Cinco meses após a inauguração do
eixo leste da transposição do rio São Francisco, as águas não chegaram na
quantidade esperada ao principal ponto de recebimento na Paraíba: o açude
Epitácio Pessoa, no município de Boqueirão, no Cariri do Estado. Ajustes em
equipamentos, desvios e barramentos no rio são apontados como problemas para
justificar o atraso.
A previsão inicial era que o mais importante reservatório do interior do
Estado tivesse água para encerrar o racionamento que atinge cerca de 700 mil
paraibanos em 18 municípios no dia 1º. Mas a quantidade de água que chegou ao
açude não permitiu retomar o abastecimento integral, e o racionamento deve ser
mantido, segundo Estado, até o fim de agosto (26).
Vivendo uma severa seca que já dura sete anos, a população da região
enfrenta racionamento de água desde dezembro de 2014.
Para a pasta, o atraso foi causado por desvios de água no curso do rio
Paraíba, que passou a receber água do São Francisco por meio do canal
inaugurado em Monteiro. De lá, a água percorre cerca de 100 km até chegar ao
açude.
Em visita ao rio, equipes do ministério encontraram agricultores usando a
água para plantações. O uso prioritário da água, segundo determinação da ANA
(Agência Nacional das Águas), é para abastecimento humano e animal.
Já o governo estadual rejeita essa explicação e afirma que o problema se
dá pela vazão reduzida causada, por exemplo, por problemas em bombas de
estações elevatórias.
A
região enfrenta forte seca há sete anos. Foto: Secom-PB
O açude está com 32,5 milhões de
m³, usando 7,9% da sua capacidade. Segundo o Ministério da Integração Nacional,
a expectativa inicial era de que Epitácio Pessoa já tivesse superado os 38 milhões
de m³. Antes da inauguração do canal leste, o açude estava no chamado volume
morto, com apenas 2,9% da sua capacidade.
Nos cálculos do ministério, as ligações não autorizadas já desviaram cerca
de 20 milhões de m³ nos últimos dois meses e meio –volume equivalente a quatro
vezes a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. O ministério pediu ajuda,
no início de agosto, ao Ministério Público do Estado para investigar os
desvios.
A pasta culpa ainda aterramentos, como pontes, que teriam sido feitos ao
longo dos rios por prefeituras, e que atrapalhariam o curso da água.
Problema
seria outro
O presidente da Aesa (Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba),
João Fernandes da Silva, diz que o problema da água não chegar na quantidade
esperada é outro. “O governo pretendia entregar [vazão de] 9 m³, que era a
potência total, mas o máximo que chegou até hoje é 7,8 m³ por segundo”, diz.
Ele afirma ainda que nesse período, pelo menos duas bombas de estações de
elevação deram problemas. “Primeiro deu problema em uma bomba da estação 6, que
ficou quase 20 dias só com uma bomba uma operando. Recentemente deu problema na
bomba da estação 5, e ainda não está consertado. Então, quem recebia 7,8 m³,
nos últimos 60 dias não passou de 3,57m³.”
Sobre possíveis barramentos, ele nega a existência de barramentos. Ele
explica que o que existem são passagens molhadas (que são pontes que ficam
cobertas pela água), feitas por gestores locais para atender a população que
teve a locomoção prejudicada pela chegada da água.
“A única coisa feita de diferente no rio foram essas passagens molhadas,
que continuam permitindo a passagem água. Elas estão sendo inspecionadas pela
Aesa. Se houver obstáculos, determinaremos alguma medida, mas não é o caso”,
explica.
Fernandes também questiona os supostos desvios citados pelo ministério.
“Existem retiradas de pouca expressão, insignificantes, que não podemos sequer
proibir”, diz, citando que não é necessária outorga para que pequenos
trabalhadores usem água do rio para plantações de até meio hectare de terra.
“Se passar disso, não vamos tolerar. Mas não encontramos em fiscalizações
[pós-inauguração do canal] nenhum caso assim”, revela.
Apesar da situação, Fernandes diz que a transposição é fundamental para
garantia da segurança hídrica numa região castigada pela seca e que os
problemas são normais nessa fase de implantação.
Polícia investiga desvios
A suspeita de furto de água passou a ser investigada nessa terça-feira (8)
pela Polícia Civil paraibana. “A gente soube dessa informação pela imprensa, já
que não houve formalização conosco. Mas a equipe está fazendo uma vistoria para
verificar esses supostos desvios”, diz o delegado seccional de Monteiro,
João Joaldo Ferreira.
Segundo ele, o ministério prestou um boletim de ocorrência no dia 20 de
julho, mas reclamando apenas de pontes que teriam sido feitas ao longo do rio
por prefeituras e que estariam atrapalhando o curso da água. “Sobre essas
pontes, entendemos que cabe a órgãos do setor fiscalizar, não cabe a nós. Em
tese não há indicativo de crime”, diz.
Já sobre supostos desvios, o delegado afirma que é uma fiscalização
difícil para a polícia, pois se trata de uma área superior a 100 km de
extensão.
Momento de ajustes
Procurado pelo UOL, o Ministério da Integração Nacional explicou que o
eixo leste da transposição ainda está em fase de pré-operação desde março, o
que explicaria os ajustes em equipamentos.
“A fase de pré-operação é o momento adequado para verificar a eficiência
dos equipamentos eletromecânicos, conforme determinam as cláusulas contratuais
de garantia de fábrica e, também, das estruturas de engenharia responsáveis pela
condução de água. Deste modo, é habitual que haja necessidade de ajustes,
procedimento comum e previsto para atual etapa. Portanto, é equivocado afirmar
que há defeitos ou problemas nas bombas das estações do projeto”, diz a nota,
explicando que, nesse período, o Governo Federal “tem arcado com os custos de
todo o sistema”.
Também por conta dos testes, a pasta diz que “é previsível a variação da
vazão entregue pelo sistema em Monteiro.” Contudo, a pasta afirma que “o volume
de água fornecido no leito do rio Paraíba, na cidade de Monteiro, é considerado
suficiente para atender uma população de aproximadamente 2 milhões de
habitantes”.
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