José Sarney: “A ditadura da
Justiça tá implantada, é a pior de todas!
''
Sérgio Machado: “E eles vão querer tomar o poder.
Pra poder acabar o trabalho
.''
A
fabulosa epidemia de corrupção revelada pela Lava Jato fez do Brasil um pedaço
do mapa onde há a maior possibilidade de surgir um país 100% novo. Caos não
falta. O diálogo reproduzido acima revela que essa nação inteiramente outra
talvez já tenha começado a existir.
Nascida
na periférica comarca de Curitiba, a investigação que deu à luz um Brasil
diferente sobrevive a todas as bruxarias e conchavos urdidos por políticos que
se habituaram a viver no epicentro do ilícito sem sofrer qualquer tipo de
embaraço. A oligarquia corrupta está acuada.
A
“ditadura da Justiça” de que fala Sarney é o outro nome de Estado Democrático
de Direito. Renan Calheiros responde a uma dúzia de inquéritos. Eduardo Cunha é
um réu afastado do mandato pelo STF. Marcelo Odecrechet está preso e negocia
uma delação. Pilhados num diálogo vadio, Dilma e Lula foram denunciados no
Supremo por tentativa de obstruir a Justiça.
Como
se fosse pouco, os cardeais do PMDB — Sarney entre eles — foram gravados pelo
amigo Sérgio Machado, subitamente convertido num silvério que, apavorado com a
ideia de ser preso por ordem do “tirano” Sérgio Moro, tenta comprar com suor do
dedo a proteção judicial que seus correligionários já não conseguem prover.
O
autogrampo do ex-presidente da Transpetro pendurou no noticiário, de ponta-cabeça,
caciques políticos capazes de tudo, menos de levar à balança meio quilo de
explicações que afastem as suspeitas que rondam seus prontuários.
Natural
que seres como Sarney sejam tomados de assalto (ops!) pela estranheza. Não
estavam habituados a esse tipo de situação. Construíram suas carreiras num
Brasil em que, acima de um certo nível de renda e de poder, ninguém devia nada.
Muito menos explicações. Esse país em que os ratos colocavam a culpa no queijo
e tudo ficava por isso mesmo não existe mais.
Em
21 dezembro de 2014, Sarney havia escalado a tribuna do Senado pela última vez,
para pronunciar o que deveria ter sido um discurso de despedida de sua vida
pública de seis décadas. O orador somava, então, 84 anos.
Os
incautos imaginaram que estivessem diante de um aposentado. Mas se as fitas do
companheiro Machado revelam alguma coisa é que Sarney é, por assim dizer, inaposentável. Ele permanece no palco como
protagonista da própria imolação. Faz o papel de um Napoleão se descoroando.
No
discuso de sua suposta despedida, Sarney reservou um parágrafo à autocrítica
(assista abaixo). Declarou: “Precisamos levar a sério o problema da reeleição,
que precisa acabar, estabelecendo-se um mandato maior. Até fazendo mea-culpa,
de arrependimento, eu penso que é preciso proibir que os ex-presidentes ocupem
qualquer cargo público, mesmo que seja cargo eletivo. […] Eu me arrependo, acho
que foi um erro que eu fiz ter voltado, depois de presidente, à vida pública.”
O Brasil não poderia prescindir
de Sarney nesse momento. Sua aversão à Lava Jato é essencial para provar que o
país está no caminho certo. Depois de encher as praças na luta pelas eleições
diretas, o brasileiro viu subir ao poder, pela via indireta do Colégio
Eleitoral, José Sarney, o vice mais versa da história, grande amigo da ditadura
militar até seis meses antes.
Sarney
deve sua Presidência a uma conspiração do acaso com as bactérias que invadiram
o organismo de Tancredo Neves atrás de encrenca. Foi um gestor temerário.
Governou mal tão bem que não teve condições políticas de indicar um nome para
sucedê-lo. Vangloria-se de ter completado a transição da ditadura para a
primeira eleição direta. Deu em Fernando Collor.
Eleito
senador pelo Amapá três vezes, Sarney esmerou-se. Presidiu o Senado quatro
vezes. Estrelou o escândalo dos atos secretos. Deu emprego a uma sobrinha de
sua mulher que morava em Campo Grande; deu um contracheque a uma sobrinha do
genro que residia em Barcelona; alçou à folha um personagem (“Secreta”) que
trabalhava como mordomo na casa da filha Roseana Sarney…
Não
era o Amapá ou o país que tinha um senador. Era Sarney que possuía o Brasil.
Sob FHC, Lula e Dilma, foi aquinhoado com generosos nacos do Estado. Cavalgando
a administração pública, Sarney logrou alcançar a prosperidade privada. Seu
nome fundiu-se ao patrimonialismo nacional. O desespero de Sarney, o oligarca
mais longevo da República, é o melhor símbolo que a Era da Lava Jato poderia
arranjar. (Via: Josias de Souza)
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