O Povo com a Notícia: O que é o Instituto Cultural Raízes?
Libânio Neto: O Instituto Cultural Raízes é uma organização
não-governamental, formada com caráter de associação civil de direito privado e
sem fins lucrativos.
O Povo com a Notícia: Como surgiu o Instituto Cultural Raízes?
Libânio Neto: O Instituto Cultural Raízes é o resultado de um trabalho que
havíamos realizado na zona da mata sul de Pernambuco e mais especialmente no
município de Água Preta no período de 2001 a 2006. Depois iniciamos
experiências no sertão até chegar em Floresta em 2009.
O Povo com a Notícia: Há quanto tempo o Instituto Cultural Raízes atua em
Floresta?
Libânio Neto: Na verdade, atuamos em Floresta desde agosto de 2009. E já
em 2010 instalamos a sede aqui no município.
O Povo com a Notícia: Qual o trabalho desenvolvido pelo Instituto?
Libânio Neto: Iniciamos com a realização de um levantamento cultural e
depois um documentário realizado por ocasião da realização do Festival
Pernambuco Nação Cultural em novembro de 2009. A partir daí concentramos nossa
atuação no resgate e preservação das tradições culturais do povo florestano,
vinculado à cultura popular do sertão e do estado.
O Povo com a Notícia: Neste período de 4 anos quais os trabalhos que mais se
destacaram?
Libânio Neto: Em primeiro lugar o trabalho que realizamos junto às
comunidades quilombolas que resultou na publicação de um livro, produção de
documentário e na criação de diversos grupos culturais como a Banda de Pífano,
Grupo de Dança da Mazurca, Grupo Flor do Pajeú composto de crianças
quilombolas, entre outras ações que foram desenvolvidas visando o resgate dos
elementos históricos e tradicionais.
Além disto, realizamos
cinco Encontros de Tradições Culturais nas Comunidades Rurais de Floresta, onde
destacamos o Forró Pé-de-Serra, a dança do São Gonçalo, a capoeira, maculelê,
caboclinho, ciranda, coco de roda, afoxé e maracatu, que são tradições das
culturas negra e indígena.
Por fim investimentos
na formação de grupos culturais entre crianças, adolescentes e jovens, onde
neste período criamos cinco grupos culturais, dos quais três permanecem
atuantes até hoje, que são o Grupo Cultural Dandara, Grupo Afrobatuque e Grupo
Filhos de N’Zambi.
É também marca de
nosso trabalho a realização de oficinas de percussão, danças, artesanato,
pintura em tela, violão, capoeira, entre outras, cujo público preferencial tem
sido as crianças, adolescentes, jovens e remanescentes quilombolas e indígenas.
O Povo com a Notícia: O Instituto atua somente em Floresta?
Libânio Neto: Não. No nosso estatuto está estabelecido que podemos atuar
em qualquer outro município de Pernambuco, muito embora nossa prioridade seja
Floresta e região. Já realizamos atividades em municípios como Mirandiba, Belém
do São Francisco e Petrolândia.
O Povo com a Notícia: Como se mantém o Instituto do ponto de vista financeiro?
Libânio Neto: Bem, a manutenção dos nossos trabalhos e projetos têm se
dado nos últimos quatro anos através da prestação de serviços que realizamos em
Floresta e que já realizamos em outras localidades. Especialmente, no momento,
temos nos mantido através de doações, de parcerias e da venda de materiais de
divulgação.
O Povo com a Notícia: Quantas crianças e adolescentes participam atualmente dos
projetos?
Libânio Neto: Temos atendido de forma permanente a mais de 50 crianças,
adolescentes e jovens remanescentes quilombolas e indígenas que residem no
bairro do vulcão, santa rosa, cohab e na comunidade quilombola da Fazenda Melancia.
Desenvolvemos com as meninas a parte de várias danças culturais e com meninos e
meninas o Maracatu e o Afoxé.
O Povo com a Notícia: Quais os ritmos que são trabalhados na dança?
