Em
Irecê, na Bahia, a hora mais aguardada da semana é a entrevista dada pelo
meteorologista na rádio. É quando os moradores esperam ouvir notícias sobre a
chegada da chuva, tão aguardada no semiárido para amenizar a severa seca que
assola o Nordeste há cinco anos. O produtor rural Edinaldo Campos nem sempre
entende a linguagem do especialista. Neste ano, ele perdeu toda sua produção de
milho e não para de furar poços atrás de água para irrigar o único hectare de
beterraba que tenta cultivar.
Irecê, localizada no polígono
da seca, vive um fenômeno que chama a atenção dos técnicos: a cidade está
afundando. O motivo é a quantidade de poços perfurados, feitos sem planejamento
integrado por produtores desesperados por causa da escassez. Em todos os
estados do Nordeste, a seca não se restringiu às zonas rurais mais vulneráveis,
mas também avançou para grandes centros urbanos.
Em Campina Grande, na Paraíba,
um dos principais polos industriais da região, a crise impôs um racionamento há
meses. O açude Epitácio Pessoa, que leva água à cidade e a outros 18
municípios, está com 5% de sua capacidade. Esse é o pior nível registrado desde
a sua construção, no fim da década de 1950. "Se não chover, não haverá
água a partir de março", admite Paulo Varella, presidente da Agência
Nacional de Águas (ANA).
"Acompanhamos o cenário em
tempo real da nossa sala de situação e atuamos junto aos estados na gestão da
crise", complementa. Açudes e cisternas vazias No Sertão e Agreste de
Pernambuco, dados apontam para o aumento da área de escassez hídrica e
temperaturas até 6 °C acima da média. O Monitor de Secas, ferramenta
administrada pela ANA que acompanha a evolução do fenômeno no Nordeste, mostra
o aumento da mancha vermelha mais escura no mapa, que indica "seca excepcional".
Mesmo no Ceará, que se destaca pela maior capacidade dentre os demais Estados
nordestinos para reservar água em açudes, a situação é crítica.
"Cortamos a irrigação para
garantir o abastecimento humano", diz Francisco José Coelho Teixeira,
secretário estadual de Recursos Hídricos. Mais de 2 mil poços foram perfurados
desde 2012, além de 200 mil cisternas construídas na última década para
aumentar a resiliência da população. A infraestrutura não afastou a crise:
"Em meio a esse cenário, o que está garantindo o sustento das comunidades
é o Bolsa Família", acrescenta Teixeira, lembrando que a única fonte de
renda dessas famílias era a agricultura.
À espera da transposição: Na visão de Francisco José
Coelho Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará, a seca atual
comprovou a necessidade da transposição do rio São Francisco.
Dois grandes canais irão levar
água pelo Eixo Norte, que vai do município de Cabrobó (PE), passando por
cidades do Ceará, até Cajazeiras (PB), e pelo Eixo Leste, que começa em Floresta
(PE) e vai até Monteiro (PB). O São Francisco percorre 2.800 quilômetros, é
fonte importante para irrigação (77% de seu uso), abastece grandes cidades e
gera energia elétrica em usinas.
A seca, porém, também impacta a
região da bacia. A conclusão do Eixo Norte, que aliviaria a situação em Campina
Grande, só deve ocorrer em 2018.
A empreiteira responsável pelas
obras, Mendes Júnior, abandonou o projeto, e uma nova licitação deve ser aberta
até o fim do ano, garante o Ministério da Integração Nacional. O Eixo Leste
deve ser finalizado na virada do ano, mas ainda não se sabe como será sua
operação em detalhes.
Sentimento de abandono: Campos diz que os pequenos
produtores se sentem abandonados. "O Estado é ausente. É por isso que nós,
na base, sofremos tanto", opina. "Se já sabiam que viria uma seca
tremenda, por que não falaram pra gente antes? Por que não deram um aviso,
falando pra gente poupar ainda mais água, ração, semente?", questiona.
Nos tempos áureos, Irecê já foi
a maior produtora de feijão da região, com 200 mil hectares de área plantada.
Com a escassez de água, as lavouras também desapareceram. Para manter a
produção familiar, agricultores locais recorrem a uma figura tradicional
caçadora de águas subterrâneas, que eles chamam de "varólogo".
Com duas varas na mão, ele
circula pelos terrenos em busca do local apropriado para perfuração do poço.
Quando as varas se movimentam, é sinal de que há água correndo debaixo da
terra. "É um conhecimento passado por gerações, poucos têm esse dom. Não
sei explicar como funciona, mas funciona", conta Campos.
Em muitos casos, a pouca água é
salobra, inapropriada para consumo humano. Paulo Varella, da ANA, é a favor de
tecnologias de dessalinização. "Não é nada excepcionalmente caro diante da
escassez", afirma. Em alguns Estados, projetos-piloto usam a energia solar
para abastecer o equipamento. Segundo Varella, o custo pode chegar a 0,50 dólar
por metro cúbico de água – o equivalente a mil litros.
Segundo a Organização das
Nações Unidas, 110 litros diários são suficientes para atender às necessidades
básicas de uma pessoa. "Muito mais caro que projetos de dessalinização são
os custos com caminhão-pipa", argumenta Varella. Para centenas de cidades
do Nordeste, esta é a única fonte de água no momento, e estima-se que o custo
com o serviço chegue a 80 milhões de reais por mês. (Via: PE Notícias)
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