O procurador da República Deltan
Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, declarou em entrevista ao blog do Josias de Souza: se o TRF-4 confirmar a sentença em que
Sergio Moro impôs nove anos e meio de cadeia a Lula, a prisão do ex-presidente
petista “é uma decorrência natural da condenação em segundo grau.” Ele
acrescentou: “Não vejo razão para distinguir entre Francisco e Chico. A lei
vale para todos.”
Segundo Dallagnol, a força-tarefa de Curitiba já colecionou matéria prima
suficiente para assegurar a sobrevida da Lava Jato pelos próximos anos. “Creio
que temos Lava Jato até 2019. Se a tendência de eliminação do foro privilegiado
se confirmar, teríamos Lava Jato forte em 2019 e consistente também em 2020.” O
procurador faz uma ressalva: “Esta previsão de 2020 decorre de uma avaliação
sujeita a alterações. Tudo é muito dinâmico. A gente não sabe o que vai ocorrer
nos próximos meses, quanto mais nos próximos anos.”
Num instante em que celebra a liminar que suspendeu os efeitos de artigos
do decreto de Michel Temer sobre indulto de presos, Dallagnol menciona os
riscos que ainda assediam a Lava Jato. “O período entre o resultado das urnas
de 2018 e o início da próxima Legislatura será uma fase de corrida para salvar
a própria pele no Congresso Nacional.” Vai abaixo a entrevista:
— Antevê algum outro risco à Lava Jato depois da liminar que
suspendeu a eficácia de artigos do decreto presidencial de indulto natalino? O
risco diminui um pouco no ano eleitoral. E aumenta de forma exponencial depois
das eleições. Temos dois períodos muito importantes em 2018. Antes e durante as
eleições, será definido o futuro do combate à corrupção no Brasil. Depois das
eleições, veremos o que vai sobrar da Lava Jato. A essa altura, alguns
parlamentares estarão reeleitos e outros terão perdido as eleições. O período
entre o resultado das urnas de 2018 e o início da próxima Legislatura será uma
fase de corrida para salvar a própria pele no Congresso Nacional. Além disso,
no final do ano que vem, haverá novo decreto de indulto do presidente.
— Não acha que a decisão de Cármen Lúcia, presidente do STF, inibe
novas tentativas? A decisão do STF é muito importante. As
pessaos não perceberam, mas ela é um sinal do que o tribunal pode fazer se
vier, por exemplo, uma autoanistia do Congresso.
— Como assim? Do mesmo modo como o indulto
foi entendido como um abuso, um excesso, um desvio de poder, uma eventual
autoanistia aprovada pelo Congresso seria um abuso do poder de legislar em
benefício próprio, cancelando penas, anulando a atuação do Judiciário,
esvaziando a proteção da sociedade proporcionada pelas normas anticorrupção.
Essa decisão da ministra Cármen Lúcia é um prenúncio do que o STF pode fazer
caso os congressistas se autoanistiem.
— O fato de o Congresso ter o poder de legislar não o diferencia
do presidente da República? Você perde um dos argumentos
utilizados contra o decreto desvirtuado de indulto, que foi o da quebra da
separação dos poderes no tocante à intrusão do presidente da República nas
penas estabelecidas pelo Congresso Nacional. Mas os outros fundamentos
permanecem legítimos. Permanece o próprio argumento da quebra da separação dos
poderes, pois uma autoanistia equivaleria à anulação de decisões do Poder
Judiciário por outro Poder, no caso o Legislativo. Além disso, prevalece o
argumento da violação da proteção da sociedade, da quebra da individualização
das penas. E haveria um argumento mais forte ainda no tocante ao conflito de interesses
e ao desvio de finalidade.
— Seu receio é o de que volte o debate sobre a anistia do caixa
dois? Aquela primeira tentativa não envolveu uma anistia
de caixa dois. O caixa dois era apenas uma fachada. A ideia era anistiar o
crime de corrupção. Falava-se em anistiar todo o crime relacionado ao
financiamento ilegal de campanha. Ocorre que o financiamento da campanha é o
destino do dinheiro. E quando você anistia qualquer crime relacionado ao
destino do dinheiro, você perdoa também os crimes relacionados à origem ilícita
do dinheiro.
