Se dependesse das boas intenções contidas no discurso que Dilma Rousseff leu no dia 1º de janeiro de 2010, o Brasil já estaria no paraíso. Mas a realidade —ou a difícil passagem da intenção para o fato— estragou tudo. Dentro de cinco dias, Dilma vestirá pela segunda vez, no Palácio do Planalto, a faixa presidencial. Antes, às 15h, discursará novamente no plenário do Congresso Nacional. Seu pronunciamento, em fase final de revisão, terá o efeito de uma autodenúncia. Repetirá compromissos que, assumidos há quatro anos, sobrevivem como ideais retóricos à espera de realização.
O cardápio de Dilma 2 inclui: enfrentamento da chaga inflacionária, retomada do crescimento econômico, racionalidade tributária, eficiência nos gastos públicos, reforma política e —tchan, tchan, tcchan, tchan— combate sem trégua à corrupção. Revisitando-se a fala de Dilma 1, verifica-se que todos esses temas, espécies de unanimidades brasileiras, pelo menos da boca para fora, desafiaram o mito da supergerente, derrotando-o de maneira cruel e, por vezes, humilhante.
Há quatro anos, Dilma prometeu “manter a estabilidade econômica como valor.” Declarou: “Já faz parte, aliás, da nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.” Na vida real, os brasileiros mais pobres foram chicoteados com taxas de inflação de 6,5% ao final de cada ano, sempre no teto legal da meta que o Banco Central é obrigado a cumprir.
Ao inaugurar seu primeiro ciclo, Dilma celebrou a bonança olhando pelo retrovisor: “Vivemos um dos melhores períodos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados; nossa taxa de crescimento mais que dobrou e encerramos um longo período de dependência do Fundo Monetário Internacional, ao mesmo tempo em que superamos a nossa dívida externa.” Lula aproveitara uma fase de melhoria da economia internacional para atenuar o endividamento do governo e acumular um volume recorde de reservas em dólar. Nos seus dois mandatos, colecionara um crescimento anual médio de 4%.
Ao longo de seu primeiro mandato, Dilma manteve a estratégia que Lula adotara a partir de 2008, quando o mundo fora sacudido por uma crise financeira. Para estimular o crescimento, expandiram-se os gastos e abriram-se as torneiras do financiamento dos bancos públicos. Como remédio emergencial, a estratégia funcionara com Lula. Porém, quando Dilma assumiu, estavam em alta a inflação, os gastos e o deficit nas contas com o exterior. Sem ajustes, o crescimento médio foi reduzido à metade nos três primeiros anos. E o PIB de 2014 aproxima-se de zero —coisa de 0,2%.
Num esforço para recuperar a credibilidade perdida, Dilma teve de virar, nas pegadas da vitória eleitoral, uma espécie de ex-Dilma. Abertas as urnas, os juros voltaram a subir. E a presidente reeleita indicou Joaquim Levy, um eleitor do antagonista Aécio Neves, para comandar a economia. Munido de tesoura, o ex-diretor do Bradesco prepara os cortes e a elevação de tributos que a candidata do PT dizia que não faria.
Há quatro dias, o Banco Central divulgou suas projeções para os próximos dois anos. Se tudo correr como o planejado, a inflação de 2015 será de 6%. Em 2016, o índice será de 4,9%, aproximando-se do centro da meta oficial, que é de 4,5%. Nas contas oficiais, o PIB acumulado no período de 12 meses atingiria 0,6% até o próximo mês de setembro.
A Dilma de janeiro de 2011 considerava “inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade. O uso intensivo da tecnologia da informação deve estar a serviço de um sistema de progressiva eficiência e elevado respeito ao contribuinte.” A simplificação e a racionalidade perderam-se no caminho. No mundo real, o governo limitou-se a promover uma série de desonerações que beneficiaram setores específicos da economia.
O objetivo central, que era o de retomar o crescimento, não foi alcançado. E o respeito ao contribuinte, resultou em sucessivos recordes de elevação da carga tributária. Segundo dados divulgados pela Receita Federal na semana passada, os impostos, taxas e contribuições cobrados pela União, Estados e municípios sorveram R$ 1,742 trilhão. Isso equivale a 35,95% da renda dos brasileiros. Uma taxa maior do que os 35,86% anotados em 2013.
“Faremos um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público”, discursou Dilma na cerimônia de posse de 2011. Nessa época, a presidente dizia coisas assim: “No plano social, a inclusão só será plenamente alcançada com a universalização e a qualificação dos serviços essenciais.” Ela considerava que uma “tarefa indispensável” de sua gestão era exibir “uma ação renovadora, efetiva e integrada dos governos federal, estadual e municipal, em particular nas áreas da saúde, da educação e da segurança.”
A presença do povo nas praças, na célebre jornada de junho de 2013, mostrou que a almejada qualificação dos serviços públicos tornou-se mais um compromisso do Brasil que só existe da boca para fora. Nesse mesmo país de fábula permanece como meta irrealizável a promessa de Dilma de executar outra “tarefa indeclinável e urgente”. Qual? “Uma reforma política com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública.”
A Dilma de janeiro de 2011 afirmava: “Eu e meu vice-presidente, Michel Temer, fomos eleitos por uma ampla coligação partidária. Estamos construindo com eles um governo onde capacidade profissional, liderança e a disposição de servir ao país serão os critérios fundamentais.” A pantomima foi desmentida no primeiro ano da administração, com o expurgo de sete ministros pilhados em desvios ético-morais. A Dilma atual aprendeu pouco com a anterior. Compõe uma equipe ministerial que prenuncia um 2015 igualmente tenebroso.
“Serei rígida na defesa do interesse público”, discursou a gerentona de 2011. “Não haverá compromisso com o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia.” No mesmo discurso, essa Dilma movida a boas intenções disse, alguns parágrafos antes, que “o pré-sal é nosso passaporte para o futuro, mas só o será plenamente, queridas brasileiras e queridos brasileiros, se produzir uma síntese equilibrada de avanço tecnológico, avanço social e cuidado ambiental.”
Dilma acrescentara: “O grande agente dessa política foi e é a Petrobras, símbolo histórico da soberania brasileira na produção energética e do petróleo.” Hoje, o pré-sal é uma riqueza à espera de investimentos a viabilize em escala comercial. E a Petrobras é um ninho de propinas sob investigação. Descobriu-se que, ainda sob Lula, presidia o Conselho de Administração da maior estatal do país uma Dilma cega, meio atoleimada, incapaz de farejar o assalto praticado pelos prepostos daquela coligação partidária 100% feita de gente com “a disposição de servir ao país”. — Serviço: pressionando aqui, você chega à íntegra do discurso de posse de Dilma 1. (Blog do Josias de Souza)
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