Pelo
menos 904 mil pessoas esperam por uma cirurgia eletiva – não urgente – no Sistema
Único de Saúde (SUS). Parte desses pacientes aguarda o procedimento há mais de 10
anos. É o que mostra levantamento inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com dados das secretarias da Saúde dos Estados e das
capitais brasileiras obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A demora
para realizar procedimentos, afirmam especialistas, pode agravar o quadro dos
pacientes. As informações foram publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo a entidade, o número de
demandas represadas é provavelmente mais alto, já que somente 16 Estados e 10
capitais responderam. Há ainda a fila por procedimentos nos serviços de saúde
federais.
O levantamento revela também que
a quantidade de pessoas que aguardam cirurgia no sistema público é maior do que
o medido pelo Ministério da Saúde. Em julho deste ano, a pasta divulgou a
primeira lista única desse tipo de procedimento – antes disso, os números eram
registrados só pelos Estados e municípios e nunca haviam sido centralizados.
Na ocasião, a pasta informou que
a fila era de 804 mil solicitações no País. Na última semana, novo balanço
apresentado pelo ministério apontou que, após avaliação feita pela ouvidoria, o
número caiu para 667 mil pedidos, porque havia duplicidade de cadastros na
primeira lista.
“Tanto o número do ministério
quanto o levantado pelo CFM são subestimados, porque parte dos Estados não
respondeu ou não possui os dados organizados. Há ainda aquelas pessoas que
precisam da cirurgia, mas nem sequer têm acesso ao especialista que dá o
encaminhamento”, destaca o presidente em exercício do CFM, Mauro Luiz de Britto
Ribeiro.
O próprio ministro da Saúde,
Ricardo Barros, admitiu haver falhas de informação nas listas passadas pelos
governos locais à pasta. “Quando os Estados começaram a fazer mutirões,
constatamos que a maioria das pessoas que passaram pelas cirurgias não
constavam da lista inicial passada pelo Estado. Isso demonstra que nossa fila
não era exata”, diz ele, referindo-se aos mutirões realizados pelos Estados com
verba extra federal repassada após a criação da fila única, em julho.
Complicações: A demora na realização de cirurgias
pode levar ao agravamento do quadro de saúde do paciente, piorando o
prognóstico e aumentando os custos para o próprio sistema. Quem não faz a
cirurgia eletiva, diz Britto Ribeiro, “vai acabar caindo um dia no sistema de
urgência e emergência ou operado num quadro muito pior do que no início da
doença.”
É o caso da comerciária Ana Célia
Gonçalves, de 52 anos, que aguarda cirurgia renal desde 2012. Quando seu nome
foi incluído na lista, ela tinha quadro leve de cálculo renal. Neste ano,
descobriu que o rim direito perdeu totalmente a funcionalidade com o
agravamento da doença. Agora, a cirurgia será de retirada completa do rim.
“O exame deste ano mostrou que o
órgão está com 13% da capacidade, o que, para os médicos, já é considerado
perdido. O rim esquerdo também está em risco, tenho medo de perdê-lo também”,
afirma. “Mas, quando reclamo, só ouço que tenho que ter paciência e aguardar na
fila”, conta Ana Célia, que se trata no Hospital Universitário Walter Cantídio,
em Fortaleza.
Ela diz sofrer de dores agudas e
segue dieta restrita para o problema não piorar ainda mais. “Tenho medo de
perder o outro rim e precisar, então, de diálise e entrar na fila de
transplante.” Procurado pela reportagem, o hospital não se manifestou.
Longa espera: Ao menos 750 pedidos de cirurgias
no País estão na fila há mais de 10 anos. No Estado de São Paulo, há casos em
que o paciente aguarda desde 2005, recorde entre os Estados que responderam ao
CFM. Na rede paulista, 143 mil esperam por cirurgia eletiva.
A secretaria paulista disse que
demanda reprimida por cirurgias eletivas é uma realidade nacional, causada
sobretudo pela defasagem na tabela de valores de procedimentos hospitalares do
ministério, “congelada há anos e que não cobre os reais valores dos
atendimentos”. Disse também que o número anual de procedimentos feitos sob
gestão do Estado subiu 21% nos último sete anos, de 179,2 mil para 217,1 mil.
Segundo o órgão, também são feitos mutirões de cirurgias.
Entre os procedimentos com o
maior número de demandas represadas no Brasil estão as cirurgias de catarata
(113.185), correção de hérnia (95.752), retirada da vesícula (90.275), varizes
(77.854) e de amígdalas ou adenoide (37.776). Só estes cinco tipos concentram
quase metade de todos os pedidos na fila.
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