Em 1997, a jornalista Fátima Souza foi escalada pela Band para cobrir uma rebelião na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo. Ao chegar ao local, percebeu que o episódio não se tratava de uma confusão comum: havia uma organização clara entre os presos, com ordens e hierarquia. Foi ali que ela descobriu — e contou ao Brasil — a existência do Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu para defender direitos básicos dos detentos, mas se tornou uma das maiores facções criminosas do país.
Em entrevista ao Jornal Opção, Fátima contou que seu primeiro contato foi com Macalé, preso responsável por dar ordens na cadeia. Ele revelou que existia uma hierarquia dentro do presídio e que ele era o "sintonia", ou seja, quem respondia diretamente ao chefe acima no organograma do PCC. Apesar de questionamentos, Macalé não revelou quem era o líder máximo da facção.
A partir daí, a jornalista ganhou abertura para investigar o grupo, recebendo inclusive o estatuto da organização e uma ligação de César Augusto Roriz da Silva (Cesinha), que confirmou a existência do PCC.
"Ele me disse: 'A gente não tem ninguém que seja a nossa voz, ninguém que nos defenda. A gente é torturado, a gente é abusado. As nossas esposas são humilhadas quando vão nos visitar. A gente quer sexo na cadeia, alimentação melhor, defender nossos direitos. Naquela época, se a família não levasse o colchão, o cara dormia no cimento; se não levasse cobertor, passava frio. Então, o PCC queria ser a voz do preso. Era uma ideia romântica'", disse Fátima ao Jornal Opção.
À época, as rebeliões eram a principal ferramenta para pressionar as autoridades. "Não pediram dinheiro ou libertação de presos, mas coisas simples: jumbo melhor, mais tempo de visitas íntimas, rejeição ao uniforme alaranjado que chamavam de ‘uniforme abóbora'", acrescentou
A lealdade entre os presos que fundaram a facção criminosa é reforçada por rituais de iniciação, que seguem acontecendo até hoje. "Tiveram a ideia de batizar o integrante para formalizar sua entrada no PCC com uma cerimônia de batismo — fazer o juramento, furar o dedo para pingar uma gota de sangue na cachaça e tomá-la em sequência. (...) Para eles, a fidelidade ao PCC é mais forte do que a do marido por sua esposa", relatou.
Reação do Estado
Mesmo após soltar as primeiras matérias, Fátima Souza foi "desacreditada" pelo Estado. De acordo com ela, as autoridades achavam que era uma "coisa pequena, que não tinha importância, fácil de ser resolvida".
"Preferiram dizer que eu estava mentindo do que assumir e ficar expostos à mídia negativa. Eles devem ter pensado que seria uma reportagem apenas, fácil de sufocar, sem maiores repercussões. (...) Em coletiva de imprensa, o secretário de administração penitenciária João Benedicto Azevedo Marques foi taxativo ao dizer que eu estava mentindo sobre o PCC. O governador [de São Paulo] na época, era o Mário Covas, em entrevista ao José Paulo de Andrade, na Bandeirantes, disse que eu estava equivocada", relembrou.
Segundo ela, essa postura contribuiu para o crescimento do PCC, que aproveitou a inoperância do Estado para se espalhar pelo Brasil e pelo mundo. Atualmente, a facção criminosa tem presença em pelo menos 28 países e está infiltrada em motéis, farmácias, casas noturnas, postos de combustíveis e casas de apostas, além do controle do tráfico de drogas.
"O PCC é um gigante que tomou essa proporção por inoperância do Estado. Ele se adaptou, se fortaleceu e continua operando com impressionante eficiência. (...) Ignorar a facção no início já foi um erro. Espalhá-la pelo Brasil, fez ele tomar conta do país dentro das cadeia", disse.
"Com o tráfico internacional, usando o ponto de Santos como a casa deles, passou a mandar droga para a África, para a Europa, para o Oriente Médio. Começa a entrar muita grana. O PCC fica rico e com esse dinheiro e começa a cooptar policiais da Polícia Civil e da Polícia Militar, que passam a integrar a facção. Continuam sendo policiais, mas usados pelo PCC para saber de operações surpresa que vão acontecer. O PCC passa a comprar droga mais barata, de apreensões do delegado que pega os traficantes", prosseguiu a jornalista
"Hoje, chegou ao ponto de pagar os custos da graduação em direito para formar advogados para a própria facção. Pagam os estudos para pessoas que prestam concurso para se tornar agentes penitenciários. Não é com a intenção de fugir, é com intenção de ser bem tratado dentro da cadeia. Daquele pequeno fenômeno das penitenciárias, o PCC se torna um gigante, mas o Estado segue com a mesma postura: finge que não enxerga. O Estado finge que não vê que o PCC está mandando droga para fora, está cooptando a polícia, pagando estudos de concurseiros e de advogados", finalizou.
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