O então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva não havia completado um ano de mandato, em 2003, quando sancionou
uma lei que se tornaria, 15 anos depois, uma das dores de cabeça em seu embate
com a Operação Lava Jato.
Em apenas quatro parágrafos, a lei 10.763 alterava pontos do Código Penal
sobre crimes do colarinho branco, endurecendo, por exemplo, a punição para o
crime de corrupção, cuja pena máxima passou de 8 para 12 anos de prisão.
A regra criada naquela época contribuiu para ampliar a punição imposta ao
petista no caso do tríplex de Guarujá (SP) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, que julga os casos da Lava Jato na segunda instância. A pena por
corrupção e lavagem de dinheiro foi fixada em 12 anos e 1 mês de prisão.
Lula completou dois meses detido nesta quinta (07) em decorrência dessa
condenação.
Outro parágrafo da lei, no entanto, promete causar ainda mais transtorno
daqui para frente: o que condiciona a progressão de regime à "devolução do
produto do ilícito praticado".
Isso significa que, caso não reverta a sua condenação ou sua prisão nas
cortes superiores, o ex-presidente só poderá passar ao regime semiaberto, após
cumprir dois anos em regime fechado, se já tiver pago a indenização de R$ 13,7
milhões, com juros e correção, determinada pelo TRF-4.
O veto à progressão de regime caso não sejam devolvidos os valores
desviados já vem impedindo que condenados da operação passem para o semiaberto
na Lava Jato.
No caso de Lula, o fato de ele ter sido o presidente a sancionar a lei que
hoje se tornou um obstáculo em seu caso é uma "fatalidade natural e
legal", na opinião do coordenador da pós-graduação em Direito Penal
Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo, Fernando Castelo
Branco.
"Temos um processo legislativo em que o Congresso vota, decide e o
presidente da República promulga", diz o especialista. "Na condição
de presidente, ele seguiu esse processo legislativo outorgando a eficácia para
essa legislação."
Foi Lula também quem sancionou a Lei da Ficha Limpa, em 2010, que se
tornou hoje outro entrave em sua trajetória. A legislação barra candidaturas de
condenados em segunda instância, como ele, e foi aprovada no Congresso após um
projeto via iniciativa popular, com mais de 1,6 milhão de assinaturas.
Ainda na área judicial, o petista deu a assinatura final, no início de seu
governo, em legislação que prevê a emissão anual de um atestado de cumprimento
de pena aos presos, o que beneficia os detentos.
EFEITO NO MENSALÃO
A lei anticorrupção de 2003 já havia provocado dificuldades para o PT na época
do julgamento do mensalão, quando também favoreceu o aumento de penas de
acusados como o ex-ministro José Dirceu. Advogados chegaram a argumentar que os
fatos julgados eram referentes a um período anterior à sanção e que seus
efeitos não se aplicariam a esses réus.
Na Lava Jato, a defesa de Lula chegou a mencionar a edição da lei 10.763
como uma prova da atuação do ex-presidente contra a corrupção. Essa legislação,
disseram seus advogados em nota em 2016, mostra "sua intenção atuação para
aperfeiçoar o sistema de combate à corrupção e a defesa do patrimônio
público". À época, a afirmação foi feita para rebater acusações do
ex-senador pelo PT e delator Delcídio do Amaral.
A lei, no entanto, começou a ser discutida no Congresso bem antes de Lula
chegar ao poder, em maio de 2002, em uma comissão mista instaurada para
acelerar projetos de segurança pública.
Quando foi sancionada, não houve pronunciamento a respeito nem divulgação
pelo governo. A temperatura política tinha aumentado por causa da Operação
Anaconda, uma das primeiras grandes investigações da Polícia Federal que
marcariam o mandato e que prendeu acusados de vender sentenças judiciais.
O então presidente da comissão mista, Íris Rezende (MDB), diz que houve
resistência entre parlamentares, mas que as mudanças foram inseridas num
esforço maior, para aprovar mais de 60 projetos de segurança pública.
"O mesmo sentimento que você nota hoje junto à sociedade brasileira
era o que se observava naquela época", disse Rezende, hoje prefeito de
Goiânia. "Havia a preocupação de impor mais responsabilidade àqueles que
tinham o poder de decisão."
Hoje, Rezende diz ver "com muita tristeza" que Lula é um dos
alvos da lei que sancionou. "Quando vejo parlamentares ilustres, chefes de
poder condenados, fico estarrecido."
O próprio Rezende foi citado por três delatores da Odebrecht em 2017 por
supostamente ter recebido R$ 300 mil de caixa dois em sua campanha ao governo
de Goiás em 2010. O prefeito nega a acusação. "Aquilo era doação legal
para as eleições", disse à Folha.
Castelo Branco destaca que a exigência de pagamento da reparação de danos
para a progressão de pena já vem sendo revisto em casos em que o réu demonstra
não ter condições de devolver o valor desviado -- o que a defesa de Lula poderia
argumentar. (Via: Folhapress)
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