Durante a campanha eleitoral de
2018, os candidatos a senador e deputado federal serão convidados a apoiar um
ambicioso pacote de medidas anticorrupção. Foi elaborado sob a coordenação da
Fundação Getúlio Vargas e da Transparência Internacional. Será divulgado
formalmente em junho. Conta com a simpatia da Lava Jato. Inclui mais de 80
propostas. Uma delas sugere ajustes na sistemática de escolha dos ministros do
Supremo Tribunal Federal. Pelo novo formato, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e
Alexandre de Moraes não teriam chegado à Suprema Corte.
Para assegurar a “independência” dos magistrados do Supremo, o pacote
sugere que seja “vedada a indicação de quem tenha, nos quatro anos anteriores,
ocupado mandato eletivo federal ou cargo de procurador-geral da República,
advogado-geral da União ou ministro de Estado.” Gilmar foi indicado por
Fernando Henrique Cardoso, sob polêmica, em abril 2002. Era advogado-Geral da
União. Toffoli ocupava o mesmo cargo quando Lula o indicou para o Supremo,
também sob críticas, em setembro de 2009. Premiado com a indicação em fevereiro
de 2017, Moraes era ministro da Justiça de Michel Temer.
A escolha dos ministros do Supremo continuaria sendo feita pelo
presidente. Mas o processo de seleção seria realizado sob a luz do Sol. A
partir da abertura de uma vaga na Corte, o inquilino do Planalto teria 15 dias
para divulgar uma lista com cinco nomes cogitados para o cargo. Os candidatos
seriam virados do avesso num debate público que duraria 30 dias. Só então o
presidente submeteria o nome do seu predileto ao crivo do Senado, que
continuaria dando a palavra final, podendo avalizar ou rejeitar a escolha.
Elaborado durante um ano, o novo pacote traz as digitais de quase uma
centena de especialistas. É uma versão melhorada e turbinada das “Dez Medidas”
anticorrupção formuladas em 2016 pelo Ministério Público Federal e enviadas ao
Congresso como projeto de iniciativa popular. Desfiguradas na Câmara, as
propostas viraram lixo. Agora, deseja-se aproveitar a temporada eleitoral para
obter dos candidatos ao Legislativo o compromisso de debater, aperfeiçoar e
votar as propostas em 2019. A ideia é mobilizar a sociedade, estimulando o
eleitor a dar o seu voto apenas aos candidatos que apoiarem o pacote, mesmo que
façam restrição a uma ou outra proposição.
Entusiasta da iniciativa, o procurador da República Deltan Dallagnol,
coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, já trombeteia as novas
propostas de combate à corrupção em palestras e reuniões fechadas. Ele
participou da elaboração. Escorando-se em experiências internacionais, Deltan
diz que os países que conseguiram evoluir no combate à corrupção miraram em
três objetivos: 1) assegurar a
aplicação do princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei; 2) promover uma “reforma massiva” capaz de
enfrentar as deformações do sistema; e 3) converter a
encrenca em matéria escolar.
O pacote inclui projeto que altera a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Sugere-se que os alunos do ensino fundamental e médio passem a dispor
de disciplinas obrigatórias com “conteúdo que trate de formação ética e voltada
ao exercício de cidadania solidária, à participação na gestão pública e ao
controle de gastos públicos, ao zelo pela coisa pública, bem como informações e
práticas educativas sobre causas, impactos, riscos, prejuízos e meios de
enfrentamento da corrupção.”
Há no novo pacote também propostas sobre polêmicas que infestam o
noticiário. Por exemplo: a prisão de condenados na segunda instância, hoje
escorada numa jurisprudência que prevalece no Supremo pela precária maioria der
6 a 5, seria formalizada em lei: “O trânsito em julgado da decisão judicial condenatória
ocorrerá após o julgamento do recurso de apelação ou após o decurso do prazo ou
do julgamento dos recursos ordinários cabíveis no âmbito da competência do
tribunal de segunda instância.”
Certos projetos, por draconianos, dificilmente serão digeridas pelos
congressistas. Entre eles a proposta de emenda constitucional que autoriza a
prisão provisória de deputados e senadores. Hoje, os parlamentares só podem ser
presos por ordem do Supremo, quando pilhados em flagrante. Ainda assim, a
prisão tem de ser comunicada num prazo de 24 horas à respectiva Casa
legislativa, que pode revogar a ordem judicial de encarceramento.
Com a mudança, a comunicação à Câmara e ao Senado ainda seria obrigatória.
Mas o Legislativo apenas acompanharia a execução da providência, sem poderes
para revogá-la. Eis a redação sugerida no pacote: “Desde a expedição do
diploma, a prisão provisória dos membros do Congresso Nacional será informada
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para a qual será remetida a
decisão ou o auto de prisão em flagrante respectivo, para conhecimento e o
devido acompanhamento, visando observar a preservação dos direitos e
prerrogativas do parlamentar não atingidos pela constrição, ficando vedada a
execução da prisão no próprio recinto congressional.”
O novo pacote retoma a proposta de criminalizar o caixa dois eleitoral,
impõe limites ao autofinanciamento de campanhas políticas, submete os partidos
políticos às punições previstas na lei sobre lavagem de dinheiro, reduz a
abrangência do foro privilegiado, eleva as penas dos corruptos, proíbe a
concessão de indulto ou anistia a condenados por corrupção, estende a exigência
de ficha limpa a todo o serviço público e obriga a realização de seleção
pública para o preenchimento dos chamados cargos de confiança, condicionando as
nomeações à comprovação dos “conhecimentos técnicos, capacidades e habilidades
específicas dos candidatos.”
Pressionando aqui,
você chega a uma página que traz o rol de propostas do novo pacote
anticorrupção. Elas foram submetidas a consulta pública encerrada em 30 de
abril. Ainda estão sujeitas a ajustes de redação. Não se restringem ao setor
público. Tratam também da criminalização da corrupção privada. Condicionam a
celebração de grandes contratos com o Estado à comprovação da integridade ética
das empresas. Sugerem o cancelamento de bônus por desempenho para executivos
flagrados em atos de corrupção. (Por Josias de Souza)
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