Ao retardar a
definição de Haddad como vice, ex-presidente testa capacidade de transferir
votos
A enorme resistência do
ex-presidente Lula a aceitar determinações legais — facilitada pela
possibilidade absurda de recursos que a Justiça brasileira permite —chegou ao
limite. Na verdade, já atingira um ponto capaz de criar divisões no PT, mesmo
que Lula seja tratado na legenda como divindade.
Com a ajuda de Gleisi Hoffmann,
presidente do partido, e de criativos advogados, Lula conseguiu estender para
além da sensatez a negação à clareza com que a Lei da Ficha Limpa estabelece
que condenado em segunda instância — logo, por colegiado de juízes — fica
inelegível por um mínimo de oito anos.
Usando conexões externas, o partido e
advogados descobriram um comitê administrativo na ONU, na área de “direitos
humanos”, e nele conseguiram que dois funcionários atestassem que o Brasil
deveria permitir que o ex-presidente registrasse a candidatura. O truque não
deu certo, mas, como é do seu feitio, Lula e PT não recuaram.
Mas o ex-presidente, afinal, não teve
alternativa a não ser abrir espaço para o vice Fernando Haddad — o que não é o
forte do carismático e centralizador ex-presidente da República. Seu estilo de
conduzir o partido com mão de ferro, de maneira cesarista e vertical, continua
sendo seguido da prisão. Consta que sequer o vice tinha apoio unânime.
Mais um recurso foi tentado, ao
Supremo, sem êxito, e ontem, no vencimento do prazo para o partido fazer a
substituição de Lula, uma reunião da executiva nacional em Curitiba formalizou
a subida de Haddad para cabeça da chapa, completada por Manuela D’Ávila, do
PCdoB. Por unanimidade, é claro.
Uma explicação para a estratégia
arriscada — além da ojeriza de Lula à possibilidade de surgir uma outra
liderança na esquerda — seria que quanto mais o tempo passasse, mais fácil
seria a transferência de votos ao vice, independentemente de quem fosse o poste
da vez.
Mesmo que o PT corresse o risco de
não disputar a eleição presidencial por não cumprir prazos legais, a corda foi
esticada e Haddad apareceu na primeira pesquisa feita depois do atentado a
Bolsonaro com 9% de apoio, cinco pontos à frente da última sondagem. Mesmo
antes de ser ungido substituto de Lula. Com isso, saltou para o grupo que
disputa o direito de ir ao segundo turno contra Bolsonaro. Mas ainda será
testada a taxa de transfusão de votos lulistas.
Assim, o cenário ganha contornos mais
precisos. E Haddad terá de se ajustar à inevitável tutela de um cabo eleitoral
que mesmo preso o controlará com rédeas curtas.
Com a substituição de Lula por
Haddad, acaba o discurso da vitimização, pelo menos nesta versão. E o PT e Lula
se curvam, mais uma vez, à Constituição, por força da lei. Como necessário.
O registro que fica para a História é
que, pela primeira vez na redemocratização, Lula não terá protagonismo direto
nas urnas na disputa pelo Planalto. Por erros próprios, do partido e devido a
virtudes das instituições. (Via: O Globo)
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