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Além da falta de ética, a
política vive uma crise de compostura. Isso ficou evidente na sessão noturna do
Congresso Nacional, nesta terça-feira. O plenário viveu uma noite de boteco.
Não um botequim qualquer. Um bar de quinta categoria. O tratamento cerimonioso
de ‘Vossa Excelência’ perdeu o sentido. No calor da confusão, uma Excelência
era vista por outra como um biltre. E vice-versa. A certa altura, Eunício
Oliveira, presidente do Senado e do Congresso, dirigiu-se com a sobriedade de
um ébrio a um deputado que o interpelava: “Baixe os dedos, não sou nega sua!”
A sessão reuniu deputados e senadores
no plenário da Câmara, que é maior do que o do Senado. Destinava-se à análise
de vetos de Michel Temer. Nas sessões ordinárias da Câmara, só com deputados,
já é grande a confusão. Com o acréscimo dos senadores, aí mesmo é que a
atmosfera conspira a favor das ofensas e dos empurrões, não de decisões sensatas.
Os parlamentares ficam em pé, na frente da mesa. É como se não dispusessem de
poltronas.
A encrenca começou quando o líder do
PDT, Weverton Rocha (MA), pediu a palavra para formular uma ''questão de
ordem''. Para usufruir um pouco mais do microfone, ele requisitou o tempo
destinado aos líderes, que é mais elástico. Presidia a sessão o segundo
vice-presidente do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA). Conspiração dos
astros! Os dois são rivais na política maranhense. Weverton é da tribo do
governador Flavio Dino (PCdoB). João Alberto é um seguidor devoto do clã
Sarney. E a Câmara virou uma espécie de quintal de São Luís.
João Alberto deu de ombros para a
solicitação de Weverton, que o acusou de censurá-lo. Outros deputados de
oposição solidarizaram-se com o líder do PDT. Grita daqui, empurra dali,
Eunício Oliveira (PMDB-CE) acomodou-se na poltrona de presidente. Desatendido,
Weverton jogou um exemplar do regimento interno na direção da Mesa. Um grupo de
parlamentares marchou em direção a Eunício, para cobrar respeito ao regimento.
Agentes da Polícia Legislativa do Senado fizeram um escudo humano para proteger
o mandachuva do Congresso da ira dos congressistas.
Eunício suspendeu a sessão por
dez minutos. Na volta, com os ânimos menos exaltados, afirmou não ter medo de
gritos, agressões ou cara feia. O deputado Silvio Costa (PTdoB-PE) disse não
ter duvida de que o presidente do Congresso não teme cara feia. Do contrário,
disse ele, Eunício não suportaria olhar seu próprio reflexo no espelho. O
deputado Paulo Pimenta (PT-RS) acusou Eunício de trazer do Senado agentes
armados, para “intimidar” os deputados. Coube à senadora Ana Amélia (PP-RS),
gaúcha como Pimenta, sair em defesa colega.
Segundo Ana Amélia, os seguranças não
fizeram senão assegurar a ordem. Ela recordou uma cena ocorrida no início de
julho. Um grupo de senadoras, sob a liderança de Gleisi Hoffmann (PR),
presidente do PT de Paulo Pimenta, ocupou a Mesa do Senado. As sublevadas
atrasaram por quase oito horas a votação da reforma trabalhista de Michel Temer.
Eunício chegou a cortar a luz do plenário. “O Brasil inteiro se deparou com a
cena dantesca”, enfatizou Ana Amélia.
Numa época em que congressistas trazem
códigos de barras na lapela e comercializam seus votos à luz do dia, as
confusões do plenário apenas adicionam à crise moral elementos de uma crise de
compostura. A diferença entre o boteco e o Congresso é que na mesa de bar os
bêbados pagam do próprio bolso a bebida que entorta a prosa. No Legislativo, é
o Tesouro Nacional que financia tudo — do salário ao cafezinho. No botequim, de
resto, o álcool sai na urina. No Congresso, se os resíduos verbais fossem
concretos, não haveria esgoto que bastasse. (Via: UOL - Blog do Josias de Souza)
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