Vão relacionadas abaixo nove
evidências de que o governo de Michel Temer vive um ocaso em que, enfiado numa
trincheira de fantasias, acelera o seu derretimento:
1. Michel Temer recebeu a informação de que
havia gente se equipando para atravessar caminhões nas rodovias há cerca de um
mês. Deu de ombros. Fez isso mesmo tendo do seu lado um especialista na
matéria: o chefe da Casa Civil Eliseu Padilha. A encrenca dos caminhoneiros é
velha e previsível. Coisa parecida já havia sucedido nos governos Sarney, FHC,
Lula e Dilma.
2. Eliseu Padilha era ministro dos
Transportes de FHC quando, em 1999, explodiu uma greve de caminhoneiros. No
geral, era tudo muito parecido com o que ocorre agora: o bloqueio de estradas,
o risco de desabastecimento, a suspeita de locaute (greve de patrões). FHC
ameaçou acionar as Forças Armadas contra os caminhoneiros. Simultaneamente,
enviou Padilha à mesa de negociações.
3. Temer e Padilha fizeram uma dobradinha na
última quarta-feira. O presidente procurou os holofotes para informar aos
repórteres que solicitara uma “trégua” de três dias aos caminhoneiros. O
ministro levou a proposta a uma reunião com supostos representes da
paralisação. Àquela altura, já faltavam alimentos, remédios e combustíveis na
praça. E abundavam fantasias no Planalto. “Desde domingo estamos trabalhando
neste tema para dar tranquilidade não só ao brasileiro, que não quer ver
paralisado o abastecimento, mas também tentando encontrar uma solução que
facilite a vida especialmente dos caminhoneiros”, disse Temer, para
intranquilidade de um país submetido à iminência do caos.
4. Diumar Bueno, presidente da Confederação
Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), participou da reunião em que
Padilha ecoou o pedido de trégua de Temer. Na saída, tachou o governo de
“irresponsável”. Por quê? Avisado sobre os bloqueios há um mês, o Planalto não
saíra do lugar. Trégua? Nem pensar. O negociador do governo era o mesmo de 19
anos atrás. Mas a estratégia era outra. Sob FHC, o chefe de Padilha falava em
Forças Armadas, não em trégua. Ainda assim, o governo tucano teve de ceder no
quarto dia de paralisação, recuando num reajuste do diesel. Para complicar, os
caminhoneiros agora estão mais organizados. Comunicam-se por WhatsApp.
5. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara,
enxergou no derretimento da autoridade de Temer uma oportunidade a ser
aproveitada. Enfiou no projeto de desoneração da folha salarial das empresas
uma isenção do PIS e da Cofins sobre o diesel. Uma coisa compensaria a outra,
disse Maia. E os caminhões voltariam a circular. O Planalto tratou a proposta
de Maia como uma “pauta-bomba”, semelhante aos pavios que Eduardo Cunha
costumava acender contra Dilma Rousseff. A adesão dos líderes de partidos
governistas à ideia de Maia potencializou a impressão de que a base congressual
de Temer está estilhaçada.
6. Carlos Marun, foi enviado por Temer à
Câmara, na noite de quarta, para tentar desarmar a bomba de Rodrigo Maia.
Suprema ironia: sob Dilma, Marun era general da tropa de Eduardo Cunha.
Dedicava-se a acender o fósforo. Hoje, promovido a coordenador político de
Temer, Marun revelou-se um fiasco na tarefa de desativador de artefatos. Avisou
a Maia que a isenção do PIS-Cofins produziria um rombo fiscal de R$ 13,5
bilhões, não de R$ 3 bilhões como a Câmaera estimara. Os deputados fizeram
ouvidos moucos, ativando a bomba. “Vamos corrigir no Senado”, disse Marun,
acusando Maia de fazer “populismo”.
7. Eunício Oliveira, o presidente do Senado,
estava tão preocupado com a crise que voou na quinta-feira para o seu Ceará.
Faltava querosene de aviação em Brasília. Mas Eunício, um milionário que dispõe
de avião próprio, manteve o hábito de decolar de Brasília nas asas da Força
Aérea Brasileira, com todas as comodidades que dinheiro público pode
proporcionar. Na Capital, Eunício é um apoiador de Temer. No seu Estado, é um
aliado do PT. O senador tenta a reeleição pegando carona no prestígio do
presidiário Lula entre os eleitores sertanejos. Ao ser alertado para o fato de
que o custo do seu alheamento poderia ser alto, Eunício retornou às pressas
para Brasília. Em tempo para acompanhar os desdobramentos de uma decisiva
rodada de negociações realizada no Planalto.
8. Eliseu Padilha, o negociador, coordenou a mesa
em torno da qual sentaram-se os representantes do governo e hipotéticos
porta-vozes dos caminhoneiros, sobre cujas boleias paira a sombra do baronato
empresarial do setor de transporte de carga. Autorizados por Temer, os
ministros cederam em 12 pontos. Entregaram do congelamento do diesel por 30
dias até R$ 5 bilhões em subsídios para atenuar o peso dos reajustes do
combustível ao longo do ano. Redigiu-se um acordo. Mas nem todo mundo assinou.
E quem subscreveu não falava pelos que estão sublevados nas estradas. Deu no
que está dando.
9. Nesta sexta-feita, com as estradas ainda
bloqueadas, o desabastecimento a pino, Temer voltou aos holofotes para avisar
que o governo “agora terá a coragem de exercer sua autoridade em
defesa do povo brasileiro.” O inquilino do Planalto trabalha com uma verdade
própria. Por isso, ainda não percebeu que um presidente assessorado por um
serviço de informações imprestável, sem liderança parlamentar e cercado de
auxiliares que se desligaram da realidade já não tem condições de defender nem
a si próprio. A autoridade presidencial derreteu faz tempo. (Por Josias de Souza)
Blog: O Povo com a Notícia