A segunda denúncia da
Procuradoria contra Michel Temer, ora em tramitação na Câmara, tornou Brasília
um pouco mais ilógica. Inverteram-se os papeis. O presidente da República já
não tem apoiadores no Congresso. Os parlamentares governistas é que têm o
presidente. Eles fazem gato-sapato de Temer. Nesta segunda-feira, arrancaram do
presidente mais um mimo: o Bolsa Sonegador.
Às vésperas da votação da denúncia que deseja ver enterrada no plenário da
Câmara, Temer cedeu às pressões dos parlamentares para modificar a medida
provisória que instituiu a mais recente versão do Refis, como são chamados os
programas de refinanciamento de dívidas com o fisco. A contragosto da equipe
econômica do governo, o novo texto oferecerá condições açucaradas aos
sonegadores: descontos de até 90% nos juros, 70% nas multas e 25% nos encargos
financeiros.
Medidas provisórias, como se sabe, entram em vigor a partir de sua edição.
Perdem a eficácia se o Congresso as rejeitar ou deixar de apreciar. A MP do
Refis foi baixada por Temer com o propósito de render ao fisco uma coleta
estimada em R$ 13 bilhões. Enviada ao Congresso, a proposta ganhou um relator
providencial: o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), cujas empresas
acumulam débitos tributários de R$ 67,8 milhões.
A perspectiva de arrecadação despencou na proporção direta das benesses
que Cardoso Júnior ofereceu a si mesmo a aos demais sonegadores da República.
Se a proposta do deputado prevalecesse, a previsão de receita seria de R$ 500
milhões, não de R$ 13 bilhões. O governo levou o pé à porta. Reeditou a MP.
Muitos devedores agarraram-se à versão original e compareceram aos guichês do
fisco para acertar suas dívidas.
O Ministério da Fazenda faz mistério sobre o montante arrecadado.
Estima-se que entraram nos cofres do Tesouro algo como R$ 9 bilhões. As adesões
ao programa podem ocorrer até a próxima sexta-feira (29). E o prazo de validade
da MP do Refis vence no dia 11 de outubro. A equipe de Henrique Meirelles
passou a considerar que não votar a medida no Congresso seria um fabuloso
negócio, pois os acertos já firmados com devedores seriam mantidos.
Eis que sobreveio a nova denúncia em que a Procuradoria acusa Temer de
organização criminosa e obstrução da Justiça. Aproveitando-se do fato de que
passaram da condição de apoiadores para a de donos de Temer, os governistas
atropelaram a equipe da Fazenda. O acerto foi costurado em reunião com os líderes
do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e no Congresso, André Moura
(PSC-SE). A dupla esteve no Planalto na noite passada.
Participaram da articulação os ministros palacianos Eliseu Padilha (Casa
Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). Ambos têm interesse
direto em adular os congressistas, pois foram incluídos na denúncia contra
Temer como membros da “organização criminisa” do PMDB da Câmara. Pelo
Ministério da Fazenda, testemunhou a rendição o secretário-executivo Eduardo Guardia.
Agora, os parlamentares correm para votar o Bolsa Sonegador antes de
sexta-feira. Não faltam interessados. Há na Câmara 291 deputados pendurados na
Receita Federal. Juntos, devem R$ 1 bilhão. No Senado, há 46 devedores. O
espeto tributário dos senadores soma cerca de R$ 2 bilhões. Tudo isso sem
mencionar os casos de parlamentares cujas campanhas foram financiadas por
grandes sonegadores.
Lançado em sucessivas versões, o Refis tornou-se nos últimos 15 anos uma
iniciativa injusta e burra. É injusta porque cria dois tipos de guichês na
Receita. Num, quem deve paga suas dívidas. Noutro, quem sonega é premiado com
descontos camaradas. A mágica é burra porque estimula bons pagadores a brincar
de esconde-esconde com o fisco, só para entrar na fila do próximo Refis. (Via: Blog do Josias de Souza)
Blog: O Povo com a Notícia