões há sempre um valor
educativo. Mas para mim, no Estado de Direito, o valor mais educativo é a
aplicação da lei, inclusive com as suas consequências.” (Via: Blog do Josias de Souza)
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