Embora nas últimas 72 horas a
cidade mineira de Juiz de Fora tenha vivido o episódio mais inesperado da
campanha — a facada em Jair Bolsonaro (PSL) —, os últimos 20 anos de corrida
presidencial ali não foram nada imprevisíveis.
Desde 1998, a escolha majoritária nas urnas do município de 516 mil
habitantes é uma só: o PT.
Foi assim com Lula de 1998 a 2006 — ele chegou a atingir 83% dos eleitores
contra José Serra (PSDB) em 2002 — e continuou com Dilma em 2010 e 2014,
sempre em patamares acima de 60% no segundo turno.
Um dos motivos da preferência todo mundo sabe, entre pesquisadores,
políticos e moradores: Juiz de Fora tem um perfil universitário, com longa
tradição em movimentos estudantis.
"É um movimento poderoso, do ponto quantitativo e simbólico de
vocalização", diz Paulo Roberto Figueira, cientista político e professor
da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Há 80 instituições de ensino
superior registradas pelo Ministério da Educação no município, entre elas 2
federais e 11 privadas de grande porte.
A atuação desses grupos, tanto universitários quanto secundaristas, não se
restringe ao espaço acadêmico, diz a estudante de história da UFJF Paloma
Silva, 24, que participou da União da Juventude Comunista da universidade e
hoje milita em um coletivo feminista.
"Além de levar reivindicações dos alunos para a coordenação, o
movimento atua na cidade, organizando atos como o do passe livre, por melhorias
na saúde, na educação, por maior participação da classe trabalhadora nas
decisões", diz ela.
Juiz de Fora também é reconhecida por ter uma comunidade LGBT forte e
organizada. Em 2000, foi uma das primeiras cidades a aprovar uma lei contra a
discriminação, a chamada Lei Rosa, que prevê punição a quem desrespeitar
homossexuais, bissexuais ou transgêneros.
Se no nível nacional os votos pendem para o PT, no municipal a dinâmica
política é menos unilateral. Nas últimas três eleições para prefeito a
candidata do partido, Margarida Salomão, foi derrotada nas urnas por opositores
de PSDB e MDB. Ela cumpre, porém, seu segundo mandato como deputada federal.
"Do ponto de vista local, a dinâmica é mais em torno de lideranças do
que partidária", diz o pesquisador Figueira. Nos últimos 35 anos, foram
apenas quatro prefeitos eleitos, variando entre MDB, PRN (atual PTC), PSDB e
PTB.
A cidade mineira — que fica mais próxima da antiga capital federal, o Rio
(190 km), do que de Belo Horizonte (260 km) — carrega uma longa história de
industrialização, movimentos sindicais e produção de lideranças, tanto à
esquerda quanto à direita.
A mais famosa delas é do ex-presidente Itamar Franco (1930-2011), duas
vezes prefeito de Juiz de Fora e uma vez governador de Minas. A figura de
Itamar foi evocada na gestão do prefeito eleito nos dois últimos pleitos, Bruno
Siqueira (MDB), cujo pai era muito próximo do ex-presidente.
Mas Siqueira deixou a prefeitura em abril para concorrer ao Senado, o que
acabou não acontecendo por problemas de articulação política. Quem administra a
cidade atualmente é seu vice, Antônio Almas (PSDB).
Apesar do perfil universitário e aberto a homossexuais, Juiz de Fora
carrega fortes características de cidade interiorana e conservadora, inclusive
na Câmara Municipal.
"Se você for em alguns bairros mais na ponta, parece uma cidadezinha
do interior, com forró, pessoas que se sustentam do plantio", destaca
Júlio Delgado, deputado federal pelo PSB e filho de Tarcísio Delgado, que foi
um dos que se revezaram na prefeitura nas últimas décadas.
Também compõe esse cenário uma grande presença militar. "Aqui tem um
contingente militar muito consistente. Existem várias unidades militares,
incluindo dois batalhões do Exército e três batalhões da PM", diz o
político.
Foi de Juiz de Fora que saíram as tropas que culminaram no golpe de 1964,
e muitos opositores da ditadura foram torturados ali. O episódio foi relembrado
por alguns depois do atentado a Bolsonaro. (Via: Folhapress)
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