O enfrentamento à pandemia do coronavírus
pelo poder público exige celeridade nas tomadas de decisão e aquisição de
equipamentos hospitalares. Por isso mesmo, também cobra dos órgãos de controle
uma presença ainda maior. Nas últimas semanas, alguns episódios sofreram
atuação do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), como o caso da
antecipação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de 2021 no Recife e
as denúncias envolvendo a Prefeitura do Recife na compra de respiradores.
Apesar de ter tribunal no nome, a instituição não é ligada à Justiça e a sua
principal função é fiscalizar os atos que podem resultar em receita ou despesa
realizados pelo Poder Executivo, representados por governos estaduais e
municipais.
A
instância máxima das decisões do Tribunal de Contas estadual é o Pleno, formado
por sete conselheiros que agem de forma colegiada. As indicações técnicas e
políticas para o TCEs determinadas em Constituição ensejam discussões sobre
independência, o que ocorre também com o Tribunal de Contas da União (TCU) e o
próprio Supremo Tribunal Federal (STF). E divide opinião de especialistas,
ex-conselheiros e até de conselheiros que falaram em reserva.
“Não
vejo influência política na atuação do TCE. As nomeações são feitas como está
na Constituição. Não há pressão política sobre os membros do TCE. Quando se
chega no cargo de conselheiro, fica mais independente. Todos os atos de
indicação dos conselheiros são assinados pelo governador e aprovados pela
Assembleia. É um rito”, explica o ex-conselheiro do TCE e deputado estadual
Romário Dias (PSD), que exerceu o cargo entre 2007 e 2013 numa vaga indicada
pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), falecido em 2014.
Romário
lembra que outro fator que influencia as decisões dos conselheiros “são os
pareceres técnicos feitos por funcionários da casa especialistas em auditoria
de contas públicas”. Quase a totalidade desses funcionários é de concursados e
têm formação e experiência nas áreas que atuam.
A
opinião não é unânime. A atuação em questões relacionadas à pandemia deu
exposição às decisões e recomendações dos conselheiros. Neste período, os
conselheiros Carlos Porto e Teresa Duere têm exercido um papel de maior
confronto com o Executivo. Durante a pandemia, em consulta a matérias
publicadas pelo JC sobre supostas irregularidades ou falta de transparência,
todas as medidas do TCE passaram por Carlos Porto em alguma parte do processo.
Ele emitiu alertas de responsabilização à Prefeitura do Recife e ao governo do
Estado, cobrando mais transparência, readequação de repasses a Organizações
Sociais de Saúde que administram hospitais, entre outras coisas. Porto também é
relator das questões envolvendo a Secretaria Estadual de Saúde e das contas do
prefeito do Recife, Geraldo Julio, o que direciona esses processos a seu
gabinete.
De
todos os fatos recentes, dois chamaram mais a atenção. Primeiro, a antecipação
do IPTU de 2021, que foi considerada inconstitucional por Porto e também pelo
Ministério Público de Contas (MPCO), que não entendeu ser correta a
antecipação, porque, entre outras coisas, o mandato do atual prefeito se
encerra este ano, o que comprometeria a receita do município no próximo
exercício. Porto emitiu uma cautelar para evitar que a antecipação ocorresse. O
processo foi julgado pelo Pleno, que suspendeu a cautelar por “entender que só
o Supremo Tribunal Federal (STF) pode se manifestar numa ação direta de
inconstitucionalidade”.
A
suspensão da cautelar contou com a aprovação dos conselheiros Valdecir Pascoal,
Dirceu Rodolfo, Ranilson Ramos, Carlos Neves e Marcos Loreto. Teresa Duere
votou contra, e Carlos Porto decidiu não votar. No entanto o próprio TCE
estabeleceu que quem pagar antecipado terá publicado, visivelmente, no portal
da transparência os seguintes dados: o nome, o desconto dado e o CPF ou CNPJ do
contribuinte.
Ainda
na pandemia, outra decisão importante do tribunal foi quando o conselheiro
Carlos Neves negou, no dia 24 de maio, a instauração de uma auditoria especial
para apurar supostas irregularidades na venda dos ventiladores pulmonares à
Prefeitura do Recife pela microempresária Juvanete Barreto Freire.
Pouco
mais de uma semana depois, dia 3 de junho, Neves anunciou a instauração de uma
auditoria específica para apurar a venda dos equipamentos. No meio do caminho,
uma operação da Polícia Federal já havia sido realizada sobre o mesmo caso, com
participação do Ministério Público Federal (MPF). O JC também já havia noticiado
que os respiradores não haviam sido testados em humanos.
A
empresa devolveu os recursos que haviam sido pagos pela prefeitura (R$ 1,075
milhão) um dia depois de uma denúncia do Ministério Público de Contas (MPCO),
órgão que atua dentro do TCE-PE, se tornar pública. “O Tribunal de Contas de
Pernambuco se diferencia por não ter qualquer tipo de suspeição nem escândalos
políticos envolvendo ou o Executivo ou o Legislativo. No entanto, desde que o
PSB se tornou a grande força política do Estado, começou a recrutar quadros
técnicos do tribunal. Essa aproximação política se tornou inevitável. E, desse
modo, o PSB tentou blindar a sua gestão de uma atuação mais crítica do
tribunal”, resume a cientista política Priscila Lapa.
Tanto
o prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), quanto o governador do Estado, Paulo
Câmara (PSB), são funcionários de carreira do tribunal e, antes de exercerem os
atuais cargos, foram secretários de Estado na gestão do ex-governador Eduardo
Campos.
