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Inquirido durante quase três
horas no processo sobre o sítio de Atibaia, Lula intercalou ataques desconexos
e respostas inconsistentes. A agressividade foi domada pela contrarreação da juíza
Gabriela Hardt, a substituta de Sergio Moro. A inconsistência serviu de
matéria-prima para o cerco promovido pela força-tarefa da Lava Jato,
representada na audiência pelo procurador da República Athayde Ribeiro Costa.
Com seu depoimento, Lula como que abriu o caminho que o levará a uma nova
condenação.
Ex-presidente mais popular da história desde Getúlio Vargas, protagonista
nato, líder desde a primeira mamada, Lula deixou a sala de audiências da 13ª
Vara de Curitiba como um pobre-diabo indefeso. Incapaz de enxergar o que se
passava sob os fios de sua barba, alegara ter tomado conhecimento das obras no
sítio por meio do noticiário. O representante do Ministério Público quis saber
por que não cogitou procurar os executores da obra —Odebrecht, OAS e o pecuarista
José Carlos Bumlai — para realizar o pagamento.
“A chácara não é minha”, escorregou Lula. “As obras não foram feitas pra
mim. Portanto, eu não tinha que pagar, porque achei que o dono do sítio tinha
pago”, desconversou noutro trecho.
O procurador lembrou que Fernando Bittar, o suposto proprietário, dissera
em depoimento na semana passada que não levara a mão ao bolso por imaginar que
Lula e sua mulher Marisa Letícia, como beneficiários, pagariam pelos confortos,
orçados em R$ 1,02 milhão. Instado a se explicar, Lula complicou-se: “Ele fala
e você quer que eu explique?”
Considerando-se que nenhuma empreiteira reformaria graciosamente um sítio
pertencente a um desconhecido chamado Bittar, o procurador insistiu em oferecer
a Lula uma chance de defesa. Mas o interrogado desperdiçou: “Se ele falou que
não pagou, achando que a Marisa tinha pago, eu não tenho mais como perguntar (a
ex-primeira-dama Marisa Letícia morreu em fevereiro do ano passado).”
Espremendo-se o que Lula alegou
durante o depoimento, chega-se a um enredo que, por inacreditável, seria
refugado até como roteiro de telenovela. Nele, a família Lula da Silva se
apropria de um sítio alheio. Duas das maiores empreiteiras do país reformam a
propriedade. Dizem ter bancado o upgrade com
verbas sujas, em retribuição a facilidades obtidas nos governos petistas. O
escândalo ganha o noticiário. Vira assunto nas esquinas e nos botecos. Mas
Lula, beneficiário dos mimos, jura que nunca tratou do tema.
Viva, Marisa Letícia foi pendurada nas manchetes como responsável pelos
primeiros pedidos de reforma do sítio. Entretanto, Lula assegura que não
conversou sobre a encrenca nem na alcova. Tampouco perguntou para Bumlai, o
pecuarista-companheiro, quem pagou pelas obras. Jamais tratou do assunto com
Bittar, o hipotético proprietário do sítio. “Não sou daquele tipo de cidadão
que entra na casa dos outros e vai abrindo a geladeira. O cara tem a
propriedade, o cara me empresta a propriedade. Eu vou ficar perguntando: ‘O que
foi que você fez?.”
Lula declarou que também não lhe passou pela cabeça tocar o telefone para
o amigo Emílio Odebrecht. “Por que eu tinha que falar com o Emílio?”
Espantou-se não com a generosidade de Léo ‘OAS’ Pinheiro, mas com sua incúria.
“O que eu acho grave, que você deveria perguntar, é porque o Léo não cobrou!
Porque o Léo não cobrou? O cara que tem que receber é o cara que vai todo santo
dia cobrar. O cara que tem que pagar, se puder nem passa perto.”
O procurador que inquiria Lula não passou recibo. Pacientemente,
refrigerou a memória do líder máximo do PT. Disse que o sócio da OAS não lhe
apresentara a fatura referente ao sítio porque já se considerava pago e
satisfeito com as contrapartidas que amealhara em negócios firmados com a
Petrobras.
Lula cobrou várias vezes durante o
interrogatório a exibição de provas que atestassem que ele seria o proprietário
do sítio. Foi informado de que, neste processo, a questão da propriedade do
imóvel não é crucial. O que está em causa é a corrupção e a lavagem de dinheiro
estampadas nas obras feitas em seu benefício com dinheiro saqueado do Estado.
Logo na abertura da audiência, Lula sinalizou a intenção de conturbar. A
juíza perguntou-lhe se estava ciente das acusações que pesavam contra ele. Lula
disse que não. Corrupção e lavagem de dinheiro, disse a substituta de Sergio
Moro, resumindo o conteúdo dos autos num parágrafo. Lula tentou fazer pose de
João sem braço: “Não, não, não, não. Eu imagino que a acusação que pesava sobre
mim é que eu era dono de um sítio em Atibaia.”
