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domingo, 13 de setembro de 2020

Há 70 anos, a TV chegava ao Brasil com muito improviso e aparelhos contrabandeados

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O dia 18 de setembro de 1950 foi um marco na história da comunicação do Brasil com a inauguração da primeira estação de televisão da América Latina -e a quarta do mundo, atrás somente dos Estados Unidos, Inglaterra e França.

O jornalista e empresário paraibano Assis Chateaubriand importou equipamentos para a transmissão inédita e adicionava a seu império, os Diários Associados, a primeira emissora do país, a TV Tupi.

A cerimônia, que completa 70 anos na próxima sexta-feira (18), teve falta de planejamento, falha de uma das câmeras na hora H após a bênção de um padre, improviso, poucos aparelhos disponíveis para formar telespectadores e muito nervosismo que tomou conta dos estúdios da TV Tupi, no Alto do Sumaré (zona oeste de São Paulo). Mas, no fim, deu tudo certo e a TV finalmente foi inaugurada no Brasil.

O humorista e roteirista Carlos Alberto de Nóbrega, 84, recorda-se bem daquela época. Filho do famoso artista de rádio Manuel de Nóbrega, ele conta que seu pai conseguiu comprar um aparelho para a família no ano seguinte à inauguração da TV.

"Ele estava à frente e quis comprar logo uma televisão, que era um armário e pesava uma tonelada. Foi uma sensação, uma loucura. A imagem era horrível, você tinha que ajustar 'vertical, horizontal', era um exercício de paciência. Aí começava algum programa e chovia vizinhos lá em casa."

O apresentador do programa A Praça É Nossa, do SBT, afirma que o começo da TV foi sinistro. "Pouquíssimas pessoas tinham televisão em casa. Era uma novidade. Outra coisa esquisita era que não havia uma programação contínua. [Durante a maior parte do dia] Ficava só um indiozinho, símbolo da TV Tupi, e uma musiquinha [quando não haviam programas no ar]."

Mesmo sendo o país pioneiro na América Latina, demorou quase duas décadas para que o aparelho chegasse de forma massiva aos lares dos brasileiros.

A dona de casa Raquel Custódio de Oliveira, a tia Raquel, 74, não se lembra de quando a televisão chegou ao Brasil porque era muito pequena, mas se recorda com clareza de quando se deparou com a novidade na casa em que vivia com seus pais, em Araraquara (273 km de SP), quando tinha 19 anos.

"Era 1965. Foi a primeira vez que vi um televisor na vida. Uma surpresa. Tive uma sensação magnífica porque antes, para ter lazer só era possível no cinema, nunca dentro de casa", afirma Raquel.

Uns três anos depois, Raquel se mudou para a cidade de São Paulo para a casa do tio e da avó. A família comprou um televisor Telefunken e, de quebra, ganhou muitos "televizinhos".

"Nos sábados à tarde, ligávamos a TV no quarto para assistir luta livre. No quintal, tinha uma plateia de vizinhos que levava bolos, pipoca, chá e café para assistir a TV, porque era algo raro ainda nos anos 1960. Era muito divertido, reunia várias pessoas e nos aproximava ainda mais."

Em São Paulo, Raquel, que hoje é madrinha da ala das baianas da escola de samba Rosas de Ouro, chegou a ir duas vezes nos programas de auditório da Record, inaugurada poucos anos depois da TV Tupi, na época dos famosos festivais musicais.

"Eu vi o Roberto Carlos, foi demais. Na saída, consegui pegar autógrafo de artistas como do cantor Noite Ilustrada, Trio Esperança, Jamelão e Golden Boys, amava a Jovem Guarda."

Homem na lua e na TV
No dia 20 de junho de 1969, a companhia teatral do Teatro Nacional de Comédia, no Rio de Janeiro, instalou um aparelho de TV no meio do palco para que a equipe pudesse assistir à espaçonave Apollo 11 pousar na Lua.

O aposentado Joel Jardim, 87, que na época era cenógrafo e não tinha TV em casa, conta a sensação de ver o astronauta norte-americano Neil Armstrong pisar na Lua pela primeira vez na história da Humanidade. "Ficou a emoção. Tinha palpiteiro que falava que aquilo era mentira, mas foi fantástico, inesquecível de assistir na televisão ao vivo."

Jardim, que trabalhava em várias produções teatrais com atores e dramaturgos renomados, conta que ficou ressabiado com a chegada da TV no Brasil, mas nunca deixou de acreditar que aquela novidade daria certo.

