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domingo, 23 de julho de 2023

Entenda por que não há imagens de Padre Cícero nas igrejas de Juazeiro de Norte, onde ele é considerado santo por romeiros

Mais de 60 mil pessoas se reuniram na manhã de 20 de julho de 1934 para se despedir de Cícero Romão Batista, o padre Cícero, em Juazeiro do Norte, após sua morte, aos 90 anos. Quando a estátua do padre foi inaugurada na Colina do Horto, em 1969, estima-se que 200 mil pessoas compareceram. Atualmente, Juazeiro recebe mais de 2 milhões de visitantes por ano. No entanto, quem andar pelas igrejas da cidade, não vai encontrar nenhuma imagem do santo popular nos templos da cidade.

No dia 13 de dezembro de 2015, durante a cerimônia de abertura da Porta Santa na Catedral de Nossa Senhora da Penha, no município do Crato, fiéis puderam ver, pela primeira vez, uma imagem de padre Cícero, um quadro pintado a óleo, sendo carregada dentro de uma igreja da região do Cariri.

A ocasião, no entanto, foi única. Ela marcou a reconciliação da Igreja Católica com o padre após mais de um século de rompimento. Desde então, o "Padim" tem recebido – agora oficialmente – cada vez mais mesuras por parte da Santa Sé. Apesar da mudança de postura, desde 2015 não se vê mais a imagem do padre nos templos da região. Entenda o porquê:

Nascido em 1844 na cidade do Crato, Cícero Romão Batista entrou para o Seminário da Prainha, em Fortaleza, em 1866. Em 1870, foi ordenado padre e voltou à sua terra natal. Em 1872, ele se tornou o capelão da Igreja de Nossa Senhora das Dores, no então povoado de Juazeiro.

Hoje, Juazeiro é a terceira mais populosa e quarta cidade mais rica do Ceará. Mas, na época, era uma vila do município de Crato - embora já fosse a maior vila do município. A região, inclusive, era chamada apenas de Juazeiro – o “do Norte” só veio em 1943 por decreto estadual.

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Após se estabelecer no povoado, padre Cícero formou uma massa de fiéis por suas pregações, seu atendimento aos mais pobres castigados pela seca e contínuas visitas às casas da região. Ele fundou e ajudou a popularizar as chamadas casas de caridade e também formou alianças políticas na região, se tornando uma figura com poder político.

Quando o padre começou sua vida sacerdotal, só havia uma diocese no estado, a Diocese do Ceará, que concentrava todas as decisões eclesiásticas das igrejas no território cearense. Até a década de 1880, Romão e a Igreja Católica, representada pela diocese, sediada em Fortaleza, tinham uma relação harmoniosa.

“Era uma relação extremamente amistosa, respeitosa. Inclusive tem cartas de dom Joaquim, que foi o segundo bispo do Ceará, fazendo altos elogios ao padre Cícero, dizendo que ele era uma joia da igreja”, conta a historiadora Fátima Pinho, professora da Universidade Regional do Cariri (Urca).

A situação mudou a partir de 1889, com a repercussão dos chamados fatos extraordinários da beata popular Maria de Araújo. No dia 1º de março daquele ano, durante uma missa, ao colocar a hóstia na boca da religiosa, a hóstia teria se convertido em sangue. Devotos afirmaram se tratava de um milagre – a hóstia havia se convertido no sangue de Cristo. A Igreja discordou.

Na época, a diocese do Ceará formou duas comissões para analisar o suposto milagre. A primeira deu como verdadeiro. A segunda deu como inverídico. Prevaleceu o segundo parecer. Por conta disso, Cícero enfrentou uma série de contendas com a Igreja.

"Ele é suspenso das ordens sacerdotais e começa aí a chamada questão religiosa do Juazeiro, onde ele é proibido de celebrar, é proibido de fazer os sacramentos em Juazeiro, mas ele celebrava em outras localidades, por exemplo, no Crato", explica Fátima Pinho. Mesmo com a proibição, Juazeiro continuou a ser a morada e sede do trabalho do sacerdote.

