Depois de 13 anos em obras, o presidente da
República, Jair Bolsonaro (sem partido), inaugurou a chegada da água da
transposição do Rio São Francisco ao reservatório de Jati, o primeiro do Ceará.
O empreendimento é a maior obra hídrica realizada no Nordeste desde a década de
70 do século passado. “Estou feliz de trazer água para quem precisa.
É uma
novela que está chegando ao fim”, disse Jair Bolsonaro, em entrevista, depois
de acionar o botão que encheria o açude. Quer dizer, a “novela” ainda não
terminou e incluiu também pequenas inaugurações dos três últimos presidentes do
País: Michel Temer (MDB), Dilma Rousseff (PT) e Lula (PT). E, assim como a de
hoje, nenhuma delas celebrou o término da obra. Ainda faltam 2,5% a serem
concluídos no Eixo Norte, um dos dois canais do empreendimento, que capta a
água na margem do São Francisco em Pernambuco e vai levá-la também para a
Paraíba e o Rio Grande do Norte, além dos Estados já citados.
“Todos
querem ser pai, mãe, ou padrinho da Transposição do São Francisco. É uma obra
estruturadora que tem um apelo político de cunho eleitoral muito forte, pois
leva água pra uma região e municípios que têm dificuldade de obtê-la”, resume o
professor associado do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE) Ernani Carvalho. E complementa: “A transposição teve um
ecumenismo de inaugurações para todos os gostos, partidos e ideologias”.
O
lado bom, segundo Ernani, é que o Brasil está ultrapassando aquela tradição de
abandonar uma obra porque foi iniciada por um grupo político que não é o meu.
“Isso é um avanço no País. E, mesmo com as crises econômicas que ocorreram nos
últimos cinco anos, todos os presidentes fizeram questão de dizer que estavam
liberando recursos para a transposição”, comenta o professor.
A
secretária de Recursos Hídricos de Pernambuco, Fernandha Batista, compartilha
da mesma opinião que o cientista político. “É uma obra que tem muitos pais e
mães. Mas a maior luta é dar continuidade aos projetos complementares. O acesso
à água é um dos principais elementos de redução da desigualdade. E o Agreste
virou Sertão”, comenta.
Grande
parte da década passada foi de uma estiagem intensa em grande parte do
Nordeste, iniciada em 2011/2012 e que só terminou depois de 2017. Isso também
mostra o quanto esse projeto é necessário, pois ao longo dos dois canais foram
construídos pelo menos 27 reservatórios de água.
De
inauguração em inauguração, a transposição dá mais um passinho. Na da última
sexta-feira, cada estação do trecho inaugurado tinha uma bomba, o que deixava
essa parte do canal com a capacidade de transportar pouco mais de 10% da sua
capacidade. O Eixo Norte tem 260 quilômetros de extensão, começa em Cabrobó, em
Pernambuco, e termina no Sul do Ceará. Tem também uma ramificação que chega ao
Rio Grande do Norte e que ainda será construída.
O
atual governo desembolsou cerca de R$ 509,3 milhões para recuperar trechos do
canal deteriorados pelo tempo. O Eixo Norte, por exemplo, estava com 96% de
execução das suas obras em agosto de 2018. E este percentual foi mais ou menos
o mesmo de 2016 até 2018 por vários motivos, incluindo a crise econômica,
construtoras que abandonaram as obras por causa dos crimes apurados pela
Operação Lava Jato e pedidos de repactuação de preços.
O
outro canal da transposição é o Eixo Leste, com 217 quilômetros de extensão,
captando a água na cidade de Floresta, em Pernambuco, e indo até Monteiro, na
Paraíba. Foi inaugurado oficialmente no dia 10 de março de 2017 pelo então
presidente, Michel Temer (MDB), sob uma grande pressão política, pois a região
de Campina Grande estava quase entrando em colapso devido a uma grande estiagem
que assolou a região.
Também
na época, contou com um certo grau de improvisação com quatro motobombas
emprestadas pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que na época
tinha pretensão de disputar a Presidência da República em 2018. Nove dias
depois, os ex-presidentes Lula e Dilma fizeram um grande ato de inauguração
informal do Eixo Leste, próximo à cidade de Monteiro, na Paraíba.
A
transposição foi iniciada em 2007 pelo então presidente Lula, e a expectativa
era de que fosse concluída em quatro anos. Na última quinta-feira, o
ex-presidente petista postou nas suas redes sociais: “O povo sabe quem lutou
para tornar realidade a transposição do São Francisco”, reivindicando a
paternidade do projeto.
ÁGUA NA TORNEIRA
Até
agora, foram gastos cerca de R$ 10,8 bilhões pelo governo federal na
transposição. “As águas do São Francisco chegarem ao Ceara é um marco. No
entanto, só andamos até agora uns 70% do caminho. Faltam 30%, que são as obras
complementares que vão fazer a água chegar à torneira das pessoas. O Ramal do
Agreste está num ritmo bom. Mas os recursos da Adutora do Agreste chegam à
conta gotas. O governo federal dá prioridade à obra que é dele”, explica o
professor da UFPE e especialista em recursos hídricos José Almir Cirilo.
Dos
dois ramais da transposição, o Leste é o mais importante para o abastecimento
de Pernambuco. A partir dele vão sair o Ramal do Agreste e a Adutora do
Agreste. O primeiro é um canal de cerca de 70 quilômetros que começa em
Sertânia e vai até Arcoverde. Foi iniciado em abril de 2018, está sendo
implantado pelo governo federal e está com 60% de realização das obras. Este
ano, recebeu R$ 163,6 milhões da União.
Já a
primeira etapa da Adutora do Agreste é o maior projeto hídrico de Pernambuco.
Com cerca de 772 quilômetros de extensão, se arrasta desde 2013 e está sendo
construída pelo governo do Estado com recursos repassados pela União. Desse
total, foram implantados 580 quilômetros. Faltam cerca de R$ 240 milhões para a
adutora ser concluída. De janeiro até o começo deste mês, a União havia
repassado R$ 10,6 milhões para a Adutora do Agreste.
Na
visita que o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PSDB-RN),
fez a Pernambuco no começo da semana passada, prometeu repassar mais R$ 25
milhões para a Adutora do Agreste e R$ 43 milhões para o Ramal. “Caso não
cheguem mais R$ 44 milhões, a Adutora do Agreste será paralisada em setembro”,
explica Fernandha Batista.
Se a
primeira etapa da Adutora do Agreste fosse concluída, 23 municípios, alguns
pernambucanos, poderiam receber a água do São Francisco vinda do Eixo Leste.
Este canal beneficia 46 cidades, das quais só sete estão em Pernambuco, e o
restante, na Paraíba. Ou seja, depois de 13 anos do início da transposição, as
principais obras complementares em Pernambuco continuam inacabadas.
Também
não está definida como será a gestão da transposição. O custo anual de
manutenção do empreendimento é de cerca de R$ 320 milhões, dos quais R$ 190
milhões são gastos na conta de energia. O governo federal chegou a anunciar que
implantaria um projeto de geração solar por um empreendedor privado que usaria
uma parte dessa energia no projeto e comercializaria o restante. Não saiu do
papel.
Se o
custo continuar alto, poderá ser repassado na conta de água dos consumidores de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Cerca de 12 milhões de
pessoas podem ser beneficiadas pela transposição, quando o projeto e todas as
suas complementares estiverem em operação. As informações são do Jornal do
Commercio.
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