"Nos anos 1950, era tudo ao vivo ainda. Aí uma vez um amigo meu me chamou para ir à TV Tupi [em São Paulo] para tocar violão no lugar de um dos músicos do [comediante Amácio] Mazzaropi, que tinha faltado. Foi ali que comecei a fazer trabalhos na TV. Até ator eu fui", conta o aposentado, se divertindo.

Ele mesmo só conseguiu comprar seu primeiro aparelho "na [loja] Sears" nos anos 1970. "Mas já era mais comum ter um aparelho em casa. Mesmo assim, não era tão fácil. Tive que pagar o carnê por vários meses."

Jardim conta que precisava colocar arame na antena para a TV funcionar, "mas era maravilhoso". "Era uma barra, mas depois foi melhorando e hoje temos esses aparelhos incríveis." O aposentado lembra bem da primeira vez que viu uma programação em cores na TV. "Foi em 1970, no jogo do Brasil na Copa do México. Foi lindo."

Inauguração quase foi cancelada
Assis Chateaubriand (1892-1968) era considerado louco mas era, acima de tudo, um visionário, segundo Vanderlei Dias, professor de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O especialista explica que a TV brasileira, atualmente, é "muito boa, uma das melhores do mundo", principalmente nos telejornais, que alcançaram um padrão de qualidade, em especial os da Globo. Uma das razões para essa evolução, segundo Dias, foi Chateaubriand.

"Ele uma figura ímpar, quase um gângster, mas certamente estava à frente do seu tempo. Ele tinha uma personalidade forte e competitiva. Ele era uma espécie de Cidadão Kane [magnata da comunicação interpretado por Orson Welles no clássico filme homônimo de 1941] do Brasil."

O professor conta que quando soube que Cuba estava sendo cogitada pelos norte-americanos para ser o primeiro país da América Latina a ter uma estação de TV, Chateaubriand tratou logo de se acelerar e inaugurar antes, em São Paulo, nos estúdios da futura TV Tupi, mesmo que de forma atrapalhada e improvisada. "Ele foi para os Estados Unidos em 1949 para negociar com os americanos e fazer uma proposta. Deu certo."

De acordo com Fernando Morais no livro "Chatô: O Rei do Brasil", um mês antes do grande dia, o engenheiro norte-americano Walther Obermüller, diretor da NBC-TV, veio ao Brasil para vistoriar os preparativos para a inauguração e perguntou aos funcionários responsáveis "quantos milhares de aparelhos de TV" haviam sido encomendados para serem vendidos em São Paulo. "Nenhum", foi a resposta que teve.

Apavorado, foi falar com Chateaubriand que tentou acalmá-lo. O empresário brasileiro ligou para uma empresa de importação e pediu que enviassem de avião 200 aparelhos em três dias. O funcionário disse que era impossível, que mesmo com a ajuda do presidente Eurico Gaspar Dutra para encurtar a burocracia, levaria ao menos dois meses.
Chateaubriand não teve dúvidas, mandou contrabandear os aparelhos e prometeu o primeiro deles ao presidente Dutra. O plano deu certo, apesar de Chateaubriand quase ter sido desmascarado pelo repórter de um de seus jornais, que descobriu o desvio, sem saber quem o solicitara.

No dia da inauguração, segundo o livro de Morais, Chateaubriand instalou vários aparelhos pela região central de São Paulo para que a população passasse a conhecer aquela que, até então, era um mistério para a maioria das pessoas.
No dia D, Hebe cantaria um hino especialmente feito para aquela ocasião, com letra do poeta Guilherme de Almeida, mas não compareceu. Foi logo substituída por Lolita Rodrigues.

Houve, ainda, a bênção do estúdio e equipamentos com água benta e, quase na hora da entrada ao vivo, uma das três câmeras, que eram interligadas, pifou. Sem ver outra alternativa, o americano mandou cancelar e adiar a inauguração, mas foi ignorado por Dermival Costa Lima e Cassiano Gabus Mendes, que insistiram e levaram o plano adiante com duas câmeras.

Finalmente, uma garotinha vestida de índio, símbolo da TV Tupi, apareceu nas telas e anunciou: "Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil". Essa foi considerada a primeira fala da televisão brasileira, protagonizada pela atriz Sonia Maria Dorce. Por ser ao vivo, e não haver tecnologia para gravar na época, não há registro da primeira transmissão de TV no Brasil. (Via: Portal Memória Brasil)

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