Aviso: o texto abaixo contém uma
linguagem imprópria. Recomenda-se retirar da frente do computador os menores de
70 anos.
Noutros
tempos, a tribuna da Câmara era um local cerimonioso. Mesmo os mais exaltados
costumavam levar sua ira na coleira. E carregavam mesuras no bolso. Ainda que
fosse um simples ‘Sua Excelência’. Mas esses tempos formais já passaram. Hoje,
há sempre um orador que, ferozmente inspirado, só tem a oferecer insultos.
A
quinta-feira acabara de ser inaugurada. Passava 1min53s da meia-noite. Nesse
horário, as televisões comerciais já estão autorizadas a exibir sexo explícito.
Mas a programação da TV Câmara não costuma mostrar nada tão excitante. Quem
liga no canal não consegue mais desligar. Dorme. De repente…
O
deputado Nilson Leitão (MT), no exercício da liderança do PSDB, escalou a
tribuna da Câmara para discursar contra o projeto do governo que eleva a
tributação da folha salarial das empresas. Ele evocou um discurso que Dilma Rousseff fizera na véspera,
saudando a mandioca como “uma das maiores conquistas do Brasil'' (se você não
viu a presidente, assista clicando aqui).
O tucano Leitão esgrimiu a tese
segundo a qual Dilma semeará o desemprego ao retributar a folha salarial de
setores econômicos que haviam sido desonerados. “Só na construção civil, serão
mais de 350 mil desempregados”, ele vaticionou, antes de emendar, em português
pouco elaborado:
“O
que a presidente Dilma acha que é magnífico para o Brasil, que é a mandioca, a
mandioca é o que ela está colocando nos brasileiros com esse projeto de lei. A
mandioca ela está colocando nos brasileiros Brasil afora. É uma
irresponsabilidade sem tamanho esse projeto. Deve ser pra isso que ela quer a
mandioca…. Essa incompetência dessa mulher vai falir o Brasil.”
A
comunista Jandira Feghali (PCdoB-RJ) arregalou os olhos. Observava o colega
como se estivesse convencida de que o ser humano não é o resultado das forças
de produção, como dizia Marx. No caso do tucano Leitão, o buraco era mais
embaixo. Ou mais em cima, na psique.
O
tucano Leitão não se deu por achado. Para ele, Dilma é quem precisa de camisa
de força. “A presidente Dilma tem que ser internada”, disse, para inquietação
de Jandira. “Ela está precisando de um psiquiatra.”
Na
fase final do discurso, o deputado retomou a referência fálica que usara no
início. “Vocês querem empurrar esse relatório [sobre a retributação da folha]
goela abaixo. Esse relatório vai embrulhado numa mandioca de porte grande, para
enfiar em todos os brasileiros Brasil afora. Ao fundo, ouvia-se Jandira. “Olha
o baixo nível,” ela ralhava. “Para com essa baixaria”, repreendia.
Líder
de Dilma na Câmara, o petista José Guimarães (CE) abespinhou-se. Correu ao
microfone de apartes. Requereu ao presidente da sessão, o morubixaba
peemedebista Eduardo Cunha (RJ), a retirada da mandioca “dos anais”. Acusou o
antagonista tucano de utilizar linguagem “de baixo calão”. Lamentou: “Nesse
nível não dá para estabelecer uma convivência respeitosa aqui dentro. Usando
esse tipo de discurso chulo não dá.”
Jandira
Feghali ecoou Guimarães. Disse enxergar nas palavras do tucano Leitão
“desrespeito, desqualificação e uma tentativa de fragilizar a relação
institucional” entre o Legislativo e o Executivo. “Dilma Rousseff foi eleita”,
ela realçou. “Quem não aceita isso que vá…” A deputada ofereceu três
alternativas ao colega: “ Vá chorar, se encolhe ou vá torcer o seu próprio
cabelo. Só não venha desrespeitar a presidente da República eleita.”
Até
Zequinha Sarney (PV-MA) saiu em defesa de Dilma. Escorando-se na “querida
Bíblia”, evocou o trecho em que o livro de Eclesiastes (3:1-8) ensina que há um
tempo certo para cada propósito
debaixo do céu. Tempo de matar e
tempo de curar. Tempo de espalhar pedras
e tempo de ajuntá-las.
Tempo de rasgar e tempo de costurar. Tempo de odiar e tempo de amar. Tempo de
lutar e tempo de viver em paz. No caso do tucano Leitão, disse Zequinha, o
tempo era de calar, não de falar. “Esse discurso foi desastroso”, reprovou.
O
filho de Deus, digo, de José Sarney —que para muitos é a mesma coisa— conduzia
bem a sua intervenção. A certa altura, porém, soou como se fizesse um desagravo
à mandioca, não à presidente da República. Língua em riste, queixou-se do
trecho do discurso em que o tucano Leitão “desqualificou a mandioca”.
Lero
vai, lero vem Zequinha se esforçou para encaixar na história da humanidade a
planta da família das euforbiáceas,
cujos grossos tubérculos tumultuavam a sessão noturna da Câmara. “A mandioca…
as civilizações começaram a partir de quando o homem, o ser humano descobriu a
cultura da agricultura”, divagou Zequinha. “As civilizações indígenas, os povos
que aqui chegaram, eles usaram a mandioca. Conseguiram viver.”
Como
que decidido a injetar comédia na tragédia, Zequinha prosseguiu: “Na minha
terra, o Maranhão, tem uma farinha feita à base de mandioca, a farinha d’água.
É um alimento básico do povo maranhense.” Voltando-se para o tucano Leitão,
arrematou: “Até nisso Sua Excelência se equivocou. […] Gostaria que esses
discursos desrespeitosos estivessem fora dos nossos anais, porque eles
desrespeitam a nossa Casa, a mulher e as instituições.”
O
ex-petista Chico Alencar (RJ), hoje um destacado deputado do PSOL, cuidou de
recolocar o debate nos trilhos. “Decoro parlamentar revela-se também no jeito
de se expressar”, ensinou. “Nós temos uma posição absolutamente crítica em
relação a esse governo, que consideramos desastroso… Agora, é preciso que nós,
que nos tratamos por Excelência, tenhamos um patamar civilizatório mínimo para
fazer as críticas.”
Chico
emendou: “Discursos machistas, sexistas, rebaixados, de nível rasteiro, não
combinam com a dignidade que a gente pretende dar ao Parlamento. Portanto é
melhor a gente elevar o nível, mesmo no cansaço da madrugada.” O tucano Leitão
voltou ao microfone. Imaginou-se que se desculparia. Mas não disse nada que se
assemelhasse a um pedido de perdão.
Ficou
entendido que a elevação de nível de que falara Chico Alencar não era a única
alternativa da noite. Preferiu-se mandar rebaixar o teto. Ao encerrar a sessão,
Eduardo Cunha encareceu aos servidores da taquigrafia que vigiassem a
transcrição, para extrair dela as declarações impróprias. Ficou entendido que o
presidente da Câmara não queria que a mandioca entrasse nos anais da Câmara. (Via: Josias de Souza)
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