A cena se repete em várias cidades do
Brasil: dezenas ou até centenas de pessoas ficam em filas na porta de agências
da Caixa Econômica Federal, à espera do auxílio emergencial de R$ 600 oferecido
pelo governo. O que a imagem desta inevitável aglomeração não mostra são os
brasileiros que deveriam, mas não estão ali. E por um motivo aparentemente
simples: não possuem documentos.
“Se a
pessoa não tem nenhum documento, ela está fora do radar do Estado.
Literalmente, é como se aquela pessoa não existisse. Isso gera um grau de
invisibilidade tremendo”, diz Renata Bichir, pesquisadora do Centro de Estudos
da Metrópole.
Esses
“invisíveis” não possuem RG, CPF, carteira de trabalho, título de eleitor,
certidão de casamento, carteira de motorista… e não terão sequer uma certidão
de óbito. É uma vida inteira fora dos registros oficiais.
E a
base dessa jornada marcada pela falta de documentos é a ausência da certidão de
nascimento. “São pessoas que já nascem sem serem vistas pelo Estado e seguem a
sua vida dessa forma”, afirma Marcelo Neri, economista da FGV Social.
Segundo
dados do IBGE, cerca de 3 milhões de brasileiros não têm registro de
nascimento. E esta é apenas uma estimativa, já que os especialistas consideram
difícil saber o real tamanho dessa população.
É uma
armadilha perversa de exclusão e desigualdade que começa a deixar marcas na
vida de uma pessoa ainda bem cedo. “As vacinas que ela tem que receber durante
a infância, precisam da documentação, o acesso à escola precisa de
documentação. Dois direitos, educação e saúde, são muito mediados pela
documentação”, lembra Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional
no Brasil.
Vagner
nunca tomou vacina nem frequentou a escola. A mãe dele não tinha documentos.
Desde que nasceu, ele ficou sem registro. Não sabe sequer o sobrenome. Ganhou
um apelido que tem essa função. “É Tequinho”, diz a Maria da Silva, esposa que
vive com Vagner há oito anos. “Ele deve estar na casa dos 30 anos”, diz ela.
O
casal vive em uma pequena vila chamada Petus, no município de Araripina, em
Pernambuco. Eles moram em um casebre de um só cômodo com um filho e uma filha
recém-nascida. As paredes são feitas de pau a pique e o local não tem luz
elétrica.
A
única renda fixa da família vem do Bolsa Família, que Maria recebe mensalmente.
Ela e as crianças têm certidão de nascimento. No registro, consta só o nome da
mãe. “Na certidão, eles são filhos de mãe solteira”, diz ela.
Para
a diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, o direito ao registro
civil é uma conquista civilizatória, que acompanha o desenvolvimento da sociedade
ao longo do tempo. “Ter documento é uma ferramenta fundamental da cidadania”,
afirma Werneck.
O
economista Marcelo Neri avalia que é como se o Brasil estivesse preso ao
passado. “Parte da nossa população ainda está no século XIX. Não é nem no
século XX, porque certidão de nascimento é um papel que já deveria fazer parte
da vida das pessoas já no século passado.”
Ainda
no final do século passado, a lei Nº 9.534 de 1.997 tornou o registro de
nascimento gratuito no Brasil. Só que o problema persiste, mostrando que essa
exclusão é complexa e não se explica apenas pela dificuldade financeira em
pagar pelo registro, por exemplo.
Na
Serra do Inácio, uma das regiões mais pobres do Piauí, na divisa com
Pernambuco, vivem pessoas como Genalda Maria de Jesus. Ela acha que tem 17
anos. Não tem nenhum documento. Os filhos dela também não. “Para fazer o
registro, eu preciso do meu documento. Só que eu nunca tive”, lamenta Genalda. )Via: R7)
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