Libânio Neto: Trabalhamos os ritmos que são de origem afro-brasileira e
indígena, e os ritmos que celebram a mistura entre o negro e o índio, os quais
são: capoeira, maculelê, afoxé, maracatu, coco de roda, samba de roda, mazurca,
caboclinho, ciranda, xaxado e danças africanas.
O Povo com a Notícia: E os grupos percussivos?
Libânio Neto: Temos dois grupos percussivos. O Afrobatuque que trabalha o
ritmo do Maracatu de Baque Virado e o Filhos de N’Zambi que trabalho os ritmo
do Afoxé.
O Povo com a Notícia: Porque trazer o Maracatu para Floresta?
Libânio Neto: Bem, o Maracatu de Baque Virado é uma expressão da tradição
cultural desenvolvida pelos negros que foram trazidos da África e aqui foram
escravizados. Em Pernambuco, entre outros ritmos, os negros criaram o batuque
que recebeu o nome de Maracatu. Esta manifestação popular está vinculada
historicamente à coroação do Rei e da Rainha do Congo, que aqui em Floresta se
expressa na Confraria do Rosário. Realizamos uma profunda pesquisa sobre as
origens africanas dos quilombolas de Floresta e encontramos no Maracatu de Baque
Virado as semelhanças e o elemento mais forte para esse resgate e a relação com
as origens. O próprio Luiz Gonzaga (que foi a maior expressão musical do nosso
sertão e do nordeste) tem em seu repertório músicas de maracatu. E podemos
ainda acrescentar (como revelou o próprio Luiz Gonzaga) que o baião tem suas
origens no maracatu e no fado português.
O Povo com a Notícia: E o Afoxé?
Libânio Neto: O Afoxé é um ritmo desenvolvido também pelos africanos que
aqui foram escravizados e tem uma relação direta com a religiosidade do negro,
que trouxe da África suas referências históricas, culturais, sociais e
religiosas. As cantigas e músicas de referência à ancestralidade africana, de
afirmação da identidade afro-brasileira e especialmente de louvação aos Orixás.
O Povo com a Notícia: E a relação com a questão religiosa, o grupo é de terreiro,
é de candomblé?
Libânio Neto: É
muito importante esclarecer isso. O Afoxé também é definido como “candomblé de
rua”. Nós trabalhamos com o resgate e preservação das origens e tradições do
povo negro e do índio, então o Afoxé como o Toré (para os indígenas) são
expressões de tradições culturais que tem seu perfil religioso sim. No entanto,
não dizemos a nenhuma criança, adolescente ou jovem, nem tampouco a seus pais e
mães, que religião deve seguir. O que não podemos é negar que a religiosidade
esteja presente na cultura. O que queremos é que eles e elas (meninos e
meninas) tenham consciência que quando tocam o maracatu ou o afoxé estão
mantendo uma ligação profunda com seus ancestrais e antepassados e à força (o
Axé) e a paz que são produzidos nos toques/baques e cantos são de exaltação às nossas
raízes humanas e à nossa cultura. Isso a maioria já entende e o que mais
importa é que estamos tocando, cantando e dançando pra resgatar valores humanos
e sociais, bem como reatar os laços culturais muitas vezes rompidos.
O Povo com a Notícia: Finalizando, este trabalho já sofreu algum tipo de
preconceito?
Libânio Neto: Já presenciamos algumas reações preconceituosas, sobretudo em
relação ao Afoxé. Neste sentido, nossa reação foi continuar tocando, cantando e
dançando, porque o que fazemos é em nome de todos os nossos antepassados que
sofreram a escravidão, a perseguição, os maus tratos e toda uma imensa carga de
preconceito e discriminação e, em honra ao nome e a história que eles
construíram, não podemos nos abalar. Más, muita gente que olhava atravessado,
hoje tem opinião diferente, porque estamos levando uma formação de vida para
diversas crianças, adolescentes e jovens. Não é só uma ocupação do tempo livre,
é formação cidadã, é resgate da autoestima, é valorização humana. É uma
oportunidade para construírem um presente e um futuro melhor. Por fim, o que
podemos afirmar é que estamos promovendo a construção de perspectivas de vida
diferentes, estamos promovendo verdadeiramente uma cultura de paz, através da
música, da dança e de uma formação cidadã.
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