Relator da ação sobre os poderes
do Supremo Tribunal Federal para decretar medidas cautelares contra
congressistas, o ministro Edson Fachin foi cirúrgico em seu voto. Conseguiu
expor, além da sua posição, o risco a que está submetida a Suprema Corte.
Lembrou que a causa já foi definida, em 5 de maio de 2016, quando Eduardo Cunha
teve o mandato de deputado suspenso por decisão unânime do Supremo. Por que
mudar o entendimento agora?, eis a pergunta que ficou no ar.
Fachin sustentou em seu voto que o Supremo pode, sim, impor a deputados e
senadores sob investigação criminal medidas alternativas à prisão, como
suspensão do mandato e recolhimento domiciliar noturno — providências decretadas
no caso de Aécio Neves. O ministro julgou improcedente a tese segundo a qual a
Câmara ou o Senado precisariam avalizar as sanções. É isso o que defendem os
partidos aliados de Cunha e autores da ação: PP, PSC e SD.
No último sábado, ao comentar o caso de Aécio Neves e a conjuntura eletrificada
que envolve o julgamento desta quarta-feira, Cármen Lúcia, presidente do
Supremo, deu a entender que a Corte está diante de uma novidade, uma causa
“diferente, inédita”. Enfatizou: “Nunca se enfrentou isso no Supremo.”
Sem mencionar o comentário da colega, o relator cuidou de esclarecer que
não há novidade sobre a bancada dos ministros do supremo. Recordando o processo
sobre Eduardo Cunha, Fachin declarou: “Sobre a possibilidade de submissão de
parlamentar às medidas alternativas à prisão, este Supremo Tribunal Federal, à
unanimidade, à unanimidade [o ministro repetiu o vocábulo], em 5 de maio de
2016, quando do julgamento do referendo da ação cautelar 4.070, assentou a
possibilidade de se determinar o afastamento das funções de parlamentares em situações
pontuais e excepcionais.”
Fachin recordou trechos do voto que levou à suspensão do mandato e ao
afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Foi redigido por Teori Zavaschi,
que morreu em acidente aéreo. Só o Congresso pode cassar mandatos parlamentares,
dissera Teori. Fachin abriu aspas para o colega também no trecho em que ele
enfatizou outras duas “competências” do Legislativo.
“Primeiro, a competência para resolver sobre a prisão de seus membros caso
tenham sido eles detidos em flagrante por crime inafiançável e, segundo, para
sustar o andamento de ação penal que porventura tenha sido recebida contra
senador ou deputado por crime ocorrido após a diplomação.”
Fachin foi generoso na concessão de aspas ao colega morto: “Fora dessas
hipóteses, acrescentou o ministro Teori, no que foi seguido por todos nós, as
investigações em processos criminais deflagrados contra parlamentares haverão
de transcorrer ordinariamente, sem qualquer interferência do Poder Legislativo,
inclusive quanto à execução das demais medidas cautelares previstas no
ordenamento…”
O relator arrematou as citações a Teori com o seguinte trecho: “Assim, a
partir de quando um parlamentar possa ser alvo de investigação por crime comum
perante o foro apropriado, também esses agentes políticos haverão de se
sujeitar a afastamentos temporários da função, desde que existam elementos
concretos de particular gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida
para a hígida sequência dos trabalhos judiciários.”
Como que antevendo um placar apertado, a ser definido nos derradeiros
votos, Fachin teve o cuidado de recordar como votaram em maio de 2016 Cármen
Lúcia e o decano Celso de Mello, que serão os últimos ministros a votar no
julgamento desta quarta. Ambos referendaram o afastamento de Cunha.
Disse Fachin: “Eu me permito destacar trechos do voto da ministra Cármen
Lúcia, quando, após enfatizar a excepcionalidade da possibilidade de se
determinar o afastamento de parlamentar, fundamentou seu voto, dentre outras,
nas seguintes razões: ‘O Supremo Tribunal Federal, nesta decisão, não apenas
defende e guarda a Constituição, como é da sua obrigação, como defende e guarda
a própria Câmara dos Deputados, para resguardar todos os princípios e regras
que têm de ser aplicados, uma vez que a imunidade referente ao cargo e àqueles
que o detêm não pode ser confundida em nenhum momento com impunidade ou a
possibilidade de vir a sê-lo. Afinal, a imunidade é uma garantia, porque a
República não comporta privilégios…'.”
Na sequência, Fachin deu voz ao Celso de Mello, reproduzindo-lhe um trecho
do voto sobre Cunha: “[…] A medida cautelar, como bem destacou o ministro Teori
Zavaschi, tem por finalidade impedir que se concretize o risco de uso do poder
institucional para delinquir, porque o Supremo Tribunal Federal não pode
permitir que sequer se configure o risco da prática da delinquência pelo agente
público, enquanto no desempenho de suas atividades funcionais.”
Com método, Fachin iluminou a cena. Os colegas que quiserem apagar os
votos que trataram Eduardo Cunha a ferro e fogo, terão de dar saltos mortais
retóricos para justificar a meia-volta. Podem servir refresco aos aécios que
ainda perambulam pelo Congresso como se não houvesse Lava Jato. Mas submetem o
Supremo Tribunal Federal ao risco de desmoralização.
– Atualização feita às 22h17 desta quarta-feira (11):
Deu-se o esperado. A unanimidade que resultara no afastamento de Eduardo Cunha
do mandato de deputado converteu-se numa maioria de 6 a 5 a
favor da ação que restituirá a Aécio Neves o mandato de senador e a liberdade
noturna. Num processo de autocombustão, o Supremo tornou-se um sub-Supremo. (Via: Blog do Josias de Souza)
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