Deputados e senadores em conflito
com a moralidade já se deram conta de que, se houver inferno, ele está
localizado na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Em contraposição, se
Deus tiver de aparecer para um parlamentar investigado não se atreverá a surgir
em outra forma que não seja a de um processo com tramitação na Segunda Turma da
Suprema Corte. Aécio Neves estava no céu. Dormiu no ponto. E mastiga o pão que
o Tinhoso amassou.
Aécio pediu e recebeu de Joesley Batista, da JBS, R$ 2 milhões em verbas
de má origem. Seu processo subiu para o Paraíso da Segunda Turma. Caiu na mesa
de Edson Fachin. Relator da Lava Jato no Supremo, Fachin foi draconiano.
Determinou a suspensão do mandato de Aécio, recolheu seu passaporte e proibiu-o
de contactar outros investigados.
Assustado, Aécio autorizou seus defensores a pedir a troca do relator.
Alegou-se que o processo sobre os R$ 2milhões da JBS não deveria estar nas mãos
de Fachin, pois não tem nenhuma relação com a Lava Jato. Por mal dos pecados de
Aécio, Fachin concordou. Enviou os autos para a redistribuição. Por sorteio, a
encrenca foi à mesa do ministro Marco Aurélio Mello, no inferno da Primeira Turma.
No céu do Supremo, investigados não perdem por esperar. Ganham. Se não
tivesse fugido de Fachin, Aécio já teria percebido a essa altura que o relator
da Lava Jato tornou-se minoritário na Segunda turma. No exemplo mais notório,
Fachin foi vencido por 3 votos a 2 no julgamento do recurso que abriu a chave
da cela de José Dirceu. Liberaram o grão-petista os ministros Gilmar Mendes,
Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Ficou do lado perdedor, junto com Fachin, o
decano Celso de Mello.
Deu-se o oposto no caldeirão da Primeira Turma. Ali, em decisão
individual, o relator Marco Aurélio devolveu a Aécio o mandato parlamentar, o
passaporte e o direito de conversar com quem bem entendesse. Mas o então
procurador-geral da República Rodrigo Janot recorreu. O tempo passou. E Aécio
percebeu da pior maneira que a generosidade processual de Marco Aurélio é
minoritária no inferno. Pelo placar de 3 votos a 2, o grão-tucano voltou a ter
o mandato suspenso e o passaporte recolhido na última terça-feira. Pior: Aécio
foi proibido de deixar sua residência à noite.
O ministro Alexandre de Moraes
acompanhou Marco Aurélio no refresco. Mas Luís Roberto Barrosso abriu
divergência. Além de restabelecer todas as restrições que Fachin impusera a
Aécio, Barroso sustentou que não faria sentido manter em prisão domiciliar três
cúmplices secundários do senador sem impor nenhum tipo de limitação ao direito
de ir e vir do “mandante”.
Não havia hipótese de decretar a prisão requerida por Janot, pois a
Constituição condiciona a tranca de parlamentares a um flagrante de crime
inafiançável. Assim, Barroso optou pelo recolhimento noturno de Aécio, uma
sanção prevista no Código de Processo Penal como coisa “diversa da prisão.” O
voto de Barroso foi acompanhado por Rosa Weber e Luiz Fux.
Na época em que ainda cuidava do processo, Fachin mandara prender a irmã
de Aécio, Andréa Neves, porta-voz do pedido de propina de R$ 2 milhões;
Frederico Pacheco, o primo que o senador destacou para apanhar parte do
dinheiro vivo em mochilas; e Mendherson Souza Lima, um assessor do senador Zezé
Perrella (PMDB-MG), que ajudou a esconder um pedaço da propina.
Posteriormente, numa concessão rara, a rigorosa Primeira Turma deferiu o
pedido de transferência dos três prepostos de Aécio para a prisão domiciliar.
Daí a tese do ministro Luís Barroso segundo a qual não faria nexo a mesma Turma
de magistrados deixar o mandante do crime livre de uma sanção análoga.
Aécio e os senadores que tramam socorrê-lo, derrubando a decisão do STF no
plenário do Senado, acusam a Primeira Turma de violar a Constituição. Sobre
esse tema há enorme controvérsia na praça. Mas há algo incontroverso no enredo
protagonizado pelo ex-presidenciável tucano: Aécio Neves exerceu em sua
plenitude o direito de escolher o seu próprio caminho para o inferno. (Via: Blog do Josias de Souza)
Blog: O Povo com a Notícia