A juíza Gabriela Hardt reiterou o que acabara de dizer. Lula voltou à
carga: “Doutora, eu só queria perguntar, para o meu esclarecimento, porque eu
estou disposto a responder toda e qualquer pergunta: eu sou dono do sítio ou
não?” Ao farejar as intenções do interrogado, a magistrada apressou-se em puxar
as rédeas:
“Senhor ex-presidente, isso é um interrogatório. Se o senhor começar neste
tom comigo a gente vai ter problema. Então, vamos começar de novo: Eu sou a
juíza do caso, eu vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja
esclarecido, para que eu possa sentenciá-lo ou algum colega possa sentenciá-lo.
Então, num primeiro momento, eu quero dizer que o senhor tem todo o direito de
ficar em silêncio. Mas, neste momento, eu conduzo o ato.”
Na última metade da sessão, Lula
voltaria à carga: “Eu vim aqui pensando que vocês iam me desmoralizar, pegar
uma escritura, mostrar que eu paguei, que eu recebi (a escritura do sítio).
Vocês não fizeram nada disso”. Puxa daqui, estica dali, o representante da Lava
Jato ofereceu corda para que o réu enforcasse seus advogados. “Se o senhor não
sabe qual é o objeto da ação, é um problema da defesa técnica do senhor. Se o
senhor se sentir indefeso, pode chamar a Defensoria Pública.”
No ápice do interrogatório, o procurador aplicou em Lula algo muito
parecido com um xeque-mate: “No caso do tríplex, o senhor alegava que as obras
de melhorias do apartamento não foram para o senhor sob o argumento de que o
senhor nem ia lá. Agora, o senhor constantemente estava no sítio, mantinha lá
bens pessoais de toda ordem e os empresários alegam que a obra era para o
senhor. Eu gostaria do senhor qual é a explicação que o senhor tem para isso,
senhor ex-presidente?”
Lula tentou desconversar. Seu advogado, Cristiano Zanin, interveio. Houve
um princípio de barraco. O réu cavou um intervalo providencial. Pediu para ir
ao banheiro. Ao retornar, Lula ouviu o procurador repetir a mesma pergunta. A
flacidez da resposta potencializou a impressão de que o presidiário petista
estava mesmo indefeso.
“Eu vou dar a explicação. Primeiro do tríplex: o tríplex não era, não é e
não será (meu). A história vai mostrar o que aconteceu nesse
processo. Segundo, o sítio: Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou
a ir lá. Tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca, roupa de dormir,
isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar
que o sítio é meu se ele não for meu.”
“Mas eles afirmaram que fizeram obras para o senhor”, insistiu o
procurador. Lula perdeu a linha: “Ah, meu Deus do céu, sem eu pedir. Você não
acha muito engraçado alguém fazer uma obra que eu não pedi? E depois alguém
negociar uma delação sob a pressão de que é preciso citar o Lula. E vocês
colocam isso como se fosse uma verdade! …Eu repudio qualquer tentativa de
qualquer pessoa dizer que foi feito uma obra para mim naquele sítio. Porque se
o Fernando Bittar amanhã vender o sítio…”
Nesse ponto, o procurador esclareceu que, mantido o fio condutor da
defesa, Lula não enxergaria senão pus no fim do túnel. Explicou que a
condenação independe de um pedido formal para a realização das obras bancadas
com verbas de má origem: “O senhor pode alegar que não pediu. Mas o crime de
corrupção tem a modalidade receber.”
O depoimento desta quarta-feira
foi o terceiro que Lula prestou à Justiça Federal em Curitiba. No caso do
tríplex, foi condenado em primeira e segunda instância. Cumpre pena de 12 anos
e um mês de cadeia. O processo sobre a compra de um apartamento e de um terreno
que seria usado para abrigar o Instituto Lula aguarda uma sentença da juíza
Gabriela Hardt. E o caso do sítio entrou na fila na forma de uma condenação
esperando para acontecer.
Para desassossego de Lula, seu drama penal vai virando parte da paisagem.
A multidão que o prestigiou nos dois primeiros depoimentos de Curitiba ficou em
casa. A vigília nos arredores da Superintendência da PF, onde está preso,
minguou. Dessa vez, poucos apoiadores faziam barulho nas ruas de Curitiba. Nas
proximidades do fórum, não houve bloqueio de ruas nem fechamento de lojas. O
aparato de segurança sofreu lipoaspiração.
Lula coleciona façanhas políticas que poderiam tê-lo guindado à condição
de estátua. Mas até os seus apoiadores parecem recusar o papel de testemunhas
de uma fase em que o grande ídolo, auto-convertido em pardal de si mesmo, suja
com depoimentos desconexos a própria testa de bronze. No seu primeiro
encontro com a juíza substituta, Lula percebeu que seu futuro penal está agora
nas mãos de uma versão feminina de Sergio Moro. Logo, logo o PT terá de incluir
uma nova personagem no rol de ''perseguidores políticos'' do grande líder.
– Em tempo: Leia aqui notícia
sobre nota divulgada pela defesa de Lula após o depoimento. (Por Josias de Souza)
Blog: O Povo com a Notícia