Proposta cara ao presidente eleito Jair
Bolsonaro (PSL), a reincorporação da disciplina de Educação Moral e Cívica
(EMC) aos currículos escolares já encontra defensores aguerridos nos
legislativos municipais. Desde o fim do ano passado, vereadores de pelo
menos seis cidades brasileiras e do Distrito Federal se adiantaram ao
novo presidente e apresentaram projetos de lei (PLs) pedindo o retorno da
disciplina ou cobrando maior ênfase no trabalho desses conteúdos em sala de
aula.
O
resgate da disciplina não é consenso entre especialistas em educação, que
alegam que questões como cidadania e direitos humanos já são tratadas por
outras matérias escolares. Há resistência também nas esferas
administrativas, que questionamento se é atribuição de vereadores propor
mudanças nos currículos escolares. Os PLs estão em diferentes
estágios de tramitação e contam com justificativas semelhantes, como a defesa
de ideias patrióticas e o estímulo à busca de uma identidade nacional.
— Não
custa nada o professor de português ou de história, por exemplo, reservar meia
hora da aula e dizer: ‘olha, agora nós vamos aprender os hinos do nosso país’,
diz o vereador José Cuco (PSDB), da cidade de Mogi das Cruzes, interior de São
Paulo.
Autor
de um dos projetos dessa nova leva, Cuco se declara um defensor dos símbolos
nacionais. Sua atividade legislativa (aos 77 anos, ele é vereador há sete
mandatos) inclui um texto que torna obrigatória a execução do hino municipal em
eventos oficiais. Seu projeto foi apresentado em outubro do ano passado, antes
das declarações mais contundentes de Bolsonaro à respeito do tema. O texto fala
da reincorporação do conteúdo à grade extracurricular do município, de modo que
os professores tratem de símbolos patrióticos de maneira explícita. Segundo
ele, a proposta foi uma espécie de reação ao que considera uma degradação dos
valores morais:
— Na
minha época, professor era respeitado em sala de aula. Hoje, eles são ameaçados
pelos alunos. Outro dia, uma escola aqui da cidade amanheceu depredada, diz.
A
ideia anima também os legisladores de São Paulo (SP), São Francisco do Sul e
Brusque (SC), Satuba (AL), do Distrito Federal e de Passo Fundo (RS). As
semelhanças com a proposta de Bolsonaro — que defende a disciplina como forma
de estimular o civismo — são óbvias. Mas há quem faça ressalvas às intenções do
presidente eleito:
— A
gente ainda precisa entender se o objetivo dele, com essa disciplina, é
estimular o nacionalismo exacerbado. Com isso, eu não concordo, diz o vereador
Mateus Wesp (PSDB), de Passo Fundo.
Ainda
em tramitação nas comissões da Câmara de Passo Fundo, o projeto de Wesp propõe
que a educação Moral e Cívica seja ensinada como uma disciplina
independente em todas as séries dos ensinos fundamental e médio. E que trate,
prioritariamente, dos símbolos nacionais e do funcionamento do Estado:
— É
importante que as pessoas aprendam como funciona a máquina do Estado. Saibam o
que é atribuição do município e o que é da União, por exemplo, diz Wesp, que dá
aulas de direito constitucional e já foi professor de ensino médio. — Esse
desconhecimento sobre o poder público é responsável pelas altas taxas de
abstenção nas eleições, e pela falta de legitimidade dos políticos.
Os
projetos de lei, no entanto, são criticados por especialistas em educação. Ao longo
dos anos, a Educação Moral e Cívica surgiu nos currículos das escolas
brasileiras em diferentes momentos. Segundo Carlos Cury, professor emérito da
Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Conselho Nacional de Educação
entre 1996 e 2004, seus primórdios remontam à primeira república (o período
entre 1889 e 1930). Mas a disciplina ganharia especial destaque durante os anos
da ditadura militar. Ela se tornou obrigatória em 1969, quando passou a tratar
de temas caros ao governo em anos de Guerra Fria, como o combate ao comunismo e
à “subversão”:
— Ela
carrega um ranço autoritário. Ressuscitá-la é uma ideia no mínimo anacrônica,
afirma o professor — Hoje, sabemos que questões como cidadania e o respeito aos
direitos humanos devem ser trabalhadas de forma transversal, por todas as
disciplinas.
Para
Priscila Cruz, presidente-executiva do Movimento Todos pela Educação, essas
propostas são embaladas por certo saudosismo:
— As
pessoas costumam dizer que, na sua época, a educação era melhor. Mas elas se esquecem
que, na sua época, a educação no Brasil era para poucos, diz ela. — Se a
educação era melhor, era porque é mais fácil ensinar um número restrito de
pessoas. E não por causa dessa disciplina. Com informações de O Globo.
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