Cano curto e procedência nacional. De
acordo com a pesquisa “De onde vêm às armas do crime apreendidas no Nordeste”,
produzida pelo Instituto Sou da Paz, essas duas características estão presentes
na esmagadora maioria das armas de fogo rastreadas pelos estados da região –
pelo menos aqueles que disponibilizaram os dados detalhados aos responsáveis
pelo estudo.
Os
apontamentos da pesquisa ajudam a explicar por que a situação da segurança
pública nos estados nordestinos se tornou tão crítica. No período entre 2005 e
2015, a quantidade de mortes por agressão com armas de fogo quase dobrou: de
9,2 mil a 18,2 mil casos. Hoje, o Nordeste responde por 44% do total de crimes
do gênero no país, ainda que a população da região corresponda a apenas 28% da
nacional. É a taxa regional mais alta de agressões por armas de fogo no Brasil
– 32,2 casos por 100 mil habitantes, 57% acima da média nacional de 20,5%.
Grande
parte desses casos, segundo o estudo, envolve vítimas com perfil semelhante. Em
geral são homens (92%), negros (pretos e pardos, 70%), que possuem entre 15 e
29 anos (52%) e são mortos com disparo de armas de fogo (72%). Apesar dos
esforços de alguns dos estados da região – sobretudo os que colaboraram com a
pesquisa, rastreando e categorizando detalhadamente as apreensões –, essas
estatísticas evidenciam que o planejamento do combate à violência no país
poderia ser melhor planejado, coordenado e executado. O que se torna uma tarefa
bem mais complicada sem informação.
Prioridade?
Aos
estados que optam por não levantar dados detalhados sobre a circulação interna
de armas de fogo, no entanto, resta apenas procurar soluções às cegas. É essa a
opinião de Bruno Langeani, gerente de Justiça e Segurança do Instituto Sou da
Paz, responsável por coordenar a pesquisa. Ele lamentou bastante o fato de
estados como Pernambuco, Bahia e Sergipe terem decidido não colaborar enviando
informações durante a produção do estudo. “Não é possível que um secretário de
Segurança não fique constrangido ao ver uma pesquisa sobre o perfil de armas no
Nordeste e seu estado não tendo nenhum dado para divulgar”, afirma.
Bruno
avalia que existem duas hipóteses a respeito dessa negligência. E a mais
otimista, segundo ele, é considerar que esses estados possuem as informações,
mas preferiram não torná-las públicas. “Se esses estados não estiverem
trabalhando esses dados, estão fazendo política de segurança no escuro. E aí,
fazendo política de segurança sem diagnóstico, a chance de dar certo é muito
baixa. Nos preocupa muito que, de nove estados, três não conseguiram fornecer
nenhum dado, e alguns outros não conseguiram fornecer dados completos”, pontua.
Outro
ponto a lamentar a respeito dessa falta de detalhamento sobre o perfil das
armas apreendidas em alguns estados, segundo Bruno, é que isso serve de
alimento para a desinformação. “Faz com que a indústria consiga disseminar
esses boatos de que o problema da arma do crime é a que vem de fora. E aí,
quando a gente analisa esses dados, o problema dessa epidemia de homicídios no
Brasil e no Nordeste são as armas nacionais. Essa informação é decisiva para
que a gente consiga dar conta de enfrentar isso da maneira adequada”, explica.
Projeções… ou memórias?
Enquanto
o cenário da violência armada se agrava no Brasil, se fortalece no Congresso
nacional o lobby pela liberação das armas de fogo, através da revogação do
Estatuto do Desarmamento em vigor em 2003. “A gente tem uma série de
parlamentares que comprovadamente receberam recursos da indústria
(armamentista) para se eleger, e por conta disso, fazem um lobby pesado para
tomar medidas que aumentem o lucro dessa indústria”, observa o porta-voz do
Instituto Sou da Paz.
Ao
invés de projetar as consequências de eventuais medidas no sentido de
flexibilizar as regras para o porte de arma, Bruno prefere evocar lembranças de
um passado não muito distante. “O Brasil já teve esse cenário. Se a gente for
olhar antes de 2003, a gente tinha essa possibilidade do porte civil. As
pessoas podiam comprar armas com muito mais facilidade, sem esses requisitos
que hoje são exigidos, como teste psicológico, atestado de antecedentes
criminais. Esse foi o período em que mais se comprou arma no país, e ao invés
das pessoas se sentirem mais seguras, foi o período em que a taxa de homicídios
mais cresceu”, recorda.
Transversalidade
A
principal conclusão do estudo sobre as armas no Nordeste brasileiro vai
justamente na contramão desse debate sobre a ideia de armar a população.
Segundo o relatório do Instituto Sou da Paz, o caminho mais eficaz para reduzir
a violência armada é apostar em ações integradas e transversais. Mais trabalho
de inteligência e investigação, e menos exposição de policiais a operações
arriscadas. Mais controle sobre os arsenais do Exército, e menos brechas nas
leis que dispõem sobre aquisição de armas. Tudo isso em ações pensadas e
coordenadas não para dar resultados imediatos, mas para resolver a questão no
médio ou longo prazo.
Essa
também é a visão de Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete de
Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop) e especialista em segurança
pública. Ela sabe, no entanto, que praticamente nenhum governo está disposto a
esperar um período de tempo maior do que seu mandato para receber os louros por
suas políticas de combate à violência armada. “O trabalho transversal dá
resultado a partir de um investimento contínuo e permanente. Então, não são
resultados que você vai colher em um ou dois anos. Eles querem resultados que
se deem imediatamente, para que eles possam colher os frutos ainda na sua
gestão, e não deixar para ser colhida pelos seus sucessores”, considera. (Via Op9)
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