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Mortes |
Os distritos com maior número de mortes por coronavírus estão relacionados de maneira mais intensa a locais com maior presença de autônomos, donas de casa e pessoas que usam o transporte público, mostram dados da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A correlação, por outro lado, é menor nos distritos com maior número de pessoas que usam carro, são empregadores ou profissionais liberais.
Os resultados fazem parte de material em produção pelo Observatório de
Conflitos Fundiários do Instituto das Cidades da universidade, no âmbito de uma
pesquisa feita sobre desigualdades e vulnerabilidade no contexto de
coronavírus, em convênio com a Fundação Tide Setúbal.
Os dados reforçam a percepção de que pessoas mais pobres, que tiveram que
continuar se deslocando para o trabalho durante a pandemia, são as maiores
vítimas.
O material cruza os dados de mortes nos 96 distritos da capital paulista com os
da última pesquisa de Origem e Destino do Metrô (2017), que capta diversas
informações das pessoas que se deslocam pela cidade, tais como meios usados,
profissão e tempo de viagem. Por meio do cruzamento da pesquisa com os óbitos,
é obtido um índice de correlação entre os dois fatores, cujo valor máximo é 1.
O índice de correlação distritos onde há uso do transporte público como
principal modal em suas viagens é de 0,80. No caso dos trajetos a pé, é de
0,78. Já no caso do automóvel a correlação é muito menor, de 0,39.
Responsável pelo estudo, o professor do Instituto das Cidades da Unifesp Kazuo
Nakano afirma que os dados confirmam a percepção geral de que os mais pobres
são a maioria das vítimas. "E de uma maneira bem contundente está
acontecendo mais mortes onde você tem maior viagens de transporte coletivo, de
ônibus, trem e metrô", diz.
Segundo ele, no caso no do transporte coletivo, com base no índice, a
"quantidade de viagens com transporte coletivo explica 80,76% a quantidade
de óbitos".
Nakano afirma ter se surpreendido, porém, com as pessoas que fazem viagens à
pé, normalmente mais curtas e dentro do próprio bairro onde essas pessoas
vivem. "São pessoas que estão na rua, nos bares, estão fazendo compras.
Mostra ali que essa convivência no espaço público está acontecendo sem a devida
proteção."
Dos dez distritos da cidade com mais mortes pela doença, nove também lideram no
número de viagens por transporte público.
O Grajaú, no extremo sul, é o bairro que mais usa o transporte público (384.770
viagens/dia), e é o terceiro em número de mortes (360). Já Perdizes, bairro de
classe média na zona oeste, por exemplo, é o terceiro com maior número de
viagens de automóveis e, na lista de mortes, está em 63º entre 96 distritos.
A infecção das pessoas dentro do transporte público é uma das grandes
preocupações em relação ao futuro da mobilidade, uma vez que passageiros e,
principalmente, funcionários ficam expostos a grandes aglomerações. O setor tem
implementado desde isolamento dos motoristas até iniciativas tecnológicas como
tecidos que diminuiriam o contágio da doença.
Outra pesquisa, esta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (FAU-USP), relacionou informações do DataSUS sobre as áreas com
concentração de moradores que foram hospitalizados por Covid-19 com dados
públicos da companhia de transportes São Paulo (SPTrans). A conclusão foi
parecida, de que o deslocamento até o trabalho influenciou no contágio na
capital.
O material também mostra que, enquanto algumas profissões têm alto índice de
relação com as mortes pela doenças, outras são quase totalmente poupadas.
Por exemplo, de um máximo de 1 na relação entre as mortes e a profissão,
autônomos - categoria na qual se incluem diaristas e camelôs –atingem 0,79. As
donas de casa vêm logo atrás, com 0,78.
Entre os distritos com mais mortes, o Grajaú também é o que tem mais
profissionais liberais, contabilizando-se pelas viagens da pesquisa de Origem e
Destino. O Sacomã, também entre os primeiros do ranking de mortes, lidera na população
de donas de casa.
Por outro lado, empregadores têm taxa muito menor, de 0,0079. No caso de
profissionais liberais, a situação é parecida, com grau de correlação é de
0,0245.
Bairro com mais profissionais liberais na pesquisa do Origem e Destino, a Vila
Mariana (área de classe média na zona sul) é o 35º distrito com mais mortes.
Perdizes é o distrito com maior número de empregadores e também tem menos
mortes.
Segundo Kazuo Nakano, os resultados dessa parte do estudo poderão ser usados
por uma equipe multidisciplinar da Unifesp, que também envolve áreas médicas,
ciências sociais, farmácia e tecnologia. Também poderão servir para novos
cruzamentos com equipes que estão indo a campo verificar o impacto da doença em
São Paulo.
Blog: O Povo com a Notícia