O ministro da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni, disse à Folha, na tarde desta quarta-feira (30), que a
responsabilização pelo desastre da Vale em Brumadinho (MG) precisa “chegar ao
CPF de alguém”.
Em tese, a punição criminal pode atingir qualquer CPF (Cadastro de Pessoa
Física) ou, até mesmo, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
Tanto os funcionários da empresa quanto a companhia, enquanto pessoa
jurídica, podem ser responsabilizados, segundo advogados ouvidos pela
reportagem.
Não há grau hierárquico que esteja imune. Podem ser atingidos de gerentes
e auditores externos a conselheiros e o presidente da empresa — desde que se
comprove que alguma responsabilidade, direta ou indireta, no incidente.
Por exemplo: um engenheiro que agiu de má-fé em seus laudos, mas também um
diretor que soube de problemas na barragem e se omitiu, explica Gilberto Passos
de Freitas, desembargador aposentado e especialista em responsabilização por
dano ambiental.
Na prática, porém, responsabilizar executivos não é tão fácil, afirmam os
advogados.
No caso de Brumadinho (MG), onde rompeu a barragem da Vale na sexta-feira
(25), a expectativa é que as ações penais contra executivos e técnicos da Vale
sigam a linha dos processos movidos contra funcionários da Samarco, após o
rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), há três anos.
Entre os crimes apontados pelo MPF (Ministério Público Federal) estão
homicídio, inundação, desabamento, lesão corporal, além de diversos crimes
ambientais.
Esses processos, movidos contra 21 executivos, conselheiros e
funcionários, ainda não foram julgados e seguem em tramitação, ainda na
primeira instância.
A punição criminal é mais difícil justamente pela necessidade de comprovar
a responsabilidade específica da pessoa e porque o julgamento penal é mais
rigoroso do que o civil, diz Freitas.
Ele cita como exemplo um caso mais antigo: o vazamento de óleo da
Petrobras em Araucária, no Paraná, em 2000.
À época, a ação penal contra o então presidente da estatal, Henri Philippe
Reichstul, foi trancada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), porque não foi
encontrada uma relação consistente de causa e efeito entre ações ou omissões do
executivo e o vazamento.
Essa dificuldade não se limita ao Brasil. Nos Estados Unidos, a
responsabilização de executivos por acidentes ambientais é rara.
Em um dos piores acidentes do país, o vazamento de petróleo provocado pela
explosão de uma plataforma da BP no Golfo do México, em 2010 — que matou 11
trabalhadores e deixou 22 feridos — nada aconteceu com os dirigentes da
companhia.
A maior punição foi dada em 2016 a um fiscal de sondas, que se declarou
culpado de uma acusação menor e ficou dez meses sob liberdade condicional.
David Rainey, ex-vice-presidente da petrolífera, foi absolvido por um júri
em 2015 das acusações de mentir para agentes federais sobre a quantidade de
petróleo que vazou.
O problema é que, tal como no Brasil, é preciso evidenciar que houve, por
exemplo, omissão dos executivos, afirma Blaine LesCene, professor de direito da
Loyola University, em Nova Orleans.
Para Rena Steinzor, professora da faculdade de direito da Universidade de
Maryland, só multar ou penalizar financeiramente a empresa é insuficiente para
convencer as empresas a mudarem seus processos para evitar novas tragédias.
“Quando você prende um executivo, você diz que ele é um criminoso. Você
manda uma mensagem mais direta a outros executivos”, diz.
No Brasil, a responsabilização penal de companhias, como pessoas
jurídicas, por crimes ambientais também tem sido um desafio, segundo os
advogados.
Essa punição criminal pode ocorrer, mas só caso se comprove que houve
alguma decisão de um diretor ou do corpo diretivo da empresa que tenha sido
tomada no interesse desta empresa ou para beneficiá-la, afirma Luiz Carlos
Vasconcellos, especialista em direito penal ambiental do escritório Tabet
Advogados.
Há, novamente, a necessidade de comprovar, por exemplo, que dirigentes
decidiram postergar uma medida de segurança para conter despesas.
“Se estiver tudo correto, as licenças em dia, os protocolos de manutenção
seguidos, é muito difícil falar-se em crime envolvendo a pessoa jurídica.
Somente depois de um inquérito bem formado poderá se chegar a essa conclusão. É
por isso que os processos demoram”, diz Vasconcellos.
Nos últimos anos, algumas mudanças facilitaram essa responsabilização,
explica Rodrigo Brandão Lex, advogado ambientalista e professor da PUC-SP.
A primeira delas foi o entendimento do STF de que, para responsabilizar a
empresa, não seria preciso comprovar a culpa de algum funcionário ou dirigente
da companhia.
Até 2017, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendia que, sem comprovar
o crime da pessoa física, o processo contra a pessoa jurídica não poderia
avançar.
“Isso dificultava muito, porque identificar a culpa específica de uma
pessoa física é mais complexo”, diz Lex.
Outra alteração foi o fim da exigência de laudos da polícia científica,
com assinatura de dois peritos, para dar início ao processo.
O problema, afirma o advogado, é que a política não tinha equipes
especializadas em crimes ambientais.
Segundo a advogada Ana Claudia Franco, sócia do Tabet, Bueno e Franco
Advogados e especialista em direito ambiental, há outro debate possível sobre a
responsabilização das instituições financeiras de reparar o dano ambiental
causado pelas atividades por elas financiadas.
Uma resolução do Banco Central atribui a elas o dever de gerenciar os
riscos ambientais envolvidos no empreendimento ou atividade antes de conceder
um financiamento. (Via: Folhapress)
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