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quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Nordeste: Conheça cidade do Sertão que se declarou independente e lutou pela independência do país em 1817

Cinco anos antes da Independência brasileira e 72 anos antes da proclamação da República do Brasil, a cidade do Crato, na região do Sertão, reuniu as suas principais autoridades locais e proclamou-se uma república independente.

A independência do Crato foi curta: durou cerca de 8 dias. Neste breve período, no entanto, a vila chegou a formar um governo provisório; foi à vila vizinha, de Jardim, e a fez declarar independência também; e preparou tropas para invadir a vila de Icó, à época com forte presença portuguesa.

O episódio da independência do Crato foi mais um de um longo histórico de envolvimento político do Cariri cearense. Entre 1822 e 1823, com as guerras de Independência brasileira, soldados desta região lutaram no Piauí e no Maranhão contra os portugueses. Em 1824, lutaram na Confederação do Equador.

Em maio de 1817, quando proclamou-se república, o Crato ainda era uma vila e o Brasil ainda era parte do Reino Unido com Portugal. Dom João VI estava no trono, no Rio de Janeiro, com toda a Corte portuguesa, fugida de Lisboa após invasão pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte.

Para sustentar a nova Corte, a burocracia estatal recém-ampliada na cidade e as intervenções urbanas que o rei promoveu no Rio de Janeiro, o governo real subiu os impostos, que sufocaram os principais centros comerciais do Brasil, localizados então no Nordeste.

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Ao mesmo tempo que o rei ajustava a nova capital do império português, circulavam fortemente os ideais da Revolução Francesa, amplificados pelos sucessos militares de Napoleão. No continente americano, aumentavam o número de países independentes: Estados Unidos desde 1776, Haiti em 1804, Paraguai em 1811, Argentina em 1816.

Foi neste cenário que eclodiu a Revolução Pernambucana, em 1817. E com ela, a independência da vila do Crato.

A revolução dos padres chega ao Cariri

Em 6 março de 1817, estourou na Província de Pernambuco uma revolução contra os portugueses, contra os impostos pagos à Corte e a favor de mais autonomia para as províncias. Militares se revoltaram contra oficiais de alta patente, prenderam o governador e libertaram presos políticos.

No mesmo dia, os revolucionários organizaram um governo provisório. Eles também enviaram emissários em busca de contagiar as províncias vizinhas e conseguir apoio - e conseguiram respostas positivas na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

Havia tantos padres envolvidos neste movimento que, mais tarde, alguns chamaram a Revolução Pernambucana de “revolução dos padres”. No Ceará, o responsável por trazer a mensagem revolucionária foi justamente um padre: José Martiniano Pereira de Alencar.

Martiniano de Alencar foi um dos principais nomes da proclação da República no Crato — Foto: Sébastien Auguste Sisso

“Ele é escolhido por fazer parte de uma família influente no interior aqui do Cariri, com ramificação do poder sociopolítico e econômico tanto no Ceará quanto no Pernambuco, parte do Rio Grande do Norte, Paraíba”, explica o historiador Luiz Costa, que estudou a proclamação da República do Crato.

Martiniano, futuro senador do império e pai do escritor José de Alencar, era filho da revolucionária Bárbara de Alencar, hoje considerada a primeira mulher presa política do Brasil. Nascida em Exu, no Pernambuco, região vizinha ao Cariri cearense, Bárbara viveu a maior da parte no Crato, onde militou politicamente.

Além da mãe revolucionária, o irmão de Martiniano, Tristão Gonçalves, também foi uma figura liberal importante, com envolvimento tanto na revolução de 17 quanto na Independência em 22 e, em 1824, na Confederação do Equador.

Em 1817, a capital do Ceará, Fortaleza, era uma vila pouco desenvolvida e pouco habitada, que tinha a seu favor apenas ser a sede do governo provincial. As principais áreas produtoras da província estavam nas regiões do Vale do Jaguaribe e do Cariri, onde viviam a maior parte da população e onde ocorria a maior parte do comércio, sobretudo o de carne.

Nesta época, além das riquezas, o Crato também era uma comarca, ou seja, uma vila que concentrava funções político-administrativas de áreas vizinhas, portanto, inúmeras vilas do Sertão, do Cariri e do Vale do Jaguaribe dependiam do Crato.

“O Crato vai estar num local chave: distante de Fortaleza (capital) para sofrer a repressão e muito próximo de Pernambuco para poder ajudar e ser ajudado pelos revolucionários", aponta Luiz Costa. E foi justamente para esta vila que Martiniano foi enviado com objetivo de difundir a causa revolucionária.

