Adepto da política de celas
vazias, o ministro Gilmar Mendes reiterou sua intenção de reverter uma
histórica decisão do Supremo Tribunal Federal — aquela que permitiu o
encarceramento de pessoas condenadas na primeira e na segunda instância do
Judiciário. O aviso de Gilmar consta no despacho divulgado nesta quarta-feira
pelo Supremo. Nele, o ministro mandou suspender a execução da pena imposta a
uma pessoa chamada Vicente Paula de Oliveira. A sentença é de 4 anos e 2 meses
de prisão, em regime inicialmente semiaberto. O veredicto foi confirmado pelo
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), sediado em Brasília.
Ironicamente, o despacho de Gilmar veio à luz no mesmo dia em que Sergio
Moro mandou prender Marcio Andrade Bonilho — condenado por ele a 14 anos de
cadeia — e Waldomiro de Oliveira — sentenciado a 13 anos e 2 meses de
prisão. Os veredictos foram confirmados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4), que fica em Porto Alegre. Guiando-se pela jurisprudência do
Supremo, os desembargadores ordenaram a execução das penas. E o juiz da Lava
Jato obedeceu.
''Há uma ordem do Egrégio Tribunal Regional Federal”, anotou Moro. “E não
cabe a este Juízo questioná-la.'' Foi a primeira vez que o juiz mandou prender
réus que recorriam à segunda instância em liberdade. ''A execução após a
condenação em segundo grau impõe-se”, acrescentou Moro. “Sob pena de dar causa a
processos sem fim e, na prática, à impunidade de sérias condutas criminais.''
No seu despacho, Gilmar Mendes faz referência à jurisprudência que o TRF-4
e Sérgio Moro usaram como um antídoto contra a impunidade. O ministro lembrou
que, de fato, o Supremo vem aplicando a jurisprudência segundo a qual a
execução das penas na segunda instância “não ofende o princípio constitucional
da presunção da inocência”. Esse entendimento foi aprovado no plenário da
Suprema Corte, em outubro do ano passado, em votação apertada — 6 votos a 5.
Gilmar Mendes votou com a maioria. Entretanto, além de contrariar o
próprio voto na liminar que suspendeu o encarceramento confirmado pelo TRF-1, o
ministro reiterou algo que já insinuara em julgamento na Segunda Turma do
Supremo. Planeja rever o voto que proferiu no julgamento que abriu a cadeia
para os condenados na segunda instância. Deseja aderir à posição do colega Dias
Toffoli, que votou a favor do encarceramento não na segunda, mas na terceira
instância: o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Beneficiário da liminar de Gilmar, Vicente Paula de Oliveira, condenado
por crime contra a ordem tributária, havia justamente recorrido ao STJ contra a
sentença ratificada pelo TRF-1. E Gilmar atendeu ao pedido de suspensão da
execução da pena até que o STJ julgue o recurso. Entre os advogados de Vicente
Paula está o ex-deputado João Paulo Cunha, condenado pelo Supremo no escândalo
do mensalão.
Abalrroados pela ordem de prisão de Sergio Moro, Marcio Andrade Bonilho e
Waldomiro de Oliveira, envolvidos no desvio de recursos destinados à obra da
refinaria pernambucana de Abreu e Lima, também poderão recorrer contra a
decisão do TRF-4. A diferença é que os dois aguardarão o julgamento do STJ
atrás das grades.
Insinuada no texto da liminar que beneficiou um réu desconhecido, a reversão
do voto de Gilmar Mendes é aguardada por condenados e investigados ilustres.
Conforme já comentado aqui,
uma mudança na jurisprudência do Supremo pode livrar da cadeia, por exemplo,
Lula. Ele recorre no TRF-4 contra a pena de 9 anos e 6 meses que amargou no
processo sobre o tríplex do Guarujá.
Aguardam na fila, como condenações esperando para acontecer, pessoas como
Andréa Neves, irmã de Aécio Neves, amigo de Gilmar. Podem cair na teia também
políticos que não conseguirem se reeleger em 2018, perdendo o escudo do foro
privilegiado. Ou Michel Temer, que deve ser investigado por corrupção depois
que deixar a Presidência da República.
De resto, procuradores da força-tarefa de Curitiba sustentam que uma
reviravolta na jurisprudência da Corte Suprema terá efeitos deletérios sobre a
investigação do maior escândalo de corrupção da história. O sucesso da Lava
Jato escora-se em três novidades: 1) A corrupção
passou a dar cadeia; 2) O medo da
prisão potencializou as delações; 3) E as
colaborações judiciais impulsionaram as descobertas. Esse círculo virtuoso está
ameaçado.
Nesse contexto, a sequência de habeas corpus que Gilmar Mendes concedeu
para libertar meia dúzia de presos da Lava Jato no Rio de Janeiro colocam o
ministro em posição análoga à da velhinha contrabandista da piada. Diariamente,
a veneranda senhora atravessava a fronteira entre o Brasil e o Paraguai de
bicicleta, carregando uma bolsa. Os guardas da alfândega revistaram-na durante
meses, à procura de contrabando. Viraram do avesso inúmeras vezes a bolsa da
velhota. E nada.
Certo dia, um dos agentes aduaneiros decidiu seguir a velhinha. Descobriu
que ela tocava um próspera loja. Comercializava bicicletas e bolsas. Moral da
anedota: quem se concentra nos detalhes acaba não enxergando o todo. A
libertação de presos no varejo é a velhinha atravessando a fronteira de
bicicleta, com a bolsa a tiracolo. A revisão da jurisprudência que autorizou a
trancar condenados no atacado a partir da segunda instância é o todo. (Via: Blog do Josias de Souza)
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