A três semanas de uma das eleições mais
curtas e disputadas da história do Brasil, há um contingente populacional capaz
de definir o nome dos dois presidenciáveis que seguirão para o provável segundo
turno. Trata-se de pelo menos 68 milhões de votos, quase metade do total
registrado no cadastro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgado em
agosto. É tanta gente que, para dimensionar a grandeza, seria preciso somar
todos os moradores de São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais populosos
do país.
Para
chegar ao número, a reportagem cruzou dados das pesquisas mais recentes na
tentativa de identificar eleitores capazes de serem capturados por um
candidato. Eles estão entre aqueles que preferiram não escolher um nome ou
estão indecisos, somados com quem apontou para um político, mas não tem tanta
certeza – neste último grupo, o percentual chega a 45%. Antes de buscar o
resultado, foi retirado do cálculo o último índice de abstenção nacional na
votação de 2014 (19,12%).
A
conta precisaria ainda incorporar uma série de variáveis impossíveis de serem
testadas a curto prazo. Como livre exercício sobre o comportamento ao longo da
campanha, entretanto, é possível apresentar as estratégias dos candidatos para
amarrar o eleitorado. “A eleição não está definida. Ainda há uma parcela
razoável de gente que vai entrar na campanha”, diz Jairo Nicolau, professor de
ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E aqui é que
se estabelecem e se abandonam as estratégias. O primeiro candidato a perceber a
importância dos votos consolidados foi Ciro Gomes (PDT).
Há
três semanas, o pedetista partiu para cima do presidenciável Jair Bolsonaro
(PSL) e dos eleitores do capitão reformado do Exército. O plano era ganhar
pontos com os apoiadores do ex-presidente Lula (PT), na época ainda na disputa
eleitoral. Afinal, na cabeça dos estrategistas de Ciro, era mais fácil crescer
sobre o eleitorado petista do que tirar votos de Bolsonaro. A ação precisou ser
revista pouco tempo depois com o atentado à faca em Juiz de Fora (MG) e a
certeza cada vez maior de que o deputado garantiu uma das vagas no segundo
turno. Não que as críticas a Bolsonaro diminuíram, mas passaram a ser divididas
entre os adversários com potencial de segundo turno, como Marina Silva (Rede),
Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), o favorito para buscar votos de
Lula.
A MAIS CONFUSA
Em
artigo publicado na Associação dos Docentes da UFRJ, Nicolau disse que esta é a
eleição mais confusa desde 1945. “Uma eleição de ilusões apagadas”, escreveu o
professor. O curioso é que a estratégia de Alckmin, Haddad e Marina também
passa pela pancada em Bolsonaro. O que muda é a distribuição de ataques entres
os três, revelando a candidata da Rede mais econômica nas críticas ao tucano e
ao petista. “Tem muito voto voando”, afirma Antonio Augusto de Queiroz, diretor
de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Apontar sem muita convicção para um candidato pode descambar no voto útil às
vésperas da eleição. No caso da atual campanha, é possível dividir os
candidatos por grupos a partir dos desempenhos nas pesquisas de intenção de
votos.
No
primeiro grupo, quase garantido no segundo turno, estaria Bolsonaro. Um segundo
bloco pode ser representado por Ciro, Marina, Alckmin e Haddad. A terceira
turma enquadraria Alvaro Dias (Podemos), João Amôedo (Novo) e Henrique Meirelles
(MDB). “À medida que as eleições se aproximam, o eleitor começa a tornar o voto
mais racional. Isso pode significar a aposta em um candidato melhor
posicionado, que tiraria votos de um com pior performance”, diz Queiroz. A
pesquisa Datafolha do início da última semana mediu a certeza de votos para
Bolsonaro (74%), Haddad (67%), Ciro (42%), Alckmin (40%) e Marina (29%). Não à
toa, a candidata da Rede é a que mais tem perdido votos nos últimos
levantamentos.
ENTRADAS
A
partir da análise da última pesquisa presidencial do Ibope, o professor Jairo
Nicolau identificou que o grupo formado por eleitores de baixa renda e
escolaridade é o mais suscetível a mudanças de votos. “É como se eles ainda não
tivessem entrado na eleição, pois está fragmentado e sem um candidato
dominante.” Segundo ele, o político que conseguir buscar esse bloco,
“provavelmente”, estará no segundo turno. Tal perfil do eleitorado,
historicamente, acompanhava mais o PT de Lula, mas é difícil que Haddad consiga
puxar esses votos para ele. “Caso contrário, vamos viver uma experiência
inédita: uma eleição em que os apoios dos mais pobres e menos escolarizados não
vão em massa para um dos concorrentes.”
Voto útil em nível recorde
Esta
eleição presidencial pode ser a do eleitor do contra. O pleito tende a ter
participação recorde do voto útil, que ocorre quando se escolhe não o candidato
de preferência no primeiro turno, mas o postulante que se julga ter maior
capacidade para vencer quem ele não gosta. A razão para isso é a alta taxa de
rejeição de dois candidatos: Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Para
complicar as coisas, existe ainda um terceiro tipo de eleitor: o que tem
ojeriza a ambos. Embora saiba quem tem sua preferência, esse cidadão topa
qualquer candidato no lugar desses dois nomes.