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Mapa da então Vila da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, que viria a se tornar a cidade de Fortaleza, capital do Ceará — Foto: Terto de Amorim/Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal

A breve República do Crato

Martiniano chegou ao Crato no dia 29 de abril de 1817, quase dois meses após a revolução estourar no Recife. Durante três dias, ele articulou com sua mãe, Bárbara de Alencar, apoio à revolução junto a autoridades locais, outras famílias influentes e líderes militares.

Neste ponto, a historiografia oficial tem discordâncias sobre a data em que a Independência foi oficializada na Casa da Câmara, órgão semelhante à Câmara de Vereadores hoje, mas que na época concentrava também poderes executivos e até judiciários.

O que se sabe é: no domingo, 3 de maio, após a missa na Igreja da Sé do Crato, Martiniano subiu ao púlpito e leu o Preciso de Mendonça, manifesto revolucionário de Pernambuco. Neste momento, ele e seus aliados declararam a independência do Crato em relação a Portugal e a formação de um governo republicano.

Segundo alguns historiadores, na mesma noite os revolucionários teriam ido da igreja à Casa da Câmara oficializar a Independência. Segundo outros, isso ocorreu apenas no dia seguinte, 4 de maio. O fato é: no dia 4, o Crato era oficialmente independente.

Neste dia 4, foi promovido um jantar de comemoração na casa de Bárbara de Alencar com importantes figuras do local. Entre os presentes estava o baiano José Pereira Filgueiras, capitão-mor (espécie de chefe dos militares) do Crato.

“Filgueiras é uma figura-chave por ser o capitão-mor do Crato e ter muita influência na região”, indica Luiz Costa. Os revolucionários contavam com o apoio de Filgueiras para garantir o sucesso da revolução e, mais tarde, marchar sobre Icó e sobre Fortaleza.

“Martiniano vem de Pernambuco com uma carta endereçada a ele, que o Barão de Studart conseguiu preservar, que é chamando ele para luta: 'Capitão Filgueiras, quem é te demoras? Sei que não é o medo, pois ao teu grito milhares de pessoas se levantarão', para dizer da importância da voz de Filgueiras para levantar as pessoas”, continua o historiador.

Bárbara de Alencar é considerada uma das primeiras mulheres militantes políticas do Brasil — Foto: Biblioteca Nacional

No dia 5, os revolucionários foram até a Vila de Jardim, município vizinho, e também declararam independência do local. Os cratenses chegaram a preparar tropas para invadir a vila de Icó, que servia de entreposto comercial entre a região do Cariri, o Vale do Jaguaribe e Aracati, no litoral, de onde os produtos eram exportados para a Europa e outras províncias do Brasil.

Icó, assim como Fortaleza e Crato, era uma das vilas mais importantes do Ceará. Era também um reduto pró-Portugal – o próprio centro da cidade, ainda hoje conservado, foi desenhado em Lisboa. A invasão de Icó ficaria por conta de Pereira Filgueiras.

Filgueiras, inicialmente, teria apoiado os revolucionários. No entanto, algo mudou. Com os homens com quem deveria apoiar a revolução, invadir o Icó e, depois, marchar sobre a capital Fortaleza, Filgueiras se voltou contra o Crato e debelou os revolucionários.

No dia 11 de maio, a revolução foi encerrada pelas forças de Filgueiras. Vários participantes foram presos, entre eles Bárbara de Alencar, que passou quatro anos na cadeia.

“Após a contenção da revolta, o que se tem do capitão-mor da capitania do Ceará é uma repressão muito forte, procurando gente implicada, pessoas que poderiam ser identificadas com as causas liberais exaltadas, que eram a causa da revolução”, explica Tyrone Pontes Cândido, historiador e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

A República do Crato, assim, foi extinta com apenas 8 dias de existência. No entanto, cinco anos depois, as mesmas figuras que capitanearam o movimento se envolveriam em outro marco na história nacional: a Independência brasileira.

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Independência do Brasil no Ceará

Em 1822, Napoleão Bonaparte já havia sido derrotado. Dom João VI tinha retornado a Portugal, e os portugueses haviam emplacado a Revolução do Porto, que obrigou a família real portuguesa a aceitar um sistema constitucional de governo, cuja constituição seria escrita pelos parlamentares.

Enquanto esteve no Brasil, a família real implantou reformas que acabaram por permitir autonomia política e econômica do país, inclusive elevando seu status a país integrante do Reino Unido com Portugal. Os revolucionários do Porto, por sua vez, queriam que a colônia voltasse a ser uma colônia.

“Aquela crise [Revolução do Porto] forçou os grupos políticos no Brasil a tomarem uma posição, e uma das posições aventadas era a ruptura política com Portugal. Tudo isso era um grande debate que acontecia na época, principalmente na Corte do Rio de Janeiro”, explica Tyrone Pontes Cândido.