Por conta do afluxo de devotos que procuravam os sermões de padre Cícero e suas obras de caridade, a vila de Juazeiro desenvolveu-se tanto que se tornou maior que o município do Crato, ao qual era subordinada. Com os peregrinos, o comércio de Juazeiro cresceu, a cidade se expandiu, e em 1911 se tornou independente do Crato. Padre Cícero foi seu primeiro prefeito.

Em 1914, aliado ao ex-governador do Ceará Nogueira Acioli, Cícero Romão mobilizou fiéis e aliados no episódio conhecido como Sedição de Juazeiro, no qual derrotou as forças policiais do então governador Franco Rabelo que foram ao Cariri subjugá-los. As forças de Cícero e Acioli avançaram pelo interior do Ceará, dominaram outras cidades, chegaram a Fortaleza e derrubaram o governador.

Durante todo este período entre o fim do século XIX até sua morte, em 1934, padre Cícero esteve oficialmente proibido de realizar celebrações em Juazeiro do Norte, a cidade que o ajudou a tornar o que era. O veto, no entanto, tinha suas limitações.

“Era uma proibição que não tinha 100% de cumprimento. Por exemplo, é possível encontrar alguns registros, muito poucos, do padre Cícero fazendo batizados. Mas fora de Juazeiro, ele podia [realizar celebrações]. Ele também fazia a famosa bênção do fim do dia. Todo fim do dia se reuniam na frente da casa dele milhares de romeiros e romeiras e ele fazia uma homilia, dava a bênção”, destaca a professora, especializada na história do padre.

A postura da Igreja quanto ao sacerdote só começa a mudar nos anos de 1970, com pequenos sinais de reconhecimento da sua importância na fé da região. Na década de 2000, um processo oficial aberto pela Diocese do Crato e remitido a Roma recomenda a reabilitação do padre pela Igreja.

A reconciliação só veio em 2015, quando chegou do Vaticano a carta assinada pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do papa Francisco, na qual autoriza a reconciliação do Padim. Somente ali, quase 80 anos depois de sua morte, o padre teve sua imagem vista dentro de uma igreja de Juazeiro do Norte.

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Entrada da imagem de padre Cícero na Catedral de Nossa Senhora da Penha, no município do Crato, após sua reconciliação com a igreja — Foto: Diocese do Crato

Imagem é homenagem reservada aos santos

Quando morreu, padre Cícero estava rompido com a Igreja Católica. Por conta disso, esteve por anos fora do cânone do Vaticano. No entanto, junto à população do Cariri e de outras regiões do Nordeste, cresceu a aclamação popular em torno do legado do sacerdote.

Essa aclamação é chamada fama de santidade, quando se há a crença popular de que aquela pessoa teve uma vida santa. Daí nascem os chamados santos populares, aqueles tidos como santos pelos fiéis, mas não reconhecidos pela Igreja.

Após a reconciliação da Igreja com o padre em 2015, a Diocese do Crato entrou com o pedido da canonização de Cícero Romão Batista, isto é, pediu que a Santa Sé o reconheça como santo.

Dentro do regimento da Igreja Católica, a jornada para obter santidade passa por quatro etapas, que culmina na canonização. O processo é conduzido pelo Dicastério para as Causas dos Santos, uma espécie de departamento do governo da igreja.

Ao longo das quatro etapas da canonização, os postulantes podem receber os seguintes títulos:

Servo de Deus, atribuído logo quando o processo é iniciado, isto é, quando já há indícios de virtude suficientes para um processo de canonização ser aberto em nome daquela pessoa

Venerável, quando a investigação sobre a vida do religioso é encerrada e suas virtudes são comprovadas, como Dom Lustosa, arcebispo de Fortaleza considerado venerável no último mês de junho

Beato, título dado a um venerável quando há um milagre atribuído a ele, como no caso da Menina Benigna, a única beata do Ceará

Santo, estágio final da canonização que atribui o título apenas àqueles que tiveram um segundo milagre atribuído à sua intercessão, preferencialmente realizado após sua morte (Via: G1 CE)

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