Bolsonaro
tem vaga praticamente garantida no segundo turno – ainda que as dificuldades em
torno da campanha enquanto ele permanece internado dividam analistas e até
aliados do candidato. Quanto a Haddad, apontam as pesquisas, tende a crescer
nas intenções de voto com o apoio de Lula, apesar de o ex-presidente estar
preso em Curitiba.
Os
adversários mais próximos de Haddad, porém, também vão ganhar muitos votos de
quem não quer vê-lo no segundo turno. Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e
Geraldo Alckmin (PSDB) estão atentos e já modularam suas campanhas com vistas a
isso. Eles podem ficar com o eleitor anti-PT, herdando votos que hoje são de
outros candidatos, mas também tirando eleitores uns dos outros. Isso faz com
que as pesquisas tendam a apresentar grande oscilação nas próximas semanas. “A
marca desta eleição é a incerteza”, destaca Paulo Calmon, diretor do Instituto
de Ciência Política na Universidade de Brasília (Ipol/UnB).
Calmon
afirma que o voto útil, ou voto estratégico, como se prefere chamar na
academia, existe em todas as eleições, mas isso se acentua com a alta taxa de
rejeição de alguns candidatos e o fato de que há vários postulantes em patamar
semelhante de intenção de votos, entre o segundo e o quinto lugar. “Muitos
eleitores deixam para fazer a escolha nos últimos dias. Mas, a esta altura, já
têm certeza sobre quem não querem votar”, explica Calmon.
O
cientista político Carlos Melo, professor do Insper, destaca que o eleitor leva
muito a sério a escolha em uma eleição presidencial. “Ele se esforça, faz
cálculos para que a escolha possa ter peso no resultado. É um voto de opinião.
Nesse caso, não entra voto de cabresto – a influência do prefeito, por exemplo
-, algo que pode ter peso na escolha do deputado, ou, no máximo, para governador”.
Para
o cientista político Marcio Ianoni, professor da Universidade Federal
Fluminense, Marina está perdendo votos para Ciro de eleitores que não querem
que o PT nem Bolsonaro saiam vitoriosos. “Ciro tenta abocanhar o eleitor de
esquerda e o de direita”, avalia. Mas Melo acha que Marina tem potencial de
ganho pelo mesmo motivo. “Para o eleitor de centro, que quer política econômica
ortodoxa, André Lara Resende (assessor econômico dela) pode ser tão convincente
quanto Persio Arida (assessor de Alckmin).”
No
pelotão seguinte das pesquisas estão Alvaro Dias (Podemos), Henrique Meirelles
(MDB) e João Amoêdo (Novo). A tendência é de que os votos desses três
candidatos, que somam 10% do total, sejam transferidos para Alckmin, Ciro ou
Marina. Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap, acha que
Haddad pode ganhar força pelo apoio de Lula, mas também pelo voto útil. “A
polarização entre os petistas e os antipetistas continua sendo algo muito
forte”, diz. (Paulo Silva Pinto, do Correio)
São dois turnos para evitar distorções
O
voto útil era comum no país antes da criação do segundo turno eleitoral pela
Constituição de 1988. O objetivo do mecanismo é evitar que alguém ganhe o
pleito com um percentual pequeno de votos – era comum vencer com apenas 30% do
total, em campanhas muito disputadas. E também permitir que o eleitor escolha
quem prefere de fato, e deixe o voto de segurança para o segundo turno. Mesmo
assim, muita gente tenta ficar com uma opção que considera não a melhor, mas a
menos ruim, para que tenha mais chances de vencer, no segundo turno, o
candidato que não quer que vença de jeito nenhum.
O
cientista político Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da
UnB, destaca o fato de que as pessoas têm grandes expectativas em relação ao
resultado de uma eleição presidencial. “O que está em jogo para as pessoas não
é tanto uma questão de esquerda e direita, mas, de um lado, políticas
distributivas e, de outro, ênfase em medidas que possam trazer maior
crescimento econômico. Outro fator é a vontade de que se substitua tudo o que
está aí. Há também a preocupação solidária com minorias. O eleitor busca quem
pode promover essas coisas, mas também quer tirar quem se opõe a isso”, disse.
Na
eleição passada, o voto útil transferiu apoio de Marina Silva (PSB) para Aécio
Neves (PSDB) em um movimento às vésperas do primeiro turno. Já era um sinal da
clivagem que se acentuou no país. “Desde 2013, o país está dividido entre o
petismo e o antipetismo”, nota o cientista Carlos Melo, professor do Insper. O
agravamento dessa situação resultou no quadro atual. “Nos países emergentes há
hoje um risco econômico muito alto. Mas o risco político no Brasil consegue ser
ainda mais elevado pela indefinição do quadro eleitoral”, avalia Calmon.
Blog: O Povo com a Notícia