Por Magno Martins
JATOBÁ (PE) – Criado em 1997,
para abrigar milhares de trabalhadores responsáveis pela construção da
hidrelétrica de Itaparica, Jatobá, a 425 km do Recife, no coração do Lago de
Itaparica, confluência dos sertões de Pernambuco e Bahia, ganhou uma simbologia
nas eleições deste ano: elegeu Goreti Varjão (SD) a primeira mulher prefeita do
município e também a única no território nacional paraplégica. Hoje com 49
anos, há exatos 18 anos ela vive numa cadeira de rodas.
Perdeu a mobilidade num terrível acidente de carro em 1998,
em que estava ao volante conduzindo mais cinco pessoas na estrada que dá acesso
ao município. A tragédia deixou um rastro de dor, sofrimento e o trauma pela
morte de duas pessoas: o professor Valdênio Brasil, amigo da família, e o primo
Antônio Carlos. Goreti, por sua vez, sofreu uma lesão na medula, paralisando o
movimento das pernas. Deus, entretanto, provocou um milagre: a filha Luana,
então com 13 anos, sofreu apenas escoriações e hoje, aos 31 anos, é formada em
Ciência da Computação.
O carro, um Tempra, virou pó. “Foi uma fatalidade, não me
lembro de nada, foi tudo muito rápido”, recorda. Mãe de mais uma filha, Maria
Clara, 20 anos, e de um filho, Igor, 19 anos, Goreti submeteu-se a tratamentos
rigorosos com especialistas de centros de saúde avançados do País para tentar
voltar a andar, mas, infelizmente, não obteve êxito. Agora, amplia a lista dos
milhares de brasileiros à espera de um milagre através da célula tronco. “Já
perdi a esperança”, admite.
As limitações impostas pela condição de cadeirante provocaram
dúvidas quando foi convocada pelo marido Itamar Assunção, ex-prefeito, impedido
de disputar a Prefeitura. Atual vice-prefeito, Itamar teve sua candidatura
impugnada pelo juiz da comarca porque a Câmara de Vereadores rejeitou as suas
contas relacionadas ao exercício de 2006. “Para mim, não foi surpresa, mas
fiquei reticente, não apenas pela questão de mobilidade, mas pelo tempo. Tive
apenas 20 dias de campanha”, explicou.
Goreti derrotou Nilson Gomes, do PSB, apoiado no município
pelo governador Paulo Câmara, e mais dois outros adversários: Rogério Ferreira,
do PR, e Washington Souza, do PCdoB. Para o principal oponente, abriu uma
frente de 733 votos e para o segundo, 821 votos. Obteve 3.233 votos,
39,21% dos votos válidos, enquanto o segundo colocado teve 2.506 votos, 30.39%
dos votos válidos. Rogério veio em seguida, com 2.412 votos (29,25%) e
Washington, por fim, teve 94 votos, 1,14% dos votos válidos.
Na campanha, Goreti fez poucos eventos, entre os quais três
carreatas e dois comícios, enquanto o marido, que é de fato a principal
liderança do grupo, se encarregou do porta a porta, cuidando também da agenda
nos distritos, povoados e sítios. “Minha vitória é o reconhecimento à liderança
do meu marido, que foi o melhor prefeito do município e que não pôde sair
candidato por perseguição dos seus adversários”, afirmou.
De fato, Itamar mostrou que tem
prestígio e liderança. Além de reconquistar o poder municipal, elegeu vereador
o irmão Mardônio Assunção (DEM) e cinco dos nove integrantes da Câmara
Municipal, o que deixará Goreti em condições de governar com maioria na Câmara,
elegendo de imediato o presidente da Casa. “Itamar é a maior liderança do
município”, diz o vereador Ronaldo de Valdenor (DEM), representante da aldeia
Pankararu, quarto mais votado, com 336 votos.
Goreti, entretanto, tem suas virtudes. Quando o marido
governou o município de 2005 a 2008, assumiu a pasta de Ação Social, criando um
forte vínculo com as camadas mais pobres. Encravada à beira do Lago de
Itaparica, paradoxalmente grande parte da população de Jatobá não dispõe de
água nas torneiras, sendo abastecida por carros pipas. Dos seis mil índios da
tribo Pankararu que povoa a região, 43% estão em terras jatobaenses, sem água
para beber e produzir lavouras de subsistência.
“Minha prioridade será o acesso à agua”, anuncia a prefeita
eleita, que terá, também, de cuidar da acessibilidade para poder cumprir a sua
rotina do dia a dia. A sede da Prefeitura e as demais secretarias, locais de
despacho a partir de 1 de janeiro, não têm rampa para cadeirantes. “Esta é uma
das minhas preocupações também, não apenas pensando em mim, porque não sou a
única cadeirante da cidade”, afirmou.
Não fosse a gulodice do prefeito de Paulo Afonso, que tomou,
na força da lei, grande fatia dos royalties que Jatobá tinha direito por ser
parte integrante do território das usinas geradoras de energia do sistema
Chesf, o município poderia estar hoje numa situação bem melhor. Itamar governou
na época de vacas gordas, em que pegou uma transferência maior de royalties,
mas lamenta que o Governo Federal não tenha corrigido os percentuais de
distribuição entre os municípios de Jatobá, Petrolândia, Paulo Afonso e Delmiro
Gouveia.
“Essa pendenga está judicializada
e será uma das bandeiras de Goreti”, destaca Itamar, ressaltando que
Petrolândia, município vizinho, também deixou de receber um bom quinhão dos
royalties. Eleito pelo PT, mas hoje desfiliado da legenda, o prefeito Robson
Leandro, embora tenha sido apoiado por Itamar e este ainda integre o seu grupo,
não apoiou nenhum dos candidatos a prefeito.
Desgastado pela péssima gestão que toca, o ex-petista foi,
estrategicamente, alijado do palanque de Goreti. “Se ele tivesse me apoiado com
certeza não teria sido eleita”, reconhece a prefeita eleita, adiantando que o
prefeito abandonou a cidade e por isso mesmo tem um percentual de altíssima
rejeição na população. Ela está desconfiada de que receberá das mãos dele uma
verdadeira massa falida. “Já criamos a equipe de transição, mas os números
sobre a saúde financeira do município ainda não apareceram”, diz ela.
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