A conduta de remover o preservativo durante uma relação sexual sem o consentimento das partes envolvidas no ato durante o sexo é crime, e pode levar à prisão. A prática, que em países de língua inglesa é nomeada stealthing - ocultação, dissimulação -, já foi tipificada como crime na Califórnia, nos EUA, recentemente.
Esse tipo de violação também não passa incólume pela legislação brasileira. Ao jornal O Globo, a advogada Thais Pinhata, mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo, explicou que a prática é contemplada pelo Código Penal.
O artigo 215 estabelece como crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. Quando isso acontece, a pena prevista é de dois a seis anos de prisão.
Contudo, a jurista reconhece que ainda são poucos os casos levados à Justiça e, quando isso acontece, correm em segredo. Ainda assim, Thais observa que a chamada persecução penal já é uma realidade. “A polícia recebe a denúncia e encaminha para o Judiciário, que tem se posicionado contra essa atitude”, salienta.
Outro ponto destacado pela advogada é como o Sistema Público de Saúde (SUS) tem sido eficiente em acolher vítimas do stealthing. O SUS oferece atendimento psicológico, além de medidas preventivas de saúde, como a disponibilização de medicamentos voltados a doenças sexualmente transmissíveis e da pílula do dia seguinte.
O quadro muda, porém, quanto ao direito ao aborto legal, já que alguns hospitais se recusam a compreender a prática como violência sexual. Isso aconteceu, por exemplo, com uma enfermeira, de 31 anos, que conversou com a reportagem em anonimato.
Ela, que também pediu que o estado onde vive não fosse revelado, conta que teve um relacionamento de cinco meses com um homem que queria ter filhos - algo que ela sempre deixou claro que não queria.
“Na última vez em que fizemos sexo, notei que fez um movimento com a mão, e perguntei se havia tirado a camisinha. Ele me respondeu que saiu ‘sem querer’, mas que gozou dentro do preservativo. Quando fui ao banheiro, vi que não era verdade”, contou.
A enfermeira chegou a tomar a pílula do dia seguinte, mas o medicamento não funcionou, e ela acabou engravidando. Ela buscou ajuda de um hospital, onde recebeu atendimento psicológico, mas, ao reivindicar o direito ao aborto, teve o pedido enviado para análise pelo setor jurídico.
“Eu sabia que tinha sofrido um crime sexual, mas eles, não. Só conseguem entender isso em casos de estupro como aqueles em que o criminoso agarra a mulher e a violenta. Foi constrangedor passar por isso”, lamentou.
Com medo que a gestação avançasse, a mulher precisou recorrer ao grupo Milhas Pela Vida das Mulheres, por meio do qual recebeu orientação sobre o caso e apoio financeiro para buscar atendimento em outro estado - para interromper a gravidez em segurança.
“O que mais me indigna nessa história é a falta de respeito pela minha palavra. Eu dizia a ele que não queria um filho, mas era como se o que eu falasse não tivesse peso”, desabafa.
Idealizadora da campanha que auxiliou a jovem, a diretora e roteirista Juliana Reis afirma que, pelo fato de a violência contra a mulher ser tão naturalizada, muitas vítimas ainda têm dificuldade de compreender a gravidade de uma violação como essa.
“O que fazemos no Milhas é mostrar a lei para que as próprias mulheres entendam pelo o que passaram”, explica.
Embora a comprovação de crimes sexuais envolva certa complexidade, a advogada Thais Pinhata afirma que, nos últimos anos, os depoimentos das vítimas ganharam mais peso nos processos. Ainda assim, destaca a importância de se cercar de provas nessas situações.
“O ideal é buscar imediatamente a delegacia e o Instituto Médico Legal para a coleta de material biológico”, aconselha.
A defensora lembra também que não são apenas as mulheres que estão suscetíveis a esse tipo de violação. Afinal, menciona, além das relações heterossexuais, o preservativo também é usado no sexo entre homens, por exemplo.
A professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Paula Rita Bacellar Gonzaga, avalia que muitas vítimas sofrem com consequências decorrentes deste tipo de violência.
“Isso dificulta que o sujeito possa se sentir seguro novamente”, destaca.
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