Em uma decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a entrega de um bebê para adoção sem a necessidade de consultar o pai ou demais familiares da criança. Esta é a primeira vez que o STJ julga uma ação como esta no Brasil.
A decisão foi a favor de uma mulher assistida pela Defensoria Pública em Divinópolis, que fez o pedido de sigilo para que o nascimento e a entrega voluntária para adoção de seu filho acontecessem sem o conhecimento do suposto pai – com quem não havia união formal ou estável – e da família ampla.
O pedido da mãe foi inicialmente aceito em primeira instância, com base no fato de que ela não tinha união formal ou estável com o pai do bebê e que não havia condições de manter a criança sob responsabilidade dos demais familiares.
No entanto, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recorreu da decisão, argumentando que, mesmo diante do sigilo solicitado pela mãe em relação ao nascimento do filho, a família biológica deveria ser consultada.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu o recurso e revogou a decisão inicial, determinando que a criança fosse colocada em uma família substituta, mantendo o sigilo do nascimento somente em relação à família extensa.
A Defensoria Pública recorreu ao STJ, que manteve a decisão de primeira instância, permitindo o sigilo total e a entrega voluntária da criança para adoção.
O relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, afirmou em seu voto que “no caso concreto, o estudo social realizado com a mãe concluiu que a decisão de entrega do seu filho para adoção foi refletida e madura, se baseou em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente das suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança”.
"É o primeiro caso que nós estamos julgando. Essa lei veio para evitar a criança jogada no lixo... Nessa toada, estou acolhendo a lei. É a primeira vez que nós julgamos isso", disse Moura em nota enviada ao g1.
No relatório social, a mãe justificou sua escolha afirmando que não teria condições financeiras ou suporte familiar para cuidar do bebê.
"A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxinas, como eu iria trabalhar nelas tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?", afirmou no relatório.
Sobre a hipótese de deixar o filho sob os cuidados de sua família, ela revelou jamais ter cogitado, pois sua mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos com os quais não tem qualquer vínculo afetivo. Já suas duas irmãs têm “casamentos ruins” e situação financeira complicada, afirmou ela.
Decisão amparada por lei
De acordo com a Lei nº 13.509/2017, que acrescentou o artigo 19-A ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a mãe tem o direito de entregar um recém-nascido para adoção, prevenindo situações de risco, como o aborto clandestino.
Apesar da mãe não ser obrigada a indicar o pai, no caso deste ser conhecido, deve ser ouvido sobre a entrega do filho para adoção
O artigo 19-A estabelece ainda que, ao entregar um recém-nascido para adoção, a mãe deve buscar alternativas na família extensa, ou seja, parentes como avós, tios, entre outros, para checar se alguém pode cuidar da criança.
Se os familiares não souberem da gravidez, a adoção pode ser feita sem consultá-los.
A defensora pública Karina Roscoe Zanetti, da Defensoria dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Unidade da DPMG em Divinópolis, comentou a importância da decisão como um marco no respeito à privacidade da mãe.
"Esta sentença estabelece um marco no respeito à privacidade da mãe e no reconhecimento de seu direito de escolha, tornando-se um parâmetro nacional. Muitas mulheres em situação de vulnerabilidade agora sabem que podem ser acolhidas pelo judiciário sem serem expostas a julgamentos", pontuou.
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