A Presidência da República
oferece àquele que a ocupa uma tribuna vitaminada. Algo que Theodore Roosevelt
chamou de bully pulpit (púlpito formidável). De um bom presidente, espera-se
que aproveite o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos.
Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, exibida na noite passada, Michel
Temer fez o oposto. Soou como um refém da banda podre da política. Deixou no ar
a impressão de que seu apoio à Lava Jato é lorota. Alguma coisa nas palavras
Temer dizia que seu governo pode não acabar bem.
Instado a afirmar o que pensa sobre a proposta de anistiar os
políticos do crime de caixa dois, Temer subiu no muro. “Esta é uma decisão do
Congresso.” E desceu do lado errado: “Eu não posso interferir nisso.” Convidado
a se manifestar sobre projetos que saltam das gavetas em reação à Lava Jato,
como a lei sobre abuso de autoridade, prioridade do multiinvestigado Renan
Calheiros, Temer disse não acreditar que propostas do gênero atrapalhem as
investigações.
Temer perdeu uma oportunidade para se vacinar contra o
contágio dos micróbios do petrolão. Bastaria que aproveitasse o púlpito para
brindar os telespectadores com uma declaração assim: “Esclareço que o
presidente da República também participa do processo legislativo. A
Constituição me faculta o poder do veto. Assim, aviso aos apoiadores do
governo: não aprovem nada que afronte a ética ou comprometa o trabalho da
Procuradoria e do Judiciário. Para que os brasileiros durmam tranquilos,
informo: se aprovarem, eu vetarei.”
Noutro ponto da conversa, o entrevistado foi questionado
sobre a situação de Lula, réu em três ações penais. Ao discorrer sobre a
hipótese de prisão do ex-presidente, Temer insinuou que o melhor seria evitar.
“O que espero, e acho que seria útil ao país, é que, se houver acusações contra
o ex-presidente Lula, que elas sejam processadas com naturalidade. Aí você me
pergunta: ‘Se Lula for preso causa problema para o país?’ Acho que causa.
Haverá movimentos sociais. E toda vez que você tem um movimento de contestação
a uma decisão do Judiciário, pode criar uma instabilidade.” Ai, ai, ai…
Sempre que uma determinada decisão judicial irrita a cúpula
do crime organizado, os chefões da bandidagem ordenam, de dentro das cadeias,
que seus asseclas promovam manifestações como queima de ônibus e ataques a
policiais. Nem por isso o Estado tem o direito de acovardar-se. Mal comparando,
o caso de Lula segue a mesma lógica. O que deve nortear a sentença é o conteúdo
dos autos.
Se o pajé do PT cometeu crimes, deve ser condenado.
Dependendo da dosagem da pena, sua hospedagem compulsória no xadrez estará
condicionada apenas à confirmação da sentença num julgamento de segunda
instância. A plateia que retardou o sono para assistir à entrevista merecia
ouvir do constitucionalista Michel Temer que não há movimento social ou
instabilidade política que justifique o aviltamento do princípio segundo o qual
todos são iguais perante a lei.
No tempo em que era o segundo de Dilma Rousseff, Temer se
queixava de ser tratado como “vice decorativo”. Era como se a ex-rainha do PT o
considerasse como um figurante — do tipo que aparece entre os mendigos,
feirantes e o enorme elenco de etcéteras mencionados no final da relação dos
papeis numa peça shakespeariana. Mesmo quando foi guindado à condição de
articulador político do governo, Temer nã deixou de ser o ‘etc.’ do enredo. Compunha o fundo contra o qual se cumpria o destina trágico da rainha.
Agora que pode exercer em sua plenitude o papel de
protagonista, Temer prefere morrer atropelado como um transeunte a entrar na
briga do lado certo. Os supostos protagonistas de 2018 o tratam como uma
espécie de interlúdio. Sua missão seria divertir o público enquanto o elenco
principal troca de roupa. Mas Temer acha que tem potencial para ser a melhor
coisa do espetáculo: “Qual é meu sonho? O povo olhar pra mim e dizer: ‘Esse
sujeito aí colocou o Brasil nos trilhos. Não transformou na segunda economia do
mundo, mas colocou nos trilhos’.”
A palavra do presidente é o seu atestado. Ou a plateia confia
no que Temer diz ou se desespera. A suspeita de que as boas intenções de Temer
não passam de um disfarce de alguém que não tem condições de se dissociar da
banda podre leva ao ceticismo terminal. No desespero, um pedaço minoritário da
sociedade acreditou que o país estivesse de volta aos trilhos. Houve mesmo quem
enxergasse uma luz no fim do túnel. Mas entrevistas como a da noite passada
revelam que talvez seja a luz da locomotiva da Lava Jato vindo na contramão.
Blog: O Povo com a Notícia
Via: Blog do Josias de Souza