“Há
uma divisão dos conselheiros. Também não há boa vontade entre esses dois
grupos, que ficam implicando às vezes por detalhes pequenos que não vão fazer a
diferença numa auditoria”, diz uma técnica que trabalha no tribunal há quase
duas décadas. Ela se refere à dupla Carlos Porto e Duere de um lado e os outros
cinco componentes do outro.
A
nomeação dos conselheiros para o TCE é um ato político. Todos têm que passar
pelo aprovação do chefe do Executivo, o governador. Dos sete atuais
conselheiros do Pleno, dois representam o Ministério Público. Um vaga é ocupada
pelo conselheiro Dirceu Rodolfo – atual presidente da casa –, a outra é dos
auditores, ocupada pelo conselheiro Valdecir Pascoal.
Entre
os outros cinco, três foram indicados na gestão socialista – que administra o
Estado há 13 anos e vai seguir ao menos até 2022. Os conselheiros Marcos Loreto
e Ranilson Ramos tiveram nomeações assinadas pelo governador Eduardo Campos
(PSB) e estão nas vagas indicadas pela Assembleia Legislativa (Alepe).
Indicado
por Paulo Câmara (PSB), o conselheiro Carlos Neves ocupa a vaga de livre
escolha do chefe do Executivo. Ainda nas vagas de indicação da Alepe, estão a
conselheira Teresa Duere, com a nomeação feita pelo ex-governador Jarbas
Vasconcelos (MDB), e o conselheiro Carlos Porto, nomeado pelo ex-governador
Carlos Wilson, que pertencia ao MDB quando exerceu o cargo e que faleceu em
2009.
“Podem
se inscrever para serem os conselheiros indicados pela Assembleia três
candidatos. O governador sanciona o que tem pelo menos 25 votos. Se nenhum
atingir essa votação, é escolhido entre os dois mais votados”, explica Romário.
Outra curiosidade é que o indicado pela Assembleia pode ser ou não parlamentar.
Mas nem todo conselheiro passou por esse processo. “Marcos Loreto foi uma
indicação única da Alepe”, lembra Romário.
Numa
candidatura única, o indicado deve ter o apoio de 13 deputados. Atualmente, a
Alepe tem 49 deputados estaduais. Essa indicação única foi apadrinhada pelo
então governador Eduardo Campos.
“A
primeira coisa a entender é que os governadores nomeiam os conselheiros dos
tribunais de contas porque a indicação é um comando constitucional que tem que
ter a participação do chefe do Executivo”, explica a presidente da Comissão de
Estudos Constitucionais e Cidadania da OAB Pernambuco, Adriana Rocha. Isso
significa que a forma de indicar os conselheiros dos tribunais – incluindo os
de contas – é estabelecida nas Constituições do Brasil e dos Estados.
Segundo
Adriana, “em princípio, o fato de o governador nomear não significa que aquele
membro do tribunal vá se submeter ao governante que o nomeou. A nomeação também
vem do chefe do Executivo no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros
tribunais superiores. A Constituição Federal estabelece freios e contrapesos
para que as instituições de controle funcionem”.
Ela
defende que deveriam ser definidos critérios mais objetivos para quem for
ocupar o cargo, como uma forma mais específica de medir o notório conhecimento
que o candidato tem na área jurídica, contábil etc, exigência que consta da
Constituição Estadual, por exemplo. “É uma crítica construtiva e seria um
aperfeiçoamento do que já ocorre hoje. No entanto, para isso acontecer, teria
que ser mudada a Constituição”, comenta Adriana.
Há a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de nº 02/2018, da senadora Rose de
Freitas (Pode-ES), que propõe retirar o critério da indicação política, fazendo
uma composição majoritária de selecionados em concursos públicos de provas e
títulos para o Tribunal de Contas da União (TCU) e as demais cortes de contas
dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Em
Pernambuco, não há tribunais dos municípios. Os conselheiros seriam
substituídos pelos novos critérios à medida em que os atuais ocupantes fossem
se aposentando. A PEC tramita no Senado desde 2018 e não saiu do lugar. “A
indicação política não resulta necessariamente em alinhamento ideológico. No
Supremo essa condição não é verdadeira. O ministro-presidente Dias Toffoli votou
a favor da condenação do ex-ministro José Dirceu (PT) e foi nomeado ao cargo
pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)”, lembra o professor da
Escola de Direito da FGV do Rio Daniel Vargas. Dirceu foi ministro da Casa
Civil quando Lula estava no Planalto. E Toffoli atuou como advogado do partido
anteriormente.
Daniel
defende que os conselheiros dos tribunais de contas deveriam ter mandatos por
um período de 12 anos, não um cargo vitalício. “Nos últimos 10 anos, houve um
fortalecimento dos órgãos de controle, e há um amadurecimento nesse sentido. Há
uma briga crescente entre o Executivo e os órgãos de controle. Os órgãos de
controle devem ter uma compreensão cautelosa no meio de uma pandemia”, resume
Daniel.
Outro
fator que contribui para aumentar a tensão é que as auditorias de compra de
bens e serviços realizadas pelos auditores do TCE durante a crise sanitária
estão sendo acompanhadas logo depois dos contratos serem fechados pelo
Executivo, o que é uma novidade em Pernambuco.
A
reportagem do JC tentou insistentemente falar com o presidente do TCE, Dirceu
Rodolfo, para essa reportagem, mas não conseguiu. Também foi procurado o
presidente da Associação dos Auditores do Tribunal de Contas de Pernambuco,
Fábio Lira, que disse não ter interesse em falar para um jornal sem saber
detalhes do que seria a reportagem. Também não quis ouvir do que se tratava. As
informações são do Jornal do Commercio.
Blog: O Povo com a Notícia