— O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, costuma dizer que não
importa se o dinheiro da corrupção vai para o bolso ou para a campanha. Importa
saber a origem do dinheiro. É isso? Exatamente. O texto da
anistia que o Congresso tentou aprovar falava em anistiar os crimes
relacionados. Na época, ninguém quis assumir a autoria. O caixa dois era apenas
a brecha para alegar posteriormente no Judiciário que todo o resto estava
anistiado também.
— Receia também que o Supremo Tribunal Federal reveja a decisão
que permitiu a prisão de condenados na segunda instância do Judiciário? Temos,
sim, esse receio. Se acabar com a prisão em segundo grau será um desastre.
— Com as informações de que dispõe, diria que há matéria prima
para a continuidade da Lava Jato até quando? Creio que
temos Lava Jato até 2019. Se a tendência de eliminação do foro privilegiado se
confirmar, teríamos Lava Jato forte em 2019 e consistente também em 2020.
— Por quê? Confirmando-se a redução do foro
privilegiado, virão para a primeira instância de Curitiba muitos processos
relacionados a poderosos que hoje estão no STF. Isso levará ao que todos
esperam: a responsabilização dos grandes. É preciso ressaltar que esta previsão
de 2020 decorre de uma avaliação sujeita a alterações. Tudo é muito dinâmico. A
gente não sabe o que vai ocorrer nos próximos meses, quanto mais nos próximos
anos.
— O julgamento de Lula no TRF-4, em 24 de janeiro, pode resultar
num pedido de prisão do ex-presidente caso a sentença de 9 anos e meio de
reclusão seja confirmada? A determinação da prisão como
uma consequência do julgamento de segundo grau é algo que vai competir ao TRF
da 4ª Região. Eventualmente, o Ministério Público Federal pode até pedir.
Porém, essa avaliação não será feita pela força-tarefa de Curitiba, mas pelos
procuradores que atuam no segundo grau. O tribunal pode determinar a prisão de
ofício, sem nenhuma solicitação. Mas o Ministério Público pode, sim, pedir.
— Avalia que, havendo condenação, a prisão deve ocorrer? A
prisão é uma decorrência natural da condenação em segundo grau. O que tenho
visto é os tribunais determinando a prisão depois do julgamento em segunda
instância. Por vezes, essas determinações são suspensas por alguns ministros do
Supremo.
— O ministro Gilmar Mendes sustenta que o Supremo não tornou
obrigatória a prisão dos condenados em segunda instância. O tribunal teria
apenas autorizado a providência quando ela se mostrasse necessária. O que acha? Quando
o Supremo julgou a questão da prisão em segunda instância, o que ficou decidido
é que os recursos aos tribunais superiores não suspendem a execução do acórdão
condenatório de segundo grau. Ou seja, o condenado vai preso. Não é uma questão
de risco para o processo ou risco para a ordem pública. Não se trata mais de
uma prisão preventiva, mas de uma prisão que decorre de condenação. Tratando-se
de uma prisão por condenação, não vejo razões para discriminar entre um réu e
outro.
— Não se sensibiliza com o argumento de que a exclusão de Lula do
processo eleitoral seria inadequada? Não olho para essa
situação com olhos de processo eleitoral. Analiso a situação pela perspectiva
da justiça criminal. Vejo com os olhos de quem acredita que a lei vale para
todos. Observo com a preocupação de que, no Brasil, todos sejam verdadeiramente
iguais debaixo da lei. Não vejo razão para distinguir entre Francisco e Chico.
A lei vale para todos.
— Como distinguir o processo criminal do eleitoral? São
coisas diferentes. Uma coisa é a pessoa ser presa em razão da execução de uma
sentença de segundo grau. Outra realidade é a aplicação da Lei da Ficha Limpa,
em razão de uma condenação por órgão colegiado. Algo que impede a pessoa de
concorrer a mandato eletivo. A condenação criminal é tratada por meio da cadeia
de recursos criminais, via habeas corpus. A consequência prevista na Lei da
Ficha Limpa é tratada por meio de recursos na Justiça Eleitoral. São áreas
diferentes do Direito.
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