É madrugada. Um telefone toca na
zona norte de São Paulo. Imediatamente, alguém atende: “CVV, boa noite,
gostaria de conversar?”
Buscar ajuda por telefone se tornou inteiramente de graça. Deste
domingo (1º), o número do Centro de Valorização da Vida (CVV), o 188, está
disponível em todo o território nacional graças a uma parceria com o Ministério
da Saúde.
Desde 2017, o telefone já era acessível a 23 estados brasileiros. As exceções
eram Bahia, Maranhão, Pará e Paraná.
O CVV, órgão sem fins lucrativos que funciona desde 1962, é dedicado a
escutar qualquer pessoa que esteja passando por dificuldades, funcionando como
uma prevenção ao suicídio. Em 2017, recebeu cerca de 2 milhões de ligações.
Neste ano, espera ultrapassar 2,5 milhões.
Segundo Félix Flor, servidor público e voluntário há 4 anos, as pessoas
procuram a instituição porque precisam desabafar e contar histórias que, muitas
vezes, amigos e familiares não aguentam mais ouvir.
“Imagina a caminhada que essa pessoa já deve ter feito para pegar o
telefone e falar sobre suas angústias para uma pessoa que ela não conhece”, diz
Antônio Batista, voluntário há 18 anos, “Falar do seu íntimo não é uma
coisa tão simples”.
O suicídio, segundo Esther Hwang, psicóloga e pesquisadora da USP, é uma
questão de saúde pública. “É reflexo de uma sociedade doente, e não
necessariamente de uma pessoa doente”, diz. Segundo o Ministério da Saúde,
todos os dias cerca de 30 pessoas tiram a própria vida no Brasil.
Para os voluntários do CVV, o suicídio, em si, é uma ação impulsiva, mas
há um processo por trás do ato: isolamento, desistência de hobbies, falta de
contato com a família e amigos podem ser interpretados como sinais. Depressão e
o abuso de álcool e drogas também exigem atenção.
“Se a pessoa diz que vai embora, que quer sumir, que um dia vai acabar com
tudo, é preciso ficar atento”, diz Elaine Macedo, gestora institucional e
voluntária há 23 anos.
Segundo a Organização mundial da Saúde (OMS), os idosos correspondem à
faixa etária de maior risco para o suicídio. No Brasil, a taxa de mortalidade
entre pessoas com mais de 70 anos chegou a 8,9 a cada 100 mil habitantes entre
2011 e 2015.
Todos os voluntários aconselham a mesma coisa: o idoso precisa sentir que
é importante para alguém, mesmo que esse alguém lhe dê apenas um “boa noite”.
A taxa de suicídio também é alta entre os jovens: é a quarta maior causa
de morte entre pessoas de 15 a 29 anos no Brasil. Dentre os adolescentes que
contatam o CVV, muitos expõem histórias de conflitos com os pais, amigos e
preocupações com a escola.
Já os jovens adultos relatam o medo de não conseguir um emprego, falam
sobre relacionamentos complicados e sobre sua própria solidão.
“Os dias da semana também influenciam nas ligações”, diz a voluntária
Elaine. “A noite de sexta-feira, quando o jovem ‘deveria’ ir pra balada, mas se
sente sozinho, é diferente de uma noite de um domingo, quando as pessoas estão
preocupadas com questões relacionadas ao emprego”, diz.
Além do número 188, o CVV disponibiliza atendimentos presenciais, por chat
e por email. Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio poderiam ser
prevenidos.
Quem deseja ser voluntário do CVV precisa primeiro passar por um
treinamento de cerca de 3 meses. Depois, é instalado em um posto da instituição
para fazer um plantão de quatro horas por semana via telefone, chat ou
email.
Além dos plantões, há um grupo de apoio para o voluntário que se reúne uma
vez por mês. ”Ao entrar em contato com a história de uma pessoa, você também
começa a se conhecer e pode se sentir tocado”, diz Antônio.
Para não levar o peso das ligações para casa, os voluntários conversam
entre si, principalmente durante as trocas de plantão, e tentam espairecer
entre uma ligação e outra.
“Sempre há ligações que nos tocam mais, mas o nosso preparo como
voluntário nos ajuda a separar as coisas”, diz Elaine.
Na rede pública de saúde, quem precisa de ajuda psicológica pode recorrer
aos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tais como os 2.555 CAPS
(Centros de Atenção Psicossocial), que atendem transtornos psíquicos e
dependência de álcool e outras drogas.
Se necessário, os pacientes são encaminhados para leitos de saúde mental
em hospitais gerais.
O Ministério da Saúde pretende atingir a meta de reduzir em 10% os óbitos
por suicídio até 2020.
“O CVV foi criado com a intenção de que um dia deixe de existir”, diz
Elaine. “Em um dia que a sociedade seja tão solidária e fraterna que ninguém
precise ligar para uma instituição para dizer que está sofrendo. (Via: Folhapress)
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