Propostas do juiz passam pela ampliação do prazo das prisões preventivas
e pela discussão sobre o uso ou não de informações obtidas de forma ilegal
O juiz Sergio Moro é,
indiscutivelmente, uma celebridade nacional. Tudo que ele fala, faz ou escreve
repercute imediatamente e ganha um peso muito grande, principalmente se
envolver temas que dizem respeito ao Poder Judiciário. Desde o início da
Operação Lava-Jato, há três anos e meio, foram recuperados pelos investigadores
em Curitiba e Brasília quase 510 milhões de reais desviados dos cofres públicos
e reveladas conexões em 48 países. Neste mesmo período, só o juiz Moro já
prendeu 192 acusados e condenou 107 corruptos e corruptores. Diante de
resultados tão impressionantes, é considerado a estrela mais luminosa do maior
caso de corrupção já desvendado no planeta.
Moro também é alvo de crítica. Suas sentenças, consideradas
duras demais pelos suspeitos, e seus métodos, considerados heterodoxos pelos
advogados dos acusados, são alvo de contestações pontuais. Num país que sempre
ostentou a fama de paraíso dos criminosos de colarinho branco, a chiadeira,
claro, é tática de defesa de quem perdeu — até porque quase a totalidade das
decisões do juiz foram integralmente confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Moro quer apertar ainda mais o torniquete sobre os criminosos.
Em um documento de 41 páginas encaminhado ao deputado João
Campos (PRB-GO), relator do projeto de reforma do Código de Processo Penal, o
juiz sugere leis mais duras para investigar e punir criminosos. Mudanças que
alteram as regras de apresentação de recursos (seriam extintos determinados
recursos que contestam a validade ou a produção de provas), aumentam os prazos
de prisões preventivas (que poderiam se estender a até 5 anos) e interceptações
telefônicas (sem limite de prazo em crimes continuados), obrigam acusados a
ceder material biológico para investigações (hoje é um direito do réu não
produzir prova contra si mesmo), limitam acesso a inquéritos (caso o juiz
decida que isso pode comprometer a investigação) e avançam sobre um dos mais
polêmicos temas sempre em debate na Justiça: a admissibilidade ou não de provas
consideradas ilícitas.
No projeto que já foi aprovado no Senado, as provas obtidas
de maneira ilícita ou derivadas de algum procedimento ilegal são consideradas
inválidas. Isso vale, por exemplo, para uma confissão, mesmo que verdadeira,
obtida sob tortura ou para uma interceptação telefônica clandestina que leve à
descoberta de um megaesquesma de corrupção. Para Sergio Moro, deve haver
exceções. Para defender sua tese, o juiz usa como exemplo um caso de
assassinato ocorrido nos Estados Unidos. A polícia localizou o corpo da vítima
após um interrogatório ilegal. A Suprema Corte americana, apesar disso, manteve
a validade do depoimento por entender que as buscas dos investigadores
inevitavelmente levariam ao local do crime.
O perigo, avaliam especialistas, é que a proposta possa
servir como uma porta de entrada para o uso indiscriminado de métodos ilícitos.
“Da maneira foi proposta corre-se o risco prático de aniquilar a regra geral da
não-admissibilidade de provas ilícitas porque se ampliam exageradamente as
exceções”, avalia o professor de Direito Processual Penal da Universidade de São
Paulo (USP), Gustavo Badaró.
Outra proposta que gera debates acalorados é a que estabelece
prazos máximos para o cumprimento de prisões preventivas. O sucesso Lava-Jato,
em boa parte, está ligado à decretação das prisões dos acusados. Acuados,
muitos investigados decidiram optar por acordos de delação, o que implodiu de
vez o esquema de corrupção na Petrobras. A lei em vigor não estabelece limite
claros de tempo para as preventivas, o que gera interpretações divergentes
entre os magistrados. O ex-deputado Eduardo Cunha, por exemplo, está preso há
327 dias. Sergio Moro sugere que a lei fixe em 5 anos o prazo máximo para
manter os suspeitos detidos.
“Prisão preventiva não precisa durar anos. Isso é condenação
antecipada”, diz o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos
Velloso. Para Sergio Moro, as prisões preventivas são necessárias para
preservar provas, evitar fugas e proteger a sociedade de novos crimes. “Considerando os índices de criminalidade no Brasil, a ilustrar o trágico
número de cem policiais militares assassinados no Rio de Janeiro somente neste
ano, não creio que há necessariamente um exagero”, afirmou o magistrado a VEJA.
Sobre a fixação de um prazo, ele explica que definir prazos
imutáveis, inclusive nos casos em que já houve pelo menos um julgamento, não
faz qualquer sentido. “Só faz sentido falar em prazo para a prisão preventiva
enquanto ainda não houve qualquer julgamento. Mas se for impor um prazo, não
pode ser irreal, uma vez que a morosidade da Justiça é um fato conhecido e não
se resolve por mera imposição de um prazo para decisão definitiva”. No caso de
se aproveitar provas decorrentes de ilegalidades, o juiz da Lava-Jato declarou
que a justiça norte-americana, “zelosa no tema das provas ilícitas”, já
entendeu serem válidas provas independentes que levem os investigadores à mesma
informação revelada pelos dados ilegais. (Via: Veja)
Blog: O Povo com a Notícia