Por: Josias de Souza
Foi
ao ar na madrugada deste sábado (13) uma conversa afável de Dilma
Rousseff com Jô Soares. A presidente se divertiu muito. Brincou com os
problemas nacionais como quem brinca de roleta russa, com a certeza de que as
críticas que seus antagonistas manuseiam estão completamente descarregadas de
fundamento.
Descobriu-se, finalmente, por que a presidente não faz
uma autocrítica. Dilma se autoconcedeu uma isenção para exercer seu ineditismo
na Presidência, para ser a solução natural de todos os problemas que ela não
admite ter criado.
Dilma alcançou a fase do pós-cinismo. Passou a acreditar
piamente em todas as presunções que construiu a seu próprio respeito. Isso
inclui aceitar a tese segundo a qual tem uma missão no mundo divina e,
portanto, inquestionável. Não deve contas senão à sua própria noção de superioridade.
Instada a comentar a crítica da oposição de que
descumpriu suas promessas, Dilma como que apagou da memória os quatro anos do
seu primeiro mandato. “Como eu estou no quinto mês, estou entrando no sexto mês
de mandato, é muito difícil dizer que eu não cumpri minhas promessas de
campanha”, disse. “Eu tenho um mandato para cumpri-las.”
Não é o cinismo de Dilma que assusta. O cinismo é usual
na política. A presidente poderia dizer que aderiu ao programa dos tucanos como
um aceno ao diálogo. Ou que escolheu o Joaquim Levy para a Fazenda porque ele
era um espião disfarçado do PT na diretoria do Bradesco. Qualquer coisa seria
aceitável. O que assusta mesmo é a percepção de que Dilma não está sendo
cínica. Ela acredita piamente que sua missão especial no planeta lhe dá o
direito de desafiar a lógica.
O Brasil precisa de um ajuste, mas “não passa por uma
situação em que ele é estruturalmente doente”, disse Dilma. “Pelo contrário,
ele está momentaneamente com problemas e dificuldades. Por isso, é importante
fazer logo o ajuste para a gente sair mais rápido da situação.”
Quanto terminam as razões cínicas, sobra a licença que
Dilma deu a si mesma para não explicar por que deixou de fazer o ajuste em
2011, quando tomou posse pela primeira vez. O país teria desativado a armadilha
da economia criativa bem mais rapidamente. E com um custo social muito menor.
A inflação alta não lhe dá agonia? “Eu fico bastante
agoniada, Jô. É das coisas que mais me preocupam. Eu sei que é passageiro, mas
eu sei também que, mesmo sendo passageiro, afeta o dia a dia das pessoas. Fico
preocupada porque eu acho que nós vamos ter que fazer um imenso esforço. Nós
iremos fazer o possível e o impossível para o Brasil voltar a ter uma inflação
bem estável, dentro da meta.”
Quando termina a lógica, sobra o direito que Dilma julga
ter de apagar da memória os anos em que tolerou índices de inflação bem acima
da meta de 4,5%. Chamou de normais taxas que roçavam o teto da meta, de 6,5%.
Hoje, cavalgando uma taxa anualizada de 8,47%, Dilma crê que ela desceu de
Marte.
Todo ser humano cultiva um desejo oculto de ser
excepcional. Mas poucas pessoas chegam ao estágio em que se encontra Dilma. No
Programa do Jô, a presidente atingiu uma espécie de nirvana
autocongratulatório.
Perto do final da conversa, Dilma lamentou: “No Brasil
tem uma coisa que eu não vejo em outros países. Nós somos mais críticos conosco
do que nós merecemos. […] Um povo que não tem esperança também não constrói o
futuro. Nós precisamos de esperança, precisamos da confiança do povo em si mesmo.”
É mais fácil cultivar a esperança quando se tem carro com
motorista na porta, avião no hangar, um palácio como moradia e toda a mordomia
que o dinheiro público é capaz de pagar. A coisa fica mais difícil no instante
em que começa a sobrar mês no fim do salário. Piora um pouco mais quando a
principal responsável pelo oco na geladeira acha que não deve nada para
ninguém. Muito menos um pedido de desculpas.
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