Quadro "Independência ou Morte", que representa a declaração de Independência brasileira por Pedro I — Foto: Pedro América/Museu do Ipiranga

No dia 2 de setembro de 1822, o patriarca da Independência, José Bonifácio, redigiu a declaração em que os brasileiros formalmente se separavam de Portugal e fundavam o Império do Brasil. A declaração foi assinada pela imperatriz Maria Leopoldina no Rio de Janeiro e enviada por mensageiros para Pedro I, que estava em São Paulo.

No dia 7 de setembro, às margens do riacho Ipiranga, Pedro I assinou a declaração que tornava o Brasil independente – na teoria. Na prática, foi um processo longo até a independência se consumar. “No Brasil não houve assim uma Independência provocada por uma consciência nacional coletiva que foi crescendo até se tornar a ideia de uma independência”, pontua Tyrone.

Em 1822, a comunicação entre províncias era demorada. Ao longo dos meses seguintes, as províncias brasileiras debateram e até guerrearam pela união ao Império do Brasil ou à Coroa portuguesa. No Ceará, então governado por uma Junta de Governo provisória, não foi diferente.

A capital cearense só recebeu a informação da independência no dia 14 de outubro. No Crato, apenas cinco anos antes devassado pelos portugueses por conta do apoio à Revolução Pernambucana, a notícia exaltou os ânimos. Da capital Fortaleza, no entanto, não se tinha notícias de apoio do governo provincial a Pedro I.

“No Icó, foi concentrado um colégio de eleitores e lá eles formaram uma junta [de governo], que é essa articulação que vem do Crato e vem conquistando adesão ali pelos sertões do Ceará para se contrapor à junta que estava reunida em Fortaleza. E isso porque eles acusavam essas elites de Fortaleza de não avançar na adesão da causa nacional [a independência]”, afirma Tyrone.

Entre os principais articuladores deste movimento estavam antigos rivais: o capitão-mor do Crato, Pereira Filgueiras, e o irmão de Martiniano Alencar, Tristão Gonçalves, que estiveram em lados opostos na Revolução Pernambucana de 1817.

“Essa Junta do Sertão, ela vai acusar a Junta do Litoral de ser uma junta pró-portugueses. É uma disputa das elites. Só que essa Junta do Sertão traz consigo um exército de quase 6 mil homens armados”, completa o professor.

Não foi preciso invadir Fortaleza: em 24 de novembro, a Junta Provisória reconheceu a Independência do Brasil de Pedro I.

A luta armada pela independência

Enquanto o Ceará se movimentava a favor de Pedro I, os portugueses preparavam-se para reter o controle da porção norte-nordeste do Brasil. E, de fato, Portugal controlou partes do Maranhão, do Piauí, da Bahia e do Pará por meses após a declaração de Independência.

O Ceará participou ativamente dos combates para tomar o Piauí e o Maranhão dos portugueses. Uma das batalhas mais importantes da Independência, a Batalha do Jenipapo, foi um confronto em março de 1823 entre as tropas do militar português Joaquim José da Cunha Fidié contra um grupo de homens piauienses e cearenses, armados muitas vezes com instrumentos agrícolas.

Local onde ocorreu a Batalha do Jenipapo, no município do Campo Maior, no Piauí — Foto: Memorial da Batalha do Jenipapo

Os portugueses venceram a Batalha do Jenipapo, mas perderam muitas armas. A esta altura, o Ceará havia organizado uma expedição, liderada por Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras, que saiu da capital rumo ao Vale do Jaguaribe e ao Cariri, recolhendo doações e alistando homens.

“Se naquele momento [Revolução de 1817] Filgueiras e os Alencares não concordaram em relação à tomada de poder, já em 1822 o capitão-mor vai aderir”, detalha o historiador Luiz Costa. “Tem essa dinâmica, os revolucionários de 17 entraram no governo [em 22], os contrarrevolucionários de 17 se uniram aos revolucionários de 17 para lutar pela independência no Ceará”.

Em maio, as tropas cearenses partiram do Cariri para o Piauí e se juntaram aos independentistas piauienses, e fizeram com que Fidié fugisse para Caxias, um reduto português no Maranhão. Lá, cearenses, maranhenses e piauienses fizeram um cerco à vila e renderam Fidié, enquanto a capital, São Luís, era atacada por navios mandados do Rio de Janeiro.

Naquele mês de agosto de 1823, as últimas províncias fiéis a Portugal foram conquistadas, os portugueses derrotados, e o Império do Brasil estava formado – quase um ano depois do 7 de setembro de 1822. (Via: G